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Suicídio está entre maiores causas de mortes de adolescentes. Saiba como evitar

Nove entre dez suicídios poderiam ser evitados com acolhimento e escuta ativa; ao contrário do que se acredita, suicida potencial pode emitir sinais, que permitem uma intervenção

Regina Trombelli (Portal Porque)

Isso vai passar.” “Você tem uma vida toda pela frente.” “Não há motivo para se sentir assim.” “Você está na melhor fase da vida.” Se você já disse frases como essas a uma criança ou adolescente que se mostra triste, ansioso, desanimado ou sem esperança, saiba que a intenção pode até ser boa, mas a atitude é equivocada.

Essas são frases que minimizam ou desvalorizam sentimentos e vivências, ampliando ainda mais o sofrimento mental, desmotivando a fala e afastando o jovem de quem potencialmente deve lhe oferecer ajuda e prover tratamento. Quem faz o alerta são os profissionais de saúde mental e os próprios jovens.

Depressão e ansiedade, em diferentes graus, transitórias ou não, são os transtornos mentais que mais afligem os adolescentes. Quando persistentes e não tratadas, podem comprometer a vida pessoal, o futuro profissional e levar ao suicídio, quarta maior causa de morte entre adolescente e jovens entre 14 e 29 anos no mundo, segundo dados da Organização Mundial da Saúde (OMS). E terceira maior causa de morte entre adolescentes de 15 a 19 anos, segundo a Organização Pan-americana de Saúde (OPAS).

No Brasil, o Ministério da Saúde informou, por meio de sua assessoria de imprensa, não ter dados sobre suicídio entre crianças e adolescentes. Mas profissionais da área ouvidos pelo PORQUE afirmam que a realidade brasileira não é diferente do restante do mundo.

Ao lançar um guia informativo para implementar a abordagem — “Live life” (“Vida viva”, em tradução livre) –, com orientação para reduzir as taxas de suicídio até 2030, a OMS faz um alerta especial sobre adolescência, por ser considerado um período crítico para a aquisição de habilidades socioemocionais, principalmente porque metade dos problemas de saúde mental aparece antes dos 14 anos. Segundo a organização, desigualdades sociais e econômicas, emergências de saúde pública, guerra e crise climática estão entre as ameaças estruturais globais à saúde mental. O abuso sexual infantil e o abuso por intimidação são importantes causas da depressão.

O fator que traz certo alívio é que o suicídio pode ser prevenido em 90% dos casos, mas tratamento médico, psicológico e atenção da família e amigos são imprescindíveis. “A escuta é a ferramenta mais preciosa para prevenir o suicido e o sofrimento psíquico”, informa Eloísa Putini Cutis Rossini, psicóloga escolar no campus de Sorocaba do Instituto Federal de São Paulo (IFSP).

Embora os maiores fatores que levam ao suicídio sejam a depressão, o transtorno bipolar e o uso e abuso de álcool e drogas, a psicóloga alerta que o jovem ou adulto que tenha intenção de cometer suicídio não segue um padrão de comportamento. “É uma questão complexa. Pode ocorrer em um momento de desespero, de estresse muito grande, por impulsividade ou decorrente de um sofrimento psíquico mais longo, como a depressão”, observa Eloísa.

Ela também esclarece um equívoco cultural sobre o comportamento de quem sofre de depressão: “O depressivo não é alguém triste o tempo todo, que não sorri ou não sai de casa. A pessoa representa os papéis sociais e pode acontecer dela não dar nenhum indício do que está sentindo. Mas, na maioria das vezes, há sinas, como o isolamento, sentimento de desesperança, o abandono de si, como falta de cuidados de higiene, a automutilação, ou quando o adolescente tem uma mudança brusca de comportamento, de não gostar de mais nada, abandonar atividades ou optar pelo isolamento social”, enumera.

Quem fala também faz

Outro equívoco, alerta a psicologia Eloísa Curtis, é acreditar que o potencial suicida não avisa sobre suas pretensões. Por isso, ela alerta para observar as falas dos adolescentes e suas postagens nas redes sociais. “É lá, muitas vezes, que eles vão dar sinais do que estão sentindo, ao postar frases como ´eu vou deixar de ser um fardo para todo mundo´, ´eu não aguento mais viver´, ´eu não vou fazer falta pra ninguém´, ´eu vou sumir´ ou ´eu vou me matar´”.

Eloísa explica que esses sinais merecem atenção, pois representam uma ideação. Nesta fase, é mais fácil fazer uma intervenção do que quando há um planejamento ou uma tentativa de suicídio.

A adolescente Moana*, 17 anos, sofreu este ano a perda de uma amiga muito próxima, que tirou a própria vida aos 16 anos de idade. Segundo ela, a amiga sofria com problemas emocionais e falou mais de uma vez em cometer suicídio. “Ela já tinha falado que ia fazer isso, mas eu falava que não, que eu não ia deixar e eu também achava que ela não seria capaz, que ela falava por falar. Depois, nós ficamos um período longe uma da outra e não deu para ajudar”, relata.

Para superar a perda da amiga, Moana quer ajudar outros adolescentes que tenham transtornos de saúde mental. “Na minha escola nova estão falando sobre depressão, ansiedade e suicídio porque tem muitos adolescentes com problemas de saúde mental. Eu já sei de três pessoas na minha sala, mais próximas, que têm depressão e ansiedade. E eu quero ajudar.”

Quando foi abordada pela reportagem do PORQUE, por meio de sua mãe, Moana não aceitou de imediato dar entrevista, pois ainda estava se recuperando do choque da perda da amiga. Mas decidiu falar para alertar pais, responsáveis e os jovens sobre a problemática da saúde mental e como oferecer ajuda.

Terapia melhora convivência familiar

Os adultos minimizam nossos problemas e nós, jovens, muitas vezes, também achamos que nossos problemas são menores. Eu já me calei por achar que o meu sentimento era menor, era besteira, mas isso me trouxe ansiedade”, contou Pedro*, 13 anos. Ele faz terapia desde a primeira infância e afirma que o tratamento lhe deu mais autoconfiança, melhorou seus sintomas de ansiedade, mas também mudou a forma de agir de sua mãe, com menos julgamento e mais atenção na escuta.

Não ter boleto para pagar não significa que a gente não tenha problema, não sofra. E fazer terapia também mudou para melhor a forma como minha mãe e eu nos relacionamos, pois minha mãe passou a me ouvir melhor, me acolher mais. E eu, como filho, tive mais noção dos meus direitos e deveres também, diminuindo o quadro de ansiedade e depressão”, relata o aluno do oitavo ano de uma escola estadual de período integral de Sorocaba.

A reportagem do PORQUE perguntou ao Pedro o que ele diria se pudesse orientar pais, mães ou responsáveis sobre o acolhimento ao adolescente:

Eu diria: ele ainda é muito novo, ele tem muito o que aprender, você tem que ter paciência. Para o jovem, pelo fato dele ser jovem, as coisas para ele podem parecer muito grandes. Ele não tem maturidade ainda e essas crises podem consumi-lo.”

Adolescência é a melhor fase da vida?

A psicóloga do campus Sorocaba do IFSP, Eloísa Curtis, também chama a atenção para o uso de frases que representam pensamentos limitantes, como “a adolescência é a melhor fase da vida”. “Mas e se a vida daquele adolescente não é boa? Ele vai pensar: como assim? É a melhor fase da vida e estou triste? Como vai ser depois?”, alerta.

Ao contrário dessa afirmativa, Eloísa esclarece que a adolescência não é nada fácil, pois é um período de desenvolvimento e consolidação de identidade. “Até a infância, estamos muito ligados aos valores da família. E, na adolescência, a gente vai revisitar os valores da família para criar os nossos próprios valores e cada adolescente vai fazer o seu caminho. É um momento em que ele está construindo a sua própria identidade.”

Outro fator preocupante na adolescência são as redes sociais, ao venderem um ideal de corpo e de vida que não correspondem à realidade. “Na nossa vida real, além de felicidade e da tristeza, tem o tédio, não tem glamour, as coisas se repetem, há uma rotina e isso tudo não é valorizado nas redes sociais. A rede social mostra a melhor faceta de todo mundo: o melhor ângulo, a melhor pose, a melhor luz. O adolescente consome isso e vê que a vida dele não é como essa que está sendo vendida e aí surgem os sentimentos de inadequação, de que ele não está vivendo como deveria.”

Eloísa aconselha os responsáveis por adolescentes a acolher e ouvir sem diminuir ou minimizar o sofrimento do outro e a fazer uma escuta ativa. “Escuta ativa é estar ali para o outro, para entender a perspectiva daquele sujeito sobre o que ele está falando. Não propor soluções rápidas e fáceis, que muitas vezes a pessoa já pensou sobre aquilo. (…) Mais do que tentar solucionar, é ouvir o problema.”

*Nomes fictícios, a fim de preservar os adolescentes.

Leia nesta sexta-feira, 2/9, a segunda e última parte desta reportagem.

Atenção: se você está em sofrimento mental ou pensa em suicídio, procure ajuda médica ou de psicólogos. Há atendimento gratuito nos Centro de Atenção Psicossocial (CAPS). Não fique sozinho.

Se precisar conversar, procure o CVV pelo telefone 188, por chat ou e-mail pelo site cvv.org.br.

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