Não vá ao Parque Natural Municipal Corredores da Biodiversidade (PNMCBio), instalado na zona norte, altura do número 9.000 da Avenida Itavuvu. Lá você não vai mais encontrar a infraestrutura criada para receber os visitantes, nem vai conseguir percorrer as trilhas que antes proporcionavam conhecimento sobre o meio ambiente e contato direto com a natureza. Isso porque o Parque da Biodiversidade, como é conhecido, está abandonado desde 2021, quando deixou de contar com a atenção e empenho do governo municipal em preservá-lo e mantê-lo acessível à população.
Desde então, toda a estrutura do parque foi se deteriorando e sofrendo com os ataques de vândalos. A portaria do local está completamente destruída e mostra que é visitada por pessoas que usam o espaço para comer, dormir e usar drogas. No galpão utilizado para os cursos e atividades educativas, o cenário de destruição é mais assustador: vidros quebrados, pedaços de madeira, telhas arrancadas e empilhadas no chão, somente esperando para serem levadas embora.
A cena se repete nos banheiros, cozinha e área externa. Até as bacias sanitárias foram roubadas. Mais à frente, o quiosque de pesquisa está completamente destroçado e precisará ser construído de novo. Os mais de dez quilômetros de trilhas estão irreconhecíveis e já não podem mais ser utilizados. Até 2020, todo o espaço contava com videomonitoramento. Agora, a fiação foi levada.
Não é somente o Parque da Biodiversidade que reflete a falta de cuidado com o meio ambiente em Sorocaba. Nem mesmo as reuniões do Conselho do Parque da Biodiversidade, instituído pela lei n° 10.240, de 29 de agosto de 2012, acontecem mais. A última reunião do grupo aconteceu em 2020.
O Conselho funciona como um órgão gestor do parque, cuja função é ser um fórum democrático de valorização, controle social, discussão, negociação e gestão da unidade de conservação para tratar de questões sociais, econômicas, culturais e ambientais que tenham relação com a unidade de conservação. Ou seja, o conselho é o guardião do parque, mas está adormecido.
O Portal Porque enviou perguntas à Secretaria de Comunicação da Prefeitura de Sorocaba para saber o que o prefeito Rodrigo Manga acha da situação do parque. No entanto, até o fechamento dessa reportagem, não houve nenhum retorno por parte da equipe que assessora o prefeito. Nos questionamentos, o Porque perguntou se Manga conhece o parque, se já esteve lá desde o início do seu mandato, por que retirou o serviço de segurança do local, se seu governo tem planos para o espaço e se tem ciência do ofício enviado pelo Comdema (Conselho Municipal de Desenvolvimento do Meio Ambiente) relatando a situação do parque e pedindo providências.
Comdema avisou sobre abandono
Em setembro de 2021, o Comdema enviou à Prefeitura de Sorocaba, aos cuidados da Secretaria do Meio Ambiente, um ofício sobre o descontentamento daquele colegiado quanto à falta de preservação e cuidado com o Parque da Biodiversidade e solicitando abertura de processo administrativo para apurar por que o local não estava recebendo manutenção.
O documento também questionava a interrupção nas reuniões do Conselho do Parque da Biodiversidade. De acordo com o coordenador da Câmara Tríplice do Comdema, Eduardo Roberto Abdala Santos, a Prefeitura ainda não deu nenhuma resposta concreta sobre o que foi solicitado.
Na reunião do Comdema realizada no dia 8 de fevereiro, representantes do governo municipal disseram que aguardam a contratação de empresa privada para restabelecer os cuidados ao parque. “É o dinheiro do contribuinte que vai pelo ralo quando a Prefeitura poderia usar os recursos do Fundo de Amparo ao Meio Ambiente (Fama) para esse caso. O Fama recebe recursos provenientes das multas ambientais aplicadas e tem destinado suas verbas para o zoológico municipal e para a Coopereso (Cooperativa de Reciclagem de Sorocaba), quando a finalidade do fundo seria ter políticas públicas e projetos para a manutenção dos parques”, opinou Eduardo.
Primeira unidade de conservação
O Parque da Biodiversidade é mais do que uma área verde. Trata-se de uma unidade de conservação (UC), fruto de uma compensação ambiental feita pela empresa Toyota que tem como objetivo preservar nascentes de córregos, fauna e a flora típicas da região, contribuindo com o cuidado das Áreas de Proteção Permanente (APPs) dos afluentes do rio Sorocaba, para que estejam livres de qualquer atividade ou intervenção humana.
O parque foi criado por meio do decreto n° 19.424, de agosto de 2011, num total de mais de 600 mil metros quadrados. Desses, 200 mil metros quadrados são de Mata Atlântica ligada às matas ciliares do córrego Campininha, um dos afluentes do rio Sorocaba. Há ainda outras nascentes de córregos nas matas. Ele contorna o Parque Tecnológico de Sorocaba e liga-se à Floresta Nacional de Ipanema, tornando-se assim um importante corredor verde da cidade, inclusive com o papel de escoar a água da chuva e evitar o transbordamento de rios e córregos.
O PNMCBio foi instituído para propiciar o desenvolvimento de pesquisas científicas em parceria com universidades, educação ambiental, ecoturismo e lazer. A área foi declarada pela Prefeitura como sendo de utilidade pública e, posteriormente, desapropriada para receber o parque, o que custou recursos dos cofres públicos. Já a Toyota colocou cerca de R$ 6 milhões em infraestrutura, veículos e equipamentos para conservação do parque (o que equivale a mais de R$ 8 milhões em valores corrigidos).
Enquanto esteve ativo, o parque recebia mais de 4 mil crianças por ano, em atividades educativas e de conscientização ecológica.
Sem cuidados, os prejuízos são vários
Questionada sobre os prejuízos para a população de Sorocaba quando um parque dessa importância não recebe nenhum tipo de cuidado, a professora Eliana Cardoso Leite, doutora em Biologia Vegetal pela Unicamp, responsável pelo Núcleo de Estudos de Áreas Protegidas para Sustentabilidade da UFSCar e pelo Programa de Pós-Graduação em Sustentabilidade na Gestão Ambiental da mesma universidade, destacou que “os prejuízos são vários. Primeiro a impossibilidade de uso da área para lazer, recreação e para atividades de educação ambiental. Segundo, com essa falta de cuidado e fiscalização podem estar acontecendo pesca, caça e extração ilegal de espécies vegetais. Isso indiretamente afeta toda sociedade pois o habitat de espécies que promovem, por exemplo, polinização de espécies agrícolas, está sendo destruído.”
Eliana não atribui a situação do parque atualmente como falta de conhecimento sobre sua importância, pois “os gestores públicos têm obrigação de conhecer o município o qual governam. Além disso, estudos não faltam na área. Eu atribuo o atual estado do PNMCBio à falta de vontade política do atual prefeito”, assevera. Para a doutora, se não existe comprometimento e vontade política é muito difícil despertar a consciência, referindo-se aos governantes. “A consciência está atrelada ao projeto político de governo”, completa.
Um governo que se preocupa com sua população sabe da importância e pratica uma gestão eficaz de áreas verdes e áreas naturais protegidas. “Com certeza áreas verdes públicas bem cuidadas e bem conservadas, com fiscalização e gestão eficiente são indicativos de um governo que se importa com a qualidade de vida dos cidadãos sorocabanos”, explica.
Ao ser questionada pelo Porque sobre como gostaria de ver o parque hoje e se ele poderia voltar a ser um espaço de educação ambiental, além de uma opção de lazer, Eliana é positiva e responde que “com certeza, poderia e deveria. Eu e creio toda sociedade, gostaríamos de ver a área bem cuidada, com fiscalização, aberta para visitação e com toda estrutura recuperada”.
Não cuidar do meio ambiente é contra a lei
Está previsto em lei que governantes, sejam eles federais, estaduais ou municipais, devem se responsabilizar e cuidar do meio ambiente, sob pena de responderem por crime ambiental previsto na lei 9.605 de 1990.
Também está no artigo 225 da Constituição Federal de 1988 que “todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações”. E, para assegurar a efetividade desse direito, incumbiu, entre outros, ao Poder Público: “definir, em todas as unidades da Federação, espaços territoriais e seus componentes a serem especialmente protegidos, sendo a alteração e a supressão permitidas somente através de lei, vedada qualquer utilização que comprometa a integridade dos atributos que justifiquem sua proteção”.
Para que isso ocorra, o governo federal instituiu o Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza (SNUC), por meio da Lei Federal n° 9.985, de 18 de julho de 2000, que exige presença efetiva do poder público na manutenção e garantia da preservação e conservação dessas áreas. O SNUC prevê ainda que as unidades de conservação podem ser também criadas e mantidas pelo município. E, nesse sentido, a Prefeitura de Sorocaba, em 2009, tomou a iniciativa ousada de criar sua primeira unidade de conservação, o Parque da Biodiversidade Marco Flávio da Costa Chaves.