
O vereador Simoa ressalta a importância de se iniciar uma discussão sobre o assunto, despida de preconceitos. Foto: Câmara de Sorocaba
A Câmara Municipal de Sorocaba discute, nesta terça-feira, 8, projeto de lei que viabiliza a criação de políticas públicas de saúde para o uso medicinal da cannabbis. De autoria do vereador da base do prefeito, Fabio Simoa (Republicanos), a apresentação do projeto é o início de uma discussão, mas o assunto não deve ser votado ainda, pois a proposta receberá emendas do próprio proponente. Simoa sabe que poderá haver embates ideológicos e resistência dos colegas ao assunto. “Sorocaba é Região Metropolitana e ainda tem pensamentos tão atrasados, mas essa bandeira é de extrema importância”, defende o vereador, reiterando que o partido não interfere em seu mandato.
De acordo com o projeto protocolado, o objetivo com a lei é instituir a política municipal sobre o uso da cannabis para fins medicinais, proporcionando maior acesso à saúde e atendimento adequado aos pacientes que utilizam desses medicamentos. Entre as diretrizes, além do direito à saúde constam, ainda, promover sistemas justos e sustentáveis de produção, distribuição e comercialização de medicamentos à base de canabinóides e seus principais ativos; bem como promover atividades pedagógicas e terapêuticas, entre outros pontos.
O projeto recebeu pareceres de constitucionalidade das comissões de Justiça e de Saúde, mas por conta de mudanças ocorridas por resoluções do Conselho Federal de Medicina e da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), será necessário apresentar emendas para algumas alterações, conta o vereador. Com a possível retirada do projeto da pauta do dia, a votação do PL deva ocorrer em fevereiro do ano que vem. Antes, no entanto, haverá uma audiência pública para debater o uso medicinal da cannabis com a população e associações que defendem o medicamento, muito utilizado no tratamento de epilepsia, transtorno do espectro autista, esclerose e Alzheimer.
A audiência que ocorreria neste mês foi adiada justamente pelo momento de ebulição em torno da realização da Marcha da Maconha. O prefeito Rodrigo Manga (Republicanos) ingressou com ação judicial pedindo a proibição da marcha, cuja realização já foi considerada legal pelo Supremo Tribunal Federal. Para Simoa, uma discussão pública em meio a essa situação poderia prejudicar o projeto. “Precisamos fazer uma comoção no município”, defende o vereador, que entende que ainda há adequações a fazer no PL. Ele está visitando cidades que também estão discutindo essas políticas públicas de saúde.
Além do uso medicinal da planta em humanos, há, ainda, outro projeto do mesmo vereador que viabiliza a utilização veterinária do ativo, mas que também deve ser votado no próximo ano.
A necessidade de uma política pública
Para o vereador, é de extrema urgência a sociedade discutir e se informar corretamente sobre esse assunto, a fim de que possíveis preconceitos ou desinformação não prejudiquem o acesso dos pacientes aos medicamentos. Além da comoção da população, o parlamentar começa também uma articulação na Casa, para que os vereadores e vereadoras entendam a necessidade de institucionalizar o uso medicinal da cannabis como uma política pública municipal, com ações integradas à pasta da Saúde e medicamentos disponíveis pelo sistema público.
Para os pacientes ouvidos pelo PORQUE, a possibilidade de que seja aprovada essa política pública de saúde é uma vitória, considerando as dificuldades e preconceitos que enfrentam para terem acesso aos medicamentos, que também são caros. Juliana Andrade da Silva, consultora de medicamentos à base de canabinóides e paciente em tratamento há um ano por ser portadora de lúpus e fibromialgia, acredita que a aprovação do projeto pode ser um passo importante para muita gente que ainda não consegue acessar o tratamento, e mesmo para aqueles que não conhecem ou têm resistência por conta de preconceito à utilização recreativa da planta. “Pelo que eu li do documento, esse projeto vai ajudar e muito, principalmente por ele citar a Farmácia Viva, que na prática não acontece. Então, garantir o acesso aos medicamentos ajuda muito e beneficia os pacientes.”
Ela lembra que a questão é o projeto ser aprovado por uma bancada bastante conservadora e aliada a Manga, que vem reforçando os preconceitos sobre o uso da cannabis em seus pronunciamentos sobre a Marcha da Maconha. De acordo com Juliana, há muita gente em Sorocaba que irá se beneficiar com essa lei, e há necessidade de a população conhecer as histórias e a mudança na vida dos pacientes que o tratamento proporciona.
Como Juliana, o estudante de fisioterapia Éber Ricardo dos Santos, 38, também comemorou a notícia de que há a possibilidade de a cidade ter uma política municipal para institucionalizar o uso medicinal da cannabis. “Me alegra muito! É muito necessário debater o assunto, pois todos que precisam do tratamento têm que ter acesso a ele. Encontramos muita dificuldade para conseguir ainda”, conta ele, que, em 2018, teve dois Acidentes Vascular Encefálico (AVE) e, como sequelas, teve epilepsia refratária de difícil controle. “Tinha de tomar alguns remédios por dia — Depakene, Gardenal e Rivotril. Tentei voltar a ter uma vida normal mas as crises eram constantes, e eu também odiava tomar esta quantidade de remédio pois não me permitia trabalhar, ficava o dia todo grogue e tinha diarreia.”
Éber afirma que voltou a viver normalmente após o neurologista receitar o canbidiol. Os primeiros frascos, conta ele, foram comprados clandestinamente. “Em questão de semanas minha vida foi mudando desde então. Infelizmente, os primeiros frascos foram comprado clandestinamente, até que uma pessoa que conheci começou a me doar os fracos que sobram do filho dela, até que eu ganhe o meu processo. Hoje faz 1 ano e 8 meses que faço uso do canabidiol, faz exatamente 1 ano e 8 meses que voltei a ter vida, voltei a trabalhar, voltei pra faculdade. Todo mês eu celebro a vida de novo como se nascesse todos os dias”, se emociona.