
Prefeito Rodrigo Manga fez live precedida de anúncio sensacionalista, para anunciar pedido de “intervenção” na represa de Itupararanga. Foto: reproduções/Facebook
Falando ao vivo nas redes sociais da Prefeitura de Sorocaba, no início da noite desta terça-feira, 17, o prefeito Rodrigo Maganhato (Republicanos) fez alarde — desnecessário, segundo especialistas — sobre o nível de água da represa de Itupararanga. A live foi precedida de publicação de card sensacionalista nas redes da Prefeitura (veja acima) e interpretada, no meio político, como uma estratégia desesperada do prefeito para tentar tirar o foco dos escândalos de corrupção que pipocam em seu governo.
Dizendo-se preocupado com o risco de acidentes ou de inundações devido ao nível da represa, Manga assinou ofício ao governo do Estado, durante a live, solicitando “intervenção” estadual na administração da Represa de Itupararanga — cuja gestão, por sinal, é regulada pela União, por meio da Aneel. Entretanto, de acordo com o Grupo de Trabalho de Crise Hídrica (GT-CH) do Comitê de Bacias, o nível da represa não preocupa e não há necessidade de plano de manejo para enchentes.
Também a Companhia Brasileira de Alumínio (CBA), responsável pela gestão da Usina Hidrelétrica de Itupararanga, contestou as informações do prefeito, ao informar, em nota à imprensa, que a barragem está segura e que não existe risco de rompimento. Segundo a CBA, nesta terça-feira (portanto, antes da live sensacionalista do prefeito), representantes da empresa haviam mantido reunião com o Saae e a Defesa Civil de Sorocaba, para esclarecer sobre o monitoramento da represa e o sistema de controle e amortecimento de cheias.
Espalhando o medo
Em seu pronunciamento, o prefeito de Sorocaba disse que propôs um controle da vazão de água da barragem para o rio Sorocaba e a elaboração de um plano de emergência, mas não teria sido atendido pela empresa: “A CBA não tomou a atitude desse controle (do nível da represa) de hora em hora”, reclamou Manga. No entanto, o controle da barragem, segundo a nota divulgada pela empresa, já existe e funciona 24 horas por dia.
Manga abusou em seu pronunciamento ao vivo de frases alarmistas como “colocando em risco muitos moradores de Sorocaba e Votorantim”, “prejudicando milhares de pessoas”, e chegou a falar sobre “o caos que já aconteceu outrora com o rompimento”, sendo que o que ocorreu no passado foram aumentos da vazão do rio Sorocaba, com alagamento de áreas ribeirinhas, em decorrência do vertimento (liberação de água pelos arcos da barragem), fato que só ocorre quando a barragem está em seu nível máximo.
Cortina de fumaça?
A “live do fim do mundo”, como está sendo chamada nas redes sociais, ocorre um dia depois de o Judiciário instaurar processo criminal contra um secretário municipal, um ex-secretário e um servidor, além de dois empresários de Sorocaba (leia aqui), a pedido do Gaeco (Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado), que denunciou uma trama urdida dentro da Prefeitura para superfaturar em mais de R$ 10 milhões a compra de um prédio pelo governo municipal.
A live ocorre, também, poucos dias depois do afastamento temporário de um secretário municipal, acusado de conceder alvarás irregulares para a venda de terrenos públicos em área de preservação (leia aqui). E apenas três dias depois da publicação de acórdão do Tribunal de Contas do Estado (TCE), que rejeitou todos os recursos e manteve a decretação de irregularidade, por motivo de superfaturamento, na contratação de uma organização social para a implantação de um centro de monitoramento da covid, em 2021 (leia aqui).
Segundo Manga afirmou em sua live, a intenção, ao pedir a “intervenção” do Estado em Itupararanga, é evitar que o rio Sorocaba transborde, afetando algumas áreas. Os comentários de pessoas que assistiam ao pronunciamento do prefeito demonstravam que, se o que Manga queria era desviar a atenção dos munícipes, a ideia da live não ajudou em muito.
@emersonpunk publicou: “cortina de fumação por conta do superfaturamento?”
@cirinogisele: “não explicou nada, quais as medidas serão tomadas, vai arrumar um lugar para os moradores das áreas de risco?”
@fadamachado: “quais os bairros que podem ser afetados”
@simone_hotmailcom: “acredito que o prefeito tenha confundido, o que houve há alguns anos foi o rompimento de uma adutora devido a fortes chuvas… Ficamos sem água por um bom tempo”.
@denisdpaula: “gente, que negócio sem pé nem cabeça, falou, falou, falou e não explicou nada”.
@ricardoluisnery: “manga só quer causar”
Informações técnicas
A propósito do nível da represa, o Portal PORQUE ouviu o vice-presidente do Comitê de Bacia Hidrográfica do Rio Sorocaba e Médio Tietê, prof. André Cordeiro, que no começo do mês já havia descartado o risco de enchente na cidade. “Precisaria de muita água para se ter algum perigo de enchente na cidade”, disse André, que reafirmou, nesta terça-feira: “Não tem cabimento o prefeito ter acionado o Estado e fazer esse alarde.”
Segundo André, entre o Natal e o ano-novo, a CBA comunicou ao Grupo de Trabalho de Crise Hídrica (GT-CH) que queria aumentar o volume do reservatório, de forma unilateral, para proteger contra enchentes. Isso, no entanto, não se justificava, pois o reservatório estava, no dia 9 de janeiro, com menos de 50% de sua capacidade.
“Tanto a secretaria executiva quanto a coordenação do GT, que no caso sou eu, mandamos um documento à CBA avisando que éramos contra esse aumento de vazão de saída do reservatório porque não tem sentido fazer controle de vazão no período que não tem água suficiente nem para encher o reservatório, como se fosse manejo de enchente”, declarou.
Naquela ocasião, a CBA apresentou proposta de nova gestão da barragem e a cota do reservatório de Itupararanga, elaborada a partir de um estudo que encomendou de uma empresa especializada. A proposta foi explicada pela ong SOS Itupararanga. Baseada em cotas proporcionais, prevê que pode ser aumentada a vazão defluente do reservatório, conforme o nível da represa aumenta. O GT deliberou pela aplicação da nova regra de forma provisória, e voltará a se reunir no dia 23, para avaliar os resultados.
CBA faz monitoramento
Questionada sobre a atual vazão para o Sorocaba, a CBA informou, por meio de nota enviada por sua assessoria de imprensa, que a barragem da Usina Hidrelétrica de Itupararanga está segura e não há nenhum risco de rompimento.
A nota informa ainda que, em reunião realizada nesta terça-feira (17) com o Saae e a Defesa Civil de Sorocaba, a CBA esclareceu sobre sistema de gestão para controle e amortecimento de cheias, com o objetivo de equilibrar o volume de água advinda das chuvas e evitar o vertimento, que é a passagem de água pelos arcos da barragem.
A assessoria de imprensa da Companhia informou ainda que possui um centro de monitoramento que faz a gestão e o controle do reservatório 24 horas por dia. Considerando a previsão meteorológica para as próximas semanas, não existe expectativa de vertimento de água. Caso haja alteração nesse cenário, a CBA informará previamente os órgãos competentes.
A última vez em que a água passou pelos vertedouros (aberturas) localizados no alto do paredão foi em março de 2016, quando o nível de água chegou a 78%. Naquela ocasião, trechos da avenida Dom Aguirre chegaram a ficar alagados, bem como as partes baixas de bairros como Vitória Regia e Maria do Carmo.
Erramos – Este texto foi corrigido às 15h27 de 18/1 pois, segundo ficou esclarecido posteriormente, a represa de Itupararanga não possui comportas, como citado no texto anterior, e sim vertedouros. Também a enchente no Parque Manchester, em 2016, não se deveu ao rio Sorocaba, como informado no texto anterior.