
Existe um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) firmado há 3 anos que ainda não foi cumprido pela Prefeitura de Sorocaba. Foto: Reprodução/RBA
“O combate ao trabalho Infantil não pode ser feito apenas de lives; e o TAC (Termo de Ajustamento de Conduta) celebrado entre Prefeitura, Ministério Público do Trabalho (MPT) e Ministério Público Estadual (MP/SP) precisa sair do papel.”
A frase do chefe de fiscalização da Gerência Regional do Trabalho e Emprego (GRTE) em Sorocaba, Ubiratan Vieira, ilustra o tom de críticas ao governo municipal que marcou o encontro do Fórum Permanente de Erradicação do Trabalho Infantil na Região Metropolitana de Sorocaba (FPETI/RMS), na Casa do Advogado, na última sexta-feira, 10.
O TAC mencionado dos Ubiratan foi assinado em fevereiro de 2020 e previa uma série que medidas que o governo municipal teria que adotar para erradicar a exploração do trabalho de menores. Por não cumprir o acordo, a Prefeitura está sujeita a pagar uma multa milionária, que pode chegar a R$ 10,7 milhões.
A ação de execução dessa multa foi ajuizada no final de janeiro pelo procurador regional do trabalho da 15ª Região, Juliano Alexandre Ferreira. O assunto foi tema de reportagem no Portal Porque no início deste mês. Para ler, clique aqui.
O TAC determina, entre outras ações e medidas de apoio ao Ministério Público e Ministério do Trabalho, que o governo municipal garanta os meios necessários para o efetivo funcionamento do Conselho Tutelar e, também, “a realização, ao menos duas vezes por ano, de campanha de prevenção ao trabalho infantil efetuada de forma integrada com diferentes agentes públicos”, informa comunicado do MP/SP.
O comunicado também afirma que a Prefeitura de Sorocaba deve destinar parte do orçamento anual para o desenvolvimento de políticas públicas voltadas à erradicação da exploração do trabalho de crianças e adolescentes. O TAC foi assinado pela promotora de Justiça Cristina Palma.
Exploração e denúncias
De acordo com Ubiratan, conhecido como Bira, a GRTE resgatou 300 crianças em trabalho irregular de 2020 a 2022, principalmente vendendo produtos em semáforos. “Elas foram encaminhadas para sistemas de aprendizagem. Uma vendedora de flores hoje é aprendiz na montadora Toyota.”
Bira afirmou ao Portal Porque que “o trabalho infantil em Sorocaba é patrocinado por exploradores e também pelas famílias dessas crianças. Ou seja, temos também um problema social. Os mecanismos sociais do Estado e da Prefeitura Municipal de Sorocaba estão falhando com essas crianças.”
O chefe de fiscalização relatou ao Porque a suspeita de que grupos exploratórios estariam trazendo trabalhadores para Sorocaba para viver em situação análoga à escravidão, “inclusive em condomínios. Portanto, escondidos”, afirma. Segundo ele, essas e outras operações ilegais só podem ser desmontadas mediante denúncias.
Outros participantes
Além do chefe dos fiscais do GRTE, ligado ao Ministério do Trabalho, também participaram do encontro Valdir Rinaldi Silva, juiz da 4ª Vara do Trabalho de Sorocaba; Rossenilda Gomes Farias, dirigente regional de Ensino da rede estadual de educação pública; João Batista Martins César, desembargador do Tribunal Regional do Trabalho (TRT) da 15ª Região; membros da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), entre outros. O evento foi aberto ao público.
O desembargador João Batista também reforçou que a Prefeitura de Sorocaba precisa cumprir integralmente o TAC contra o trabalho infantil. Ele sugere, com base em experiências de outras cidades, que o poder público crie um “Programa Municipal de Aprendizagem Social”, para tirar crianças do semáforos e outras atividades que só garantem sustento para os adultos que as exploram.
João Batista disse, em entrevista ao Portal Porque, que esse programa poderia ser implantado com recursos próprios do município, por meio de contratação de empresas ou via parcerias com escolas e universidades. “Sorocaba tem tantas instituições de ensino boas, tem até um Instituto Federal”, lembra.
Por esse programa, a criança ou adolescente seria contratada para trabalhar meio período em repartições públicas, empresas públicas ou autarquias do município, com a contrapartida de que continuasse frequentando o ciclo escolar oficial.
Como exemplos, João cita o próprio TRT, onde ele trabalha, que esta semana contratou 27 menores aprendizes; e a USP (Universidade de São Paulo), que atualmente conta com 160 aprendizes. Para ele, em Sorocaba caberiam pelo menos 300 aprendizes atuando no poder público.
Tanto João quanto Bira citam que as cidades da região que mais têm apresentado avanços na erradicação do trabalho infantil são Itapetininga, Tatuí, Itu e Salto.
Emprego e ensino superior
Para o desembargador, o Programa de Aprendizagem Social, com participação dos governos até do Estado e federal, poderia avançar ao ponto de garantir um sistema de renda para o estudante até mesmo depois da conclusão do ensino médio, a fim de que ele pudesse frequentar o ensino superior.
“Meu sonho é a volta de bolsas de transferência de renda para adolescentes ficarem na escola. Isso é investimento. Não é despesa”, afirma o desembargador.
Mas, para ele, Sorocaba está aquém do necessário, inclusive em termos de equipe de apoio aos Centros de Referência em Assistência Social. O TAC assinado em 2020, inclusive, determina que a administração municipal contrate psicólogos, assistentes sociais, advogados e outros profissionais para estruturação das equipes desses Centros.
Esses centros de referência teriam o papel de saber porque a criança ou adolescente não está frequentando a escola. “É devido ao trabalho infantil”, indaga ele.
“Com essas medidas e esses investimentos, podemos romper o ciclo de miséria e pobreza e criar um círculo virtuoso. Neste tempos de Indústria 4.0 e tecnologia 5G, o estudo é fundamental para formar mão de obra qualificada. E é isso que as empresas procuram para investir no local e gerar empregos”, ressalta João Batista.
Página do Conselho da Criança
Outra crítica contundente dos participantes do Fórum foi a forma como o governo de Sorocaba trata a página do Conselho Municipal da Criança e do Adolescente na internet. A página ficou fora do ar por um período não estimado pelos participantes do Fórum. Voltou ao ar poucos dias atrás e, mesmo assim, vinculada à página da Prefeitura na internet.
“A página não poderia estar vinculada à Prefeitura. Ela teria que ter autonomia. Ela deve ter liberdade para publicar o que avaliar como necessário”, independente da vontade de quem está ocupando a cadeira de prefeito no momento, diz João Batista.
O desembargador também critica a estruturação da página do Conselho. “Até para fazer doações que possam ser abatidas do imposto de renda é difícil. Você tem que enviar e-mail, fazer a contribuição, depois esperar o comprovante. É pouco prático. Existem meios mais práticos de se fazer isso.”
Para ele, sem citar diretamente o prefeito Rodrigo Manga, afirma que os gestores municipais que tratam a questão da criança e do adolescente como gasto, e não como investimento, deixam todas as estruturas de atendimento a desejar. “Sucateiam os serviços e até os Centros de Referência funcionam precariamente, só para inglês ver”, avalia João Batista.
O desembargador, que já foi procurador do MPT, também critica o que chama de “mídia corporativa”, que “não pauta a questão da criança e do adolescente”. E diz ser “uma pena que o prefeito [de Sorocaba] tenha um grande espaço/palanque nessa mídia, mas não pauta o tema, seja dando ênfase à destinação do imposto de renda ao FMDCA (Fundo Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente ) ou à aprendizagem social.”