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Policial militar vai a júri popular nesta terça-feira pela morte de locutor negro

O locutor Milton Expedito do Nascimento, conhecido como Dinho, foi assassinado no dia 23 de dezembro de 2018 ao ser confundido com bandido.

Maíra Fernandes (Portal Porque)

Dinho foi assassinado ao ser confundido com o ladrão, em dezembro de 1998, depois de ter a moto roubada e conseguir recuperá-la. Foto: Paula Metrovine

Para protestar contra a violência e morte de negros em Sorocaba, entidades, amigos e familiares do locutor Milton Expedito do Nascimento, o Dinho, assassinado pela polícia em 23 de dezembro de 2018, farão um protesto nesta terça-feira (28), em frente ao Fórum de Sorocaba. A ação ocorrerá simultaneamente ao julgamento, por júri popular, do policial Rômulo Corrêa, acusado de matar o locutor sorocabano. O policial responde ao crime em liberdade.

A intenção é mobilizar a sociedade para protestar contra as injustiças contra o povo negro, em especial nesse caso do locutor, e pressionar a decisão do júri popular, que deverá, no dia, dar o veredito sobre o futuro do acusado.

Para a professora, militante e amiga da vítima Luciana Leme, a ideia é reunir o máximo de pessoas e representatividades, a fim de escancarar as violências contra o povo negro em Sorocaba, inclusive, como afirma, praticadas por parte de forças policiais que sentenciam, por conta da cor da pele, o cidadão como criminoso e atentam contra suas vidas. “A intenção é pressionar o júri para que se compadeçam com a história”, diz ela, sobre a importância da participação popular na manifestação de terça-feira.

Luciana reitera que o amigo morto era o tipo de pessoa que juntava dinheiro para comprar cesta básica, ajudava crianças e jovens do bairro e ainda trabalhava como locutor em uma rádio comunitária; por isso, era uma liderança nata. Para ela, a perda dele não pode ser apenas mais uma soma às estatísticas. “Olhando pelos números, o Brasil é o país que mais tem encarceramento de pessoas negras não julgadas, mas eu tenho uma ponta de esperança de que a justiça será feita.”

Acamada e abalada emocionalmente desde a morte do filho, Eva, mãe de Dinho, espera mobilizar o máximo de pessoas para acompanhar o júri popular, que para ela representa uma vitória, depois de tanto tempo de luta por justiça. Para a mãe, a população pode comover os jurados a decidirem sobre a condenação do policial.

Alvos pretos x justiça branca

Para o presidente do Conselho Municipal de Participação e Desenvolvimento da Comunidade Negra de Sorocaba, José Marcos de Oliveira, mesmo com a mobilização social, o desfecho provável é de absolvição do acusado, pois a justiça não representa o povo negro. “Já podemos dizer que a sentença será pela absolvição de mais um algoz que, a serviço da falsa democracia racial, tombou mais uma vida negra.”

“Estamos diante de uma prática que está incrustrada na estrutura da sociedade e franqueia total liberdade de ação e de genocídio quando o alvo preferencial são os jovens negros, que há décadas despontam como alvos preferenciais”, critica José Marcos, lembrando que os números provam seu discurso. Como destaca, o anuário de segurança pública, que é organizado pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, aponta que praticamente 80% das vítimas de violência policial são jovens negros. “Temos aí escancarado o racismo estrutural, que nos vê como inimigos, como uma grande ameaça a sociedade.”

O ativista ainda reitera que os familiares e amigos, os movimentos negros e a sociedade como um todo precisam dar um basta e pressionar para que haja mudanças no judiciário e na segurança pública, que, em seu entendimento, não é nada segura para os alvos pretos.

“Ambos são espelho de uma sociedade calcada no racismo estrutural e institucional. Em que pese a existência de uma luz no final desse túnel, com a criação dos sistemas de promoção da igualdade racial, e até mesmo aqui em Sorocaba com a recém-criada comissão junto ao Poder Legislativo, quem irá fazer a diferença são os movimentos organizados, exercendo pressão e cobrando respostas, exigindo a mudança dessa cultura que normaliza a violência e o assassinato de jovens negros.”

Júri popular

Passados quatro anos desde a morte de Dinho, caberá a um júri, formado por populares, a decisão nessa primeira fase. De acordo com o advogado Mauro Ribas, esse júri é formado de forma aleatória, por meio de sorteio. Caberá, nesse momento, a decisão sobre os motivos que levaram o acusado a atirar na vítima, considerando que o policial Rômulo Corrêa já confirmou a autoria dos disparos.

O júri decidirá, baseado na defesa do policial, se ele agiu em legítima defesa e merece ser absolvido, ou se não acatará os argumentos do acusado, que responde ao crime em liberdade.

A decisão deverá sair ainda no fim da tarde ou início da noite da terça-feira  (28), mas cabe recurso.

Para o presidente do Conselho Municipal de Participação e Desenvolvimento da Comunidade Negra de Sorocaba, a formação dos juris populares reflete também um problema para o julgamento, considerando que, raras vezes, eles representam uma diversidade. “Em algumas situações eles também não representam a pluralidade de raça e cor de nossa sociedade, onde pretos e pardos são praticamente 60% da população brasileira. É difícil de acreditar que a composição de um júri que não reflita a sociedade possa não absolver um homem branco que assassina um jovem negro, ambos ainda nos veem como ameaça, como inimigos”.

Entenda o caso

O locutor, de 33 anos à época, foi morto na tarde  de 23 de dezembro de 2018, na zona norte da cidade. Depois de sofrer um assalto, ele foi baleado pelo policial ao ser confundido com o próprio assaltante.

De acordo com relatos, enquanto fazia seu programa na rádio comunitária Cultural FM, no bairro Parque das Laranjeiras, dois homens armados invadiram o local e levaram a moto de Dinho.

O locutor avisou a polícia do assalto, mas conseguiu rastrear a moto e foi até o local para recuperá-la. Quando voltava já em posse da moto, foi abordado por policiais que reconheceram a moto como roubada. Sem capacete, Dinho teria acelerado a moto e, de acordo com a corporação, o ato passou a impressão aos policiais que ele tentava fugir da equipe. Foram feitos disparos contra Dinho, que morreu no local.

A nota da Polícia Militar enviada à época afirmava que, como ele colocou a mão na cintura, os policiais entenderam como uma possível forma de reação da vítima.

Em vídeo também divulgado à época, é possível ver o desespero da mãe de Dinho ao chegar ao local e ver o corpo do filho caído e já sem vida.

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