
Jovem trazida do Amazonas trabalhava sem carteira assinada, sem direito a folga, tinha salário irrisório, dormia em colchão no chão e era assediada pelo patrão. Foto: Ilustração Instituto Socioambiental
A pedido do MPF (Ministério Público Federal), a Polícia Federal arquivou o inquérito que apurava a acusação de trabalho escravo doméstico da jovem S.C.R., de origem indígena, que prestava serviços para um casal de Sorocaba desde 2021. O salário dela seria simbólico, as condições de moradia eram inadequadas e havia assédio sexual por parte do patrão.
Foi o próprio MPF, que agora pediu arquivamento, quem solicitou a abertura de inquérito à Polícia Federal, em março deste ano. A jovem indígena foi trazida do Amazonas pelo casal, que seria reincidente. Antes de resgatada das condições degradantes este ano, “outra jovem indígena também foi trazida pelo casal nas mesmas condições e, com o arquivamento do inquérito, nenhuma outra investigação terá prosseguimento”, reclamam Emanuela Barros e Melissa Constantino, advogadas que representam a vítima.
Em nota à imprensa, as advogadas afirmaram ainda que “a decisão tomada a partir de um pedido feito pelo Ministério Público Federal é equivocada, porque nossa cliente nem ao menos foi ouvida pela Polícia Federal. Os acusados de submeterem S. a trabalho análogo à escravidão e a assediarem, tiveram a oportunidade de contar suas versões dos fatos à polícia, mas S. não, pois sua oitiva estava agendada para o dia 14 de junho e foi cancelada”.
Para Emanuela e Melissa, “sendo assim, o encerramento [do inquérito] se dá com base apenas na versão dos acusados, desconsiderando o que a vítima tem a relatar sobre o ocorrido”. O caso da jovem indígena tramita na 2ª Vara Federal de Sorocaba.
Ao Portal Porque, a advogada Emanuela afirmou que “nós vamos tomar todas as medidas cabíveis para preservar o direito da nossa cliente. Vamos entrar com o recurso para impugnar esse arquivamento. Vamos dar continuidade ao processo trabalhista que corre na Vara do Trabalho local e também vamos dar continuidade ao inquérito do qual ela já tem uma medida protetiva com base na Lei Maria da Penha, que corre no Foro estadual”.
“Tudo o que for possível para a gente preservar o direito dela [S.C.R.] e evitar que outras mulheres, na condição dela, de vulnerabilidade, passem por isso, nós vamos fazer”, garante a advogada.
Justificativa do MPF
O MPF justificou o pedido de arquivamento alegando que, “embora as trabalhadoras domésticas não tenham tido seus direitos trabalhistas respeitados em sua integralidade, não estavam submetidas a trabalhos forçados, jornada exaustiva ou a condições degradantes de trabalho, salientando-se que viviam sob as mesmas condições de higiene, saúde, alimentação, habitação e segurança de seus empregadores, desfrutando, inclusive, de folgas do trabalho e da possibilidade de realizar cursos de formação fora do ambiente residencial e de trabalho”.
Porém, segundo apurado pelo Porque em reportagens publicadas em março, a jovem de 22 anos trabalhava em condições precárias, sem carteira assinada, sem direito a folga, com salário baixo e, ainda, era assediada pelo empregador, que confessou ter gravado os banhos da funcionária por um período de 30 dias, o que configura assédio sexual.
Condições precárias
Uma pessoa que conhecia a jovem e denunciou o caso contou que a trabalhadora de origem indígena “era muito humilde” exercia função de babá, ainda fazia comida, lavava, passava, dormia em um colchão no chão, não tinha folga aos fins de semana e recebia bem menos do que o combinado. “Ela não era bem tratada, quase não tinha roupa, não tinha a senha da internet, nenhum tipo de tratamento adequado”, acrescenta a denunciante.
O caso de S.C.R. começou a ser averiguado por uma força-tarefa formada pela chefia regional da Fiscalização do Trabalho da região de Sorocaba, comandada por Ubiratan Vieira, pelo Ministério Público do Trabalho e pela Detrae (Divisão para Erradicação do Trabalho Escravo), a partir de denúncia recebida. Em seguida, a situação foi denunciada ao MP e as advogados entraram com ações em diversos segmentos da Justiça.
O fato de a moça ter sido aliciada no Amazonas, com a promessa de carteira assinada e salário para trabalhar como babá, pode configurar tráfico de pessoas, o que é crime federal.
Na área trabalhista, o casal firmou um TAC (Termo de Ajustamento de Conduta) com o MPT, depois de admitir os crimes cometidos. Pelo acordo, os acusados se comprometerem a pagar R$ 20 mil a título de indenização, mais todos os direitos trabalhistas do período em que a moça trabalhou em sua casa.
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