
Bastante ativo nas redes sociais, o promotor de justiça Jorge Marum já causou outras polêmicas com seus posts. Foto: Reprodução/Facebook
Ele chama os atos golpistas que assolam o país de “primavera brasileira” — uma “revolução” do povo. “Está linda”, comentou em suas redes sociais, recheadas de postagens que exaltam Bolsonaro, o conservadorismo e a direita, mescladas com críticas a Lula, ao PT, ao Supremo Tribunal Federal (STF), ao comunismo e à esquerda.
Estaria tudo bem, se ele fosse apenas mais um tiozão das redes sociais; mas é o promotor de justiça Jorge Alberto de Oliveira Marum, de Sorocaba, a quem coube decidir, na semana passada, sobre uma representação contra o acampamento golpista de Santa Rosália — onde, desde o dia 2, um organizado esquema de manifestação, com retaguarda de banheiros químicos e serviço de alimentação, pede que as Forças Armadas intervenham para que o presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), seja impedido de tomar posse.
Com argumentos que evocam desde o comunismo até a Marcha da Maconha, Marum negou o pedido para que o Ministério Público atuasse na desobstrução das ruas no entorno da base do Exército em Sorocaba.
“No caso em tela, não se pode generalizar as intenções de milhares, quiçá milhões de pessoas que estão indo às ruas, não apenas em Sorocaba, mas em todo o Brasil, para protestar contra o resultado das eleições, rotulando-as de maneira coletiva como ‘antidemocráticas’ a fim de proibir as manifestações. Muitas pessoas ali presentes estão apenas expressando a sua frustração contra a eleição de um candidato do qual não gostam”, argumentou o promotor, ao negar o pedido feito pela vereadora Iara Bernardi (PT) para que o MP atuasse na desocupação das ruas nos arredores do prédio do Exército em Santa Rosália, já que os manifestantes estão atrapalhando as aulas na Escola Estadual Professor Júlio Bierrenbach Lima, conforme a representação (leia aqui).
A decisão do promotor Jorge Marum vai na contramão do trabalho que a Procuradoria-Geral de Justiça, responsável pelo Ministério Público Estadual, tem feito para combater os atos golpistas (leia aqui). Questionada pelo PORQUE sobre a decisão do promotor de Sorocaba, a Procuradoria-Geral de Justiça enviou a seguinte nota, por meio da assessoria de comunicação:
“O MPSP informa que, de acordo com a legislação, os membros da instituição têm independência funcional no âmbito de suas atribuições, não competindo à Procuradoria-Geral de Justiça tecer qualquer comentário de mérito. Importante ressaltar também que a legislação faculta ao interessado recorrer ao Conselho Superior do MPSP, se houver discordância quanto à decisão de indeferimento da representação.”
Segundo a assessoria da vereadora Iara Bernardi, a representação foi encaminhada à promotoria criminal do Ministério Público de São Paulo, após a recusa do promotor de justiça de Habitação e Urbanismo de Sorocaba.
Os argumentos de Marum
Na decisão que indefere o pedido da vereadora, o promotor Marum cita que “mesmo manifestações reivindicando a liberação de substâncias ilícitas, como é o caso da ‘Marcha da Maconha’, devem ser toleradas, como recentemente decidiu a Justiça em Sorocaba […] Até mesmo a existência de partidos políticos que defendem a implantação do comunismo, o que doutrinariamente pressupõe a ditadura do proletariado e portanto a supressão da ordem democrática vigente, é tolerada no regime democrático brasileiro.”
O promotor destaca ainda em sua decisão que “caso alguém, em meio a esses protestos, esteja cometendo um crime, como, por exemplo, ‘tentar, com emprego de violência ou grave ameaça, abolir o Estado Democrático de Direito, impedindo ou restringindo o exercício dos poderes constitucionais’ (art. 359-L do Código Penal), essa pessoa ou grupo de pessoas devem ser identificadas e responsabilizadas criminalmente pela autoridade policial e em seguida pelo órgão do Ministério Público com atribuição na área penal”.
Ao citar o Código Penal, Marum passou ao largo do parágrafo único do artigo 286, que penaliza, com prisão de 3 a 6 meses ou multa, “quem incita, publicamente, animosidade entre as Forças Armadas, ou delas contra os poderes constitucionais, as instituições civis ou a sociedade” — exatamente o que os golpistas fazem, ao pleitear publicamente, diante de um prédio do Exército, uma intervenção militar para impedir a posse de um presidente eleito, nos termos da Constituição e da legislação infraconstitucional.
A defesa da democracia, no entanto, nem estava no alvo do pedido da vereadora Iara Bernardi, que focava o argumento, para pedir a desocupação do local, nos transtornos causados pelos manifestantes para os alunos e professores do Bierrenbach.
Nesse caso, o promotor argumentou que, segundo reportagens feitas pelo jornal bolsonarista Cruzeiro do Sul, a Prefeitura está monitorando todos os pontos e promovendo ações em favor da mobilidade urbana. “Dessa forma, observa-se que a própria administração municipal vem cuidando de compatibilizar o exercício das liberdades de manifestação, expressão e reunião com a liberdade de locomoção e o direito à mobilidade urbana, não se fazendo necessária a intervenção desta Promotoria de Justiça”, isentou-se Marum, ancorado-se na dobrada Cruzeiro do Sul-Governo Manga.
O promotor chega a dizer que os manifestantes de Santa Rosália estão cumprindo decisão judicial, já que, antes de irem para a frente do prédio do Exército, estavam no bloqueio da Raposo Tavares — o que não ficou comprovado — e tiveram de desocupar a estrada a mando do Supremo Tribunal Federal (STF). “Verifica-se, assim, que tanto a polícia como os manifestantes estão cumprindo as decisões judiciais e desobstruindo as vias de transporte essenciais”, afirma o promotor, sem base concreta para sustentar seu argumento. E conclui que “não se vislumbra justa causa para a instauração de inquérito civil ou para a propositura de ação civil pública” na Promotoria de Justiça de Habitação e Urbanismo de Sorocaba.
Outras polêmicas
Ativo militante da direita nas redes sociais, o promotor Jorge Marum já causou polêmicas com seus posts, que ele afirma serem do cidadão, e não do promotor de justiça. Em 2016, afirmou no Facebook que um jovem morto pelo pai em Goiás após uma discussão seria “vagabundo”. As reportagens sobre o caso, na época, apontavam que o motivo do conflito, que resultou no assassinato do jovem e no suicídio do pai, seria porque o idoso não aceitava o envolvimento do filho com “os movimentos sociais”.
“Não precisava tanto. Era só cortar a mesada do vagabundo e chorar no banho”, escreveu Marum. O comentário do promotor correu o Brasil. Diante da repercussão negativa, ele apagou a postagem e pediu “desculpas aos ofendidos”.
Em 2015, Marum comentou uma questão do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) sobre violência contra a mulher e também causou revolta. Segundo sua visão, “mulher nasce uma baranga francesa que não toma banho, não usa sutiã e não se depila” e “só depois é pervertida pelo capitalismo opressor e se torna mulher”. Na época, a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) publicou uma nota de repúdio ao comentário sexista.