Busca

‘Pancadão’ golpista de Santa Rosália desafia leis que punem os cidadãos comuns

É como se o acampamento golpista fosse um território sem lei. Para especialista, prefeito Rodrigo Manga pode incorrer em crime de prevaricação

Fábio Jammal Makhoul (Portal Porque)

Os golpistas que acampam em frente ao prédio do Exército em Santa Rosália estão praticando uma série de infrações que, em circunstâncias normais do dia a dia, causariam multas e problemas para qualquer pessoa. Desde a ocupação do local, há 16 dias, o grupo de extrema-direita já fechou ruas, rasgou as leis de trânsito e a Lei do Silêncio, instalou barracas e banheiros químicos sem autorização e criou um comércio ambulante clandestino, sem ser incomodado pelas autoridades locais.

Um jurista ouvido pelo PORQUE, que preferiu não se identificar por ter ligações com a política sorocabana, afirma que a omissão do prefeito Rodrigo Manga (Republicanos) pode ser enquadrada no crime de prevaricação — um crime funcional, praticado por servidor público contra a Administração, que consiste em retardar, deixar de praticar ou praticar indevidamente ato de ofício, ou praticá-lo contra disposição expressa de lei, para satisfazer interesse ou sentimento pessoal.

“Essa omissão da Prefeitura e da Urbes com a baderna que está acontecendo em Santa Rosália se configura uma prevaricação. Cadê a Urbes para multar os carros que estão cometendo infrações de trânsito? Cadê a Guarda Municipal para tirar o pessoal de lá? Imagine o que aconteceria se eu ou você parasse o carro no canteiro central da Marginal e armasse uma barraca lá. Existem leis e elas não estão sendo cumpridas em Santa Rosália”, afirma o jurista.

Confira abaixo algumas das infrações que estão sendo cometidas impunemente pelos integrantes do “pancadão” da extrema-direita.

INFRAÇÕES DE TRÂNSITO

Estacionar o veículo sobre canteiros centrais é infração grave, que prevê multa de R$ 195,23, cinco pontos na carteira de motorista e remoção do veículo (Artigo 181 do Código de Trânsito Brasileiro – CTB).

Já bloquear o trânsito com o veículo é infração gravíssima, com multa de R$ 293,47, sete pontos na habilitação e apreensão do veículo (Artigo 253 do CTB).

Para os atos em que o motorista tenha usado o “veículo para, deliberadamente, interromper, restringir ou perturbar a circulação na via sem autorização do órgão ou entidade de trânsito”, a multa se multiplica por sessenta para organizadores do evento e em vinte para o motorista, que ainda perde o direito de dirigir por um ano (Artigo 253-A).

Os pedestres também podem ser punidos por “utilizar-se da via em agrupamentos capazes de perturbar o trânsito”, com multa de R$ 44,19 (Artigo 254).

COMÉRCIO AMBULANTE ILEGAL

O comércio ambulante instalado no acampamento de Santa Rosália para vender camisas da Seleção Brasileira e bandeiras do Brasil fere a Lei Municipal nº 12.368, de 2021, sancionada pelo próprio prefeito Rodrigo Manga.

Para vender produtos na rua, é preciso cumprir todas as exigências da Lei e obter uma licença especial da Secretaria de Urbanismo e Licenciamento (Seurb). O artigo 10 ainda proíbe a venda de produtos ou mercadorias reconhecidamente falsificadas (piratas), como é o caso da camisa da Seleção vendida em frente ao quartel em, pelo menos, duas áreas.

No ano passado, segundo informações da própria Prefeitura, os ambulantes de Sorocaba que estavam em situação irregular receberam 17 autuações, cujos valores totalizaram R$ 38.493,04.

Em todos os casos, ainda segundo a Prefeitura, foi constatado o flagrante da venda em local proibido, “o que já é passível de autuação direta”.

BARRACAS E BANHEIROS QUÍMICOS SEM AUTORIZAÇÃO

Os golpistas estão acampados em frente ao quartel de Santa Rosália há quinze dias. Nesta quinta, 17, o PORQUE contou sete barracas no local e dez banheiros químicos. Embora não haja uma legislação específica sobre a instalação de barracas e banheiros químicos em vias públicas, a inexistência de lei especial não confere um passe livre.

Nesse caso, o acampamento deve se submeter à legislação ambiental, urbanística e sanitária. Em Sorocaba, por exemplo, para instalar barracas em via pública é preciso de autorização da Secretaria de Urbanismo e Licenciamento e, caso elas atrapalhem o trânsito, também é necessário uma autorização da Urbes.

Também há a questão da utilização do passeio público para instalação de qualquer coisa — mesinhas, cadeiras, cavaletes de propaganda, etc. Essa é uma possibilidade prevista em lei municipal, mas um comerciante que queira utilizar um espaço de sua própria calçada precisa pedir autorização à Prefeitura e pagar uma taxa, nos termos da lei 10.307/2012, ainda assim, assegurando a manutenção de uma faixa mínima para o trânsito de pedestres.

A Taxa de Uso da Área Pública é calculada com base em um valor por metro quadrado, multiplicado pela quantidade de dias em que se pretende utilizar o espaço público.

LEI DO SILÊNCIO VIOLADA

O PORQUE já publicou uma série de reportagens com reclamações de estudantes e professores de duas escolas que ficam em Santa Rosália e que estão com as aulas prejudicadas por causa do barulho.

O acampamento golpista pode — se tratado com o mesmo rigor de fiscalização de outros geradores de ruídos — estar violando a Lei 11.367, de 2016, conhecida como Lei do Silêncio.

O Artigo 7º dessa lei determina que “é de responsabilidade da Secretaria de Meio Ambiente do Município de Sorocaba, dos órgãos da administração com ela conveniados e Área de Fiscalização da Secretaria da Fazenda, a fiscalização dos níveis de emissão de ruídos”.

A multa pode chegar a R$ 10 mil.

PRAÇA DE ALIMENTAÇÃO E REGRAS SANITÁRIAS

Embora as barracas de alimentação instaladas em frente ao quartel estejam doando a comida e a bebida — nenhuma autoridade local, ao que se sabe, investigou a origem do financiamento dessas despesas –, elas se submetem às mesmas regras do comércio ambulante de produtos alimentícios, estabelecidas pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e controladas em Sorocaba pela Vigilância Sanitária local.

Além das regras da Anvisa, Sorocaba ainda tem a Lei Municipal nº 12.368, de 2021, sancionada pelo próprio prefeito Rodrigo Manga, sobre o comércio ambulante.

O artigo 9º, por exemplo, obriga que “os manipuladores [dos alimentos] devem usar uniformes contendo touca ou lenço protegendo todo o cabelo e avental ou jaleco, os quais devem ser mantidos fechados, limpos e em condições de uso”.

Entre os pré-requisitos para se obter autorização da Prefeitura de Sorocaba para vender alimentos na rua está o curso de “Boas Práticas em Manipulação de Alimentos” (artigo 12).

A Vigilância também exige que os produtos fornecidos em bares, lanchonetes e cafés sejam produzidos mediante autorização municipal, em condições muito específicas que incluem instalações sanitárias, coifas, pias para lavagem de utensílios, lavabo, entre outros equipamentos que exigem um investimento grande por parte do empreendedor.

CRIANÇAS E ADOLESCENTES EXPOSTOS

Muitas crianças e adolescentes estão participando dos atos golpistas de Santa Rosália. Segundo artigo 232 do ECA, “submeter criança e adolescente, sob autoridade, guarda ou vigilância dos pais ou responsáveis, a vexame ou a constrangimento” é crime que prevê pena de detenção de seis meses a dois anos.

Na quinta-feira, 17, o corregedor do CNJ (Conselho Nacional de Justiça), ministro Luis Felipe Salomão, determinou que os juízos da infância de todo o país adotem providências contra eventuais violações dos direitos das crianças e adolescentes nos acampamentos montados em frente a quartéis do Exércitos por manifestantes antidemocráticos insatisfeitos com a derrota do presidente Jair Bolsonaro (PL).

Se houver a identificação de qualquer irregularidade, deverão ser adotadas providências que vão de orientações até a interdição do acesso dos locais a menores de idade e sanções administrativas.

(Colaborou José Carlos Fineis)

mais
sobre
desafiam leis golpistas prevaricação Rodrigo Manga Santa Rosália
LEIA
+