
Na maioria dos atendimentos do serviço do Gpaci, ficou constatado que as vítimas têm entre 6 e 11 anos. Foto: Banco de Imagens
Com o maior número de vítimas entre 6 e 11 anos, nos seis primeiros meses de 2023, a Escuta Especializada do Gpaci, em Sorocaba, atendeu 157 casos de violência sexual contra crianças e adolescentes. Os números integram uma triste estatística que, nos últimos anos, cresceu na cidade.
Por outro lado, dados da Secretaria de Segurança Pública do Estado de São Paulo apontam que, em 2022, foram registrados 188 casos de estupro de vulneráveis em Sorocaba. Já em 2021, foram 150 ocorrências deste tipo. O estupro de vulnerável se aplica para situações nas quais as vítimas têm menos de 14 anos ou naquelas situações em que a pessoa não tenha condições de consentir o ato sexual.
Na maioria dos atendimentos do serviço do Gpaci, ficou constatado que as vítimas têm entre 6 e 11 anos. Foram, no total, 70 casos nessa faixa etária no primeiro semestre deste ano. Na sequência, vêm 44 casos com vítimas entre os 0 e 5 anos de idade e outros 43 casos envolvendo vítimas com idades entre 12 e 17 anos. As vítimas do sexo feminino são a maioria – 108 casos no total. As do sexo masculino representam 49 ocorrências.
Para Beatriz Lopes, coordenadora da Escuta Especializada, o aumento de casos está ligado com a maior divulgação dos meios de proteção e de esclarecimento sobre os tipos de violência. “Por um lado, é triste saber que crianças e adolescentes sofrem esse tipo de violência, mas, por outro, é um ganho que esse público está conseguindo identificar a situação e buscar meios de se proteger”.
O Conselho Tutelar de Sorocaba, por sua vez, aponta que a pandemia da covid-19 pode ter relação com o crescimento do número de casos registrados na cidade. “As crianças e adolescentes passaram a ficar mais tempo dentro de casa e, considerando que a violência sexual, na maioria das vezes, é cometida por pessoas de convívio dessas crianças e adolescentes, ficaram mais expostas a esse tipo de violência”, diz o órgão.
De fato, as ocorrências na casa das vítimas lideram a estatística do Gpaci. Dos casos registrados pela entidade, 134 aconteceram nas residências das crianças e adolescentes, 14 ocorreram em escolas e 9 em vias públicas.
Ainda segundo o levantamento da entidade, o maior número de casos envolve agressores homens. São 149 casos registrados nos quais eles são os agressores. Em oito situações, a agressora é uma mulher. “A maioria dos casos envolvem familiares de confiança, que conhecem muito bem as crianças e os adolescentes, que têm um vínculo afetivo, de cuidado”, diz Beatriz.
Durante a pandemia da covid-19, o Conselho Tutelar instalou o serviço de Escuta Especializada e também criou um fluxo de atendimento, com capacitação dos profissionais e palestras nas escolas. “Sendo assim, acreditamos que essa disseminação de informação e o fluxo criado são os responsáveis não pelo aumento do número de casos, mas pelo aumento significativo de denúncias, visto que a escola é a porta de entrada e local seguro para que essas crianças e adolescentes recebam apoio e relatem sobre a violência sofrida”, revela a entidade.
Apesar disso, tanto o Conselho Tutelar quanto a coordenadora de Escuta Especializada consideram que há subnotificação dos casos. “Os números não expressam nossa realidade, isso é uma parcela muito pequena da violência. Muitas famílias omitem essa informação, tratam internamente dentro da família ou, simplesmente, desvalidam a fala das crianças”, afirma Beatriz. Ela completa que esse tipo de violência é considerada uma epidemia pela OMS (Organização Mundial de Saúde). “Só que a sociedade não quer enxergar isso”, diz.
Atendimento e dificuldades
Dos mais de 1.130 casos atendidos por mês pelo Conselho Tutelar, uma média de 28 são suspeita ou confirmação de violência sexual. “As denúncias costumam chegar principalmente pelas escolas, local em que as crianças e adolescentes se sentem seguras para pedir ajuda, ou pelos serviços de saúde do município, quando os responsáveis buscam as unidades de saúde suspeitando violência sexual ou após relatos espontâneos das vítimas. Também recebemos pelos canais oficiais do Conselho Tutelar e pelo Disque 100”, explica o órgão.
O trabalho do Conselho Tutelar, além de localizar as vítimas e os responsáveis, envolve o encaminhamento para os serviços da rede de proteção, como a Escuta Especializada, e garantir que ela seja afastada do suspeito.
“Quando o suspeito é o responsável ou há omissão por parte deste, realizamos a busca da família extensa (avós e tios, por exemplo) para que este seja responsável em proteger a criança ou adolescente. Em casos excepcionais, pode ser acolhido em uma casa lar caso não haja familiar apto a protegê-la. Porém, essa é a última medida a ser aplicada, esgotando todas as possibilidades de manutenção na família.”
O Conselho Tutelar também destaca a importância do trabalho em rede para proteger as vítimas de reviver a violência sofrida. “Ela será atendida no serviço de Escuta Especializada e seu relato será compartilhado em forma de relatório com a rede de proteção (Caps, Creas, DDM e demais órgãos), para que não seja revitimizada tendo que vivenciar seu trauma todas as vezes que for atendida.”
Além disso, a orientação é que haja um boletim de ocorrência na Delegacia da Mulher (leia a entrevista com a delegada Alessandra Reis dos Santos Silveira, titular da Delegacia de Defesa da Mulher – DDM) para investigação policial do caso.
Segundo o Conselho Tutelar, uma das dificuldades para investigar os casos é lidar com a própria família das vítimas. “Frequentemente, a família desvalida a fala da criança ou adolescente não acreditando no teor da denúncia. Como o Conselho Tutelar atua mesmo que na suspeita da violência e a fala da vítima é validada pelo órgão, a aplicação de medida de proteção é imediata. O Conselho Tutelar zela para que a vítima tenha seus direitos garantidos e esteja protegida, sendo assistida pela rede de proteção, já a investigação dos fatos é realizada pela autoridade policial.”
Sorocaba tem, no total, 30 conselheiros tutelares divididos em regiões – norte, oeste e sul/leste, cada um com 10 profissionais. De acordo com o Estatuto da Crianças e do Adolescente, cada município deve ter um Conselho Tutelar para cada 100 habitantes. Considerando que a população de Sorocaba superou 723 mil pessoas, há a necessidade de mais uma unidade para atender a demanda.
Educação e informação
Para combater os casos de violência sexual, a coordenadora da Escuta Especializada do Gpaci, Beatriz Lopes, aponta a conscientização como principal caminho. “Através de falar sobre o assunto, de empoderar nossas crianças sobre o limite do corpo. Nem é sobre trabalhar a sexualidade, mas sim os limites do corpo desde a primeira infância. Até dos toques indesejados do beijo, do abraço, respeitar esses limites das crianças e dos adolescentes. Estimular a criança a fazer a própria higiene, porque a gente sabe que a maioria das violências acontecem na hora do cuidado.”
O Conselho Tutelar destaca que a educação é a principal parceira para enfrentar o problema. “É durante uma aula sobre seus direitos e principalmente sobre prevenção da violência sexual que as crianças e adolescentes entendem sobre o tema e buscam ajuda, seja para si ou para situações em que são testemunhas.”
Onde procurar ajuda
O Conselho Tutelar pode ser acionado por atendimento presencial e por telefone:
Conselho Tutelar Norte e Sul/Leste
Avenida Washington Luiz, 598, Jardim Emília. Telefone: (15)3235-1212
Conselho Tutelar Oeste
Avenida Afonso Vergueiro, 1927, Vila Augusta. Telefone: (15)3212-4498 / 3202-1759 (atendimento presencial de segunda a sexta-feira das 8h às 17h)
Para denuncias em período noturno, finais de semana e feriados: 125 (ligações gratuitas)
Delegacia de Defesa da Mulher
Rua Caracas, 846 – Jardim América. Telefone: 3232-1417 (atendimento 24 horas)
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