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Entre o crescimento demográfico e a qualidade de vida

Em muitos aspectos, a mentalidade desenvolvimentista predominante na Sorocaba do século 21 não é diferente daquela que permeou, sem oposição, os primeiros três quartos do século 20 – e que só começou a ser questionada a partir dos movimentos ambientalistas emergidos dos anos 1960/70

José Carlos Fineis* (Portal Porque)

Desde Baltasar Fernandes, a ideia de desenvolvimento da cidade está associada a crescimento da população, mas isso começa a prejudicar a qualidade de vida e precisa ser revisto. Foto: Renata Rocha/Portal Porque

Sorocaba completa 369 anos de fundação nesta terça-feira, 15, sem a coragem e o descortino necessários para encarar uma pergunta que vem sendo feita por vozes isoladas há mais de uma década, e que os governantes ignoram ou fingem ignorar: afinal, já não está em tempo de a cidade parar de perseguir o crescimento demográfico a qualquer preço, a fim de evitar perdas irreparáveis para a população?

O assunto é espinhoso, especialmente para quem depende do voto de confiança do eleitorado, pois implica defender e explicar uma realidade contrária ao senso comum, instilado no inconsciente coletivo quase que como um dogma desde os tempos de Baltasar Fernandes: a ideia de que “desenvolvimento” é sinônimo de “crescimento”, e de que é impossível conseguir um sem que se promova o outro.

Em muitos aspectos, a mentalidade desenvolvimentista predominante na Sorocaba do século 21 não é diferente daquela que permeou, sem oposição, os primeiros três quartos do século 20 – e que só começou a ser questionada a partir dos movimentos ambientalistas emergidos dos anos 1960/70. Uma ideia de desenvolvimento que tinha por régua e compasso a expansão urbana, a ocupação do território, o surgimento de novos bairros.

É preciso rever esse conceito com urgência, para evitar que Sorocaba não reproduza o erro de outros centros urbanos, onde o crescimento populacional descontrolado resultou em deterioração da qualidade de vida. E isso já tem ocorrido por aqui. Prova maior é o descompasso entre a progressão demográfica e a expansão de serviços públicos em áreas sensíveis como segurança pública, saúde e habitação.

No Censo 2022, Sorocaba ultrapassou de longe as projeções de crescimento feitas pela Fundação Seade (Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados), que previam um pico de 715.449 habitantes somente em 2040 e um encolhimento gradativo a partir de então. Em 2022, ou seja, 18 anos antes da data prevista para o pico populacional, Sorocaba ultrapassou as projeções e chegou aos 723.574 habitantes.

O número é 5,3% maior do que o previsto pela Seade para 2025 e 1,1% maior do que o esperado para 2040. Festivamente, o prefeito comemorou o fato de Sorocaba ter crescido 136.949 habitantes – o equivalente à população de Varginha (MG) – em apenas 12 anos, um acréscimo de 23,3%. Em números absolutos, em todo o País, Sorocaba só cresceu menos que Manaus (AM), Brasília (DF) e São Paulo, capital.

Nessa Sorocaba inchada pelo marketing oficial que vende a imagem de “melhor cidade do Brasil para se viver”, o número de crianças sem creche aumentou 12% em um ano, chegando a 2.637 em julho (leia aqui); a fila de exames, consultas e cirurgias cresceu 83% em um ano e meio, atingindo 160.273 procedimentos em espera também em julho (leia aqui); e o déficit de mais de 46 mil moradias nem sequer começou a ser reduzido (leia aqui).

O caos na saúde terceirizada, a insegurança crescente, a defasagem do transporte coletivo, o retrocesso em setores que são indicadores universais da qualidade de vida, como a Cultura – e, problema gravíssimo que tem sido menosprezado pelo governo municipal, a capacidade limitada de adução de água potável –, atestam a urgência de se repensar Sorocaba à luz de um desenvolvimento dissociado da expansão populacional.

Sorocaba precisa crescer, sim, mas crescer em oferta de serviços de saúde, em construção de habitações dignas, em abertura de vagas em creches e leitos em hospitais. Crescer em educação, em mobilidade, em empregos, em segurança pública, em zeladoria urbana. Isso passa por um novo conceito de cidade, que se insere, necessariamente, na busca de projetos de desenvolvimento coordenados com os demais municípios da Região Metropolitana.

Como será Sorocaba daqui a 20 ou 30 anos? As favelas, que aumentaram exponencialmente nos últimos anos, terão sido substituídas por conjuntos habitacionais dignos? Os munícipes, os comerciantes, terão segurança para passear e trabalhar, ou precisarão se recolher atrás de cercas elétricas e concertinas? Haverá água potável para abastecer a todos, ou viveremos o inferno dos racionamentos recorrentes?

Respostas a essas perguntas devem ser buscadas sem mais demora, especialmente neste momento em que uma revisão do Plano Diretor começa a ser discutida. Sorocaba cresceu desordenadamente e se tornou uma cidade grande, com problemas cujas soluções se mostram cada vez mais difíceis. O momento oferece uma oportunidade histórica – talvez a última – de assegurar que a cidade seja, acima de tudo, um bom lugar para se viver.

*José Carlos Fineis é editor-chefe do Portal Porque


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