
Kits de robótica custaram R$ 26,2 milhões. Para o MP, a Secretaria de Educação, “em conluio com o sr. Prefeito Municipal”, “está mergulhada em um verdadeiro esquema para lesar os alunos da rede de ensino”, por meio de aquisições desnecessárias e superfaturadas. Foto: Divulgação/Prefeitura
A Prefeitura de Sorocaba mentiu para o TCE (Tribunal de Contas do Estado) no processo que julgou regular a compra dos kits robóticas para as escolas por R$ 26,2 milhões. A decisão do TCE está sendo usada como base para a defesa do prefeito Rodrigo Manga (Republicanos) na ação civil que corre na Vara da Fazenda Pública de Sorocaba, em que o Ministério Público pede o bloqueio de bens do prefeito e sua condenação por improbidade administrativa (leia mais).
No processo do TCE, a Prefeitura garantiu que o kit robótica foi “sempre manuseado sob a supervisão de um professor”. No entanto, reportagem publicada pelo Portal Porque, no dia 8 de abril, desmente a Prefeitura. Na matéria, professores e pais de alunos dizem que o kit robótica foi enviado para ser montado em casa, sem a ajuda dos professores.
A própria Prefeitura confessou para a reportagem do Porque que enviou o kit robótica para ser montado pelos alunos em casa, sem ajuda dos professores. “Em alguns casos, as equipes escolares optaram por também envolver as famílias no processo de montagem”, disse a Prefeitura, desmentindo a própria defesa apresentada ao TCE.
Uma professora ouvida pela reportagem do Porque disse que muitos professores pediram aos pais e responsáveis para que levassem os kits de robótica para casa. Uma mãe, que também não quis ser identificada, contou que em uma escola municipal na Vila Carol, zona norte de Sorocaba, foi realizada uma reunião para anunciar a vinda do kit de robótica, que semanas depois foi entregue aos pais e responsáveis para montagem em casa.
“Eles só falaram que era para a gente ver pelo manual de instruções e montar, e que daí esse ‘negócio de robótica’ aí ia ser apresentado na Festa da Família, coisa que nem teve também”, afirmou.
Assim como no kit de outros alunos, o da filha da fonte entrevistada não veio com todos os pregos e dois adesivos, que seriam colados no brinquedo, estavam rasgados. Outras mães também reclamaram da falta de peças, o que desmente outro ponto da defesa da Prefeitura no TCE, em que alega que “não houve prejuízo” aos estudante por causa das peças, já que a empresa contratada teria enviado posteriormente as partes faltantes ou quebradas.
Sobrou para os pais
Gabriela Pereira, outra mãe de um aluno, disse que a equipe gestora da escola pediu para que pensasse em estratégias para o ensino de seu filho, que tem deficiências múltiplas, incluindo a surdez. Assim como em outras unidades escolares, Gabriela e os demais responsáveis pelos alunos matriculados levaram os materiais para montagem em casa. “O robô do Beny não deu para montar todo, porque ele tem peça que pode ser engolida. É perigoso não só para ele, mas para qualquer criança. E, recentemente quebrou, do nada”, disse.
Uma terceira mãe comentou sobre a dificuldade com o kit de robótica que seu filho, à época matriculado no quinto ano, recebeu. “A professora em si não explicou nada para eles sobre a montagem. Nada. Tanto que meu filho chegou em casa, ele ficou ‘batendo a cabeça’ para fazer”, lembrou. Então, ela tentou ajudar o filho na montagem, mas peças estavam faltando e ele precisou pedir para a professora.
O próprio inquérito instaurado pelo Ministério Público constatou que os kits não foram montados sob supervisão de professor, como assegurou a Prefeitura ao TCE, mas enviados para a casa dos estudantes para que os montassem com os pais.
Um diretor de escola ouvido no inquérito revelou, segundo consta na ação civil pública do MP revelou aos promotores de justiça: “Como os Kits eram extremamente complexos, e feitos de muitas peças, parafusos, etc, e possui um professor a cada trinta alunos, não havia a menor condição de tais peças serem montadas em sala de aula, já que nem mesmo enviaram ajudante de sala para tal projeto. Desta maneira, o professor explorou o conteúdo do livro do aluno em sala, e depois enviou os kits para serem montados em casa, com o apoio da família. Várias escolas fizeram desta maneira, pois não houve um estudo na rede de educação de como abordar a matéria de robótica para se chegar a montagem das peças, pois a rede de ensino deveria ser previamente preparada para ministrar aulas de robótica (…).”
Manga diz que ‘só’ assinou o contrato
No último dia 5, o prefeito Manga enviou sua defesa para a Justiça, na ação que pede o bloqueio dos seus bens por causa da compra suspeita do kit robótica por R$ 26,2 milhões. A defesa do prefeito é centrada, justamente, na decisão do Tribunal de Contas do Estado, que julgou a compra regular, engolindo as mentiras da Prefeitura.
No entanto, a defesa do prefeito admite a possibilidade de ter havido irregularidades na compra, mas diz que Manga não pode ser culpado “pelo simples fato” de ter assinado o contrato.
“Em suma: cumprindo formalidade cabível ao cargo de Prefeito do Município, apenas por apor sua assinatura em contrato firmado após regular procedimento licitatório (fato reconhecido pelo Tribunal de Contas, conforme doc. 02), submetido ao crivo da Secretaria responsável, Rodrigo Maganhato deve responder a Ação Civil Pública e, ainda, sofrer constrição patrimonial de tamanho porte? Tal conclusão não parece minimamente razoável”, diz a defesa, que prossegue:
“Na realidade, o órgão acusador [Ministério Público] se vale de atos que são próprios à função de Chefe do Executivo sorocabano, que deve cumprir formalidades inerentes ao cargo, como homologar procedimento licitatório, ou assinar contratos pela Municipalidade e pretende fazer recair sobre o Peticionário constrição patrimonial de tal magnitude […] A probabilidade da ocorrência dos atos descritos na petição inicial, conforme exigido no artigo 16, §3º, da LIA, não se confunde com a probabilidade da ocorrência de tais atos em função de conduta diretamente atribuível a Rodrigo Maganhato. Em outras palavras, aventados indícios de irregularidade do Pregão 165/2021 e do contrato advindo não são capazes de indicar, minimamente, a conduta praticada pelo Peticionário que o torne responsável pelo suposto (e presumido) prejuízo ao erário e, tanto mais, por eventual ressarcimento.”
A ação assinada pelos promotores de justiça Cristina Palma (Educação) e Eduardo Francisco dos Santos Junior (Patrimônio Público) aponta que a Secretaria de Educação, “em conluio com o sr. Prefeito Municipal”, “(…) está mergulhada em um verdadeiro esquema para lesar os alunos da rede de ensino (…)”, por meio de aquisições desnecessárias e superfaturadas, “em que pesem os imensos investimentos dos quais a educação está carente”.
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