
Diante de tantas irregularidades na aprovação da construção, moradores ingressaram com ação judicial exigindo providências e o cancelamento do alvará concedido. Foto: Divulgação
Atualizada em 12/6/2023, às 14h36
Imagine acordar num dia qualquer com sua casa “encaixotada” entre torres de prédio de dez andares. Adeus sol, adeus privacidade, adeus tranquilidade. Essa é a situação de cerca de 200 moradores do Jardim Pagliato, na zona sul de Sorocaba que, há quase um ano, souberam que um grande empreendimento, denominado Premium Pagliato, seria construído no bairro, num terreno localizado entre as ruas João Wagner Wey, Lituânia e Manoel de Castro Afonso.
Composto por três torres que totalizam 210 apartamentos e um edifício garagem de três andares, o empreendimento desrespeita o Plano Diretor de Sorocaba para construções em ZR1 (Zona Residencial 1), onde está o Jardim Pagliato, por ser uma construção multifamiliar e por poder chegar à altura de, pelo menos, 30 metros. Pela lei, a ZR1 só permite unidades unifamiliares com altura máxima de três pavimentos, ou seja, prédios bem mais baixos.
No entanto, ao pedir o alvará para realizar a construção no bairro, construtores e empreendedores usaram de um artifício: consideraram a testada para a Rua João Wagner Wey, que representa apenas 9% do total do terreno que será utilizado no empreendimento, para solicitar a permissão de fazer torres no local.
A rua, que é a principal do bairro, faz parte de um Corredor de Comércio e Serviços 1 – CCS1 no Plano Diretor – e que não permite construções multifamiliares, tipo apartamentos e de grandes alturas, como o projeto previsto, além de implantação de comércios e serviços.
Para piorar a situação, nem Prefeitura de Sorocaba, nem os responsáveis pelo empreendimento se mostram dispostos a dialogar com os moradores que acionam na Justiça os envolvidos para tentar parar as vendas dos apartamentos, antes que a obra comece.
“Em julho de 2022, um morador do bairro tomou ciência da infeliz novidade por meio de um stand de vendas de uma construtora e outras empresas do consórcio, na esquina das ruas João Wagner Wey com Lituânia. Perguntados sobre o projeto de construção, os vendedores mostraram que o empreendimento já tinha alvará liberado pela Prefeitura desde 2015”, relata a farmacêutica Cristiane Ferreira do Vale, que mora há 12 anos no Jardim Pagliato. “Nenhum morador, até onde sabemos, conhecia as intenções desse empreendimento e, muito menos, a aprovação dada pela Prefeitura. Sabia-se, muito por alto, que seria constituído no local um condomínio de residências e não edifícios. Fomos pegos de surpresa.”
Ao saber da extensão dos problemas que teria de enfrentar, com sua casa cercada pelas torres, o morador procurou a Prefeitura para conhecer o teor do alvará dado às construtoras. Mas, ver o documento e saber exatamente o que havia sido liberado, foi uma batalha.
A Prefeitura alegava que o morador não era parte interessada e que, por isso, não poderia ter acesso ao alvará. Mesmo levando um pedido em papel timbrado do escritório de advocacia contratado para representá-lo, a Prefeitura continuava se negando a fornecer o processo.
“Somente depois de acionar o Ministério Público que, num primeiro momento aceitou a reclamação e questionou a Prefeitura, as cópias do processo de concessão do alvará foram liberadas como mágica ao morador”, relembra Cristiane.
Com a íntegra do processo de concessão do alvará nas mãos, o advogado do morador verificou que a solicitação de construção dos prédios foi feita para um CCS1, e não para uma ZR1, e que a Prefeitura havia ignorado completamente o inciso II do artigo 25, cumulado com parágrafo 2º do artigo 79 do Plano Diretor previsto na Lei 8.181, de 2007 e que era o vigente na data da concessão do alvará.
“Independente dessa manobra que foi feita, de acordo com o que a Prefeitura ignorou e que foi descrito, quando um Corredor de Comércio e Serviços 1 [CCS1] atravessa uma Zona Residencial 1 [ZR1], as normas construtivas devem ser às da ZR1, onde só são admitidas unidades unifamiliares. Ou seja, 90,47% da área a ser construída está totalmente inserida na ZR1”, esclarece a farmacêutica.
Ação judicial em andamento
Diante de tantas irregularidades na aprovação da construção, um grupo de moradores entrou com uma ação judicial exigindo o cancelamento do alvará concedido pela Prefeitura e que o Plano Diretor fosse cumprido, como deve ser em qualquer cidade que pensa no futuro e que está em acordo com as melhores práticas urbanistas.
A ação judicial se arrasta desde outubro de 2022 e o primeiro juiz a se deparar com o processo alegou que a o pedido não era legítimo. Encaminhado para uma juíza, essa solicitou o parecer de todas as partes envolvidas: construtora, empreendedora, Prefeitura e também do Ministério Público, o qual tivemos uma reunião virtual com o promotor, que não foi nem um pouco acessível, muito pelo contrário, seco e rude em suas colocações. Acredita-se que, em represália à essa reunião que não foi de bom tom, solicitou o arquivamento da notícia de fato feita pelo morador”, conta a moradora.
Trânsito tende a piorar
Outro fator importante que não foi levado em consideração ao permitir uma obra desse porte no Jardim Pagliato é a mobilidade urbana. Atualmente, o trânsito na região já é complicado e o acesso ao bairro é dificultado pela quantidade de carros e motos em circulação pela região, especialmente nos horários de pico.
Hoje, de acordo com a farmacêutica, o trânsito da Rua João Wagner Wey chega a ficar comprometido desde a Avenida Washington Luís até a Loja Leroy. O excesso de veículos transborda para todas as ruas adjacentes do bairro, causando transtornos a todos os moradores e frequentadores da região.
Com a estimativa de receber mais moradores e, obviamente, mais carros, o deslocamento tende a ser mais dificultoso. “A mobilidade urbana já está um caos por aqui, por conta da verticalização desenfreada que ocorre na região vizinha e que é interligada à nossa pelo viaduto Zuleika Sucupira Kenworth ao Altos do Campolim. Imagine com a expectativa de mais 210 famílias morando no bairro.”
“Apesar de nós, os moradores, argumentarmos que a obra fere o Plano Diretor, os técnicos municipais dizem que estão corretos e admitem que, se fosse hoje, essa obra não seria aprovada em virtude das atualizações que foram realizadas na lei urbanística que deixam ainda mais explícitas as restrições para uma CCS1 e uma ZR1, somado também o caos urbano que geraria na região. Algo completamente impactante. Esse absurdo é que não podemos aceitar por parte da Prefeitura e fica a grande dúvida: a quem interessa e qual é o motivo tão compensador para aprovar um empreendimento que vai de encontro ao Plano Diretor e que vai impactar negativamente a região e seus moradores?”, questiona Cristiane.
A farmacêutica mostra também preocupação com o crescimento sem organização da cidade como um todo. “Precisamos nos mobilizar. Hoje é aqui no Jardim Pagliato e amanhã onde será? Precisamos pensar a do futuro. Sorocaba sempre foi uma cidade excelente para se viver, precisamos tentar preservar isso, não digo que somos contra o crescimento, mas que ele deve ser pautado em regras para que, daqui a alguns anos, nossa cidade não se depare com problemas graves e de difícil resolução, principalmente no contexto de mobilidade urbana e qualidade de vida de seus cidadãos”, conclui.
A construtora AG Velasco, responsável pelo empreendimento, foi procurada para se posicionar sobre o pedido de alvará feito à Prefeitura, bem como sobre a possibilidade de abrir diálogo com os moradores, mas até o fechamento da matéria não havia respondido os questionamentos feitos pelo Portal Porque. Ainda assim, o espaço segue à disposição da construtora, bem como do Poder Público.
Correção – Por uma falha de digitação, uma frase do texto saiu truncada, gerando confusão da forma como estava escrita. O correto é:
A rua, que é a principal do bairro, faz parte de um Corredor de Comércio e Serviços 1 – CCS1 no Plano Diretor – e que não permite construções multifamiliares, tipo apartamentos e de grandes alturas, como o projeto previsto, além de implantação de comércios e serviços.