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Lideranças repudiam resultado de julgamento de PM que matou radialista desarmado

Com um intervalo de 47 dias, dois policiais militares acusados de matar negros desarmados foram absolvidos pelo Tribunal do Júri em Sorocaba

Maíra Fernandes (Portal Porque)

Dinho nunca teve uma chance de sobreviver à abordagem policial, segundo nota da Unegro, entidade em que ele militava. Foto: Reprodução Facebook/Dinho Vive

A absolvição do policial militar Rômulo Corrêa, que matou a tiros o radialista Milton Expedito do Nascimento, o Dinho, ocorrida em sessão do Tribunal do Júri nesta terça-feira (28), gerou consternação e repúdio de lideranças ligadas aos direitos humanos e ao movimento negro em Sorocaba.

Rômulo Corrêa era acusado de homicídio doloso (quando existe a intenção de matar). Em um intervalo de 47 dias, dois policiais militares acusados de matar pessoas negras em Sorocaba foram absolvidos pelo júri popular. Em 9 de fevereiro, o policial acusado de matar o jovem Jefferson Rubio de Moura foi inocentado por negativa de autoria.

“O racismo institucional segue nas esferas do Judiciário como forma de proteção da letalidade do Estado sobre a população preta e periférica. O Dinho nunca teve uma chance de viver no dia da abordagem e os gritos por justiça da família, amigos e movimentos sociais nunca foram ouvidos em um tribunal ocupado institucionalmente pela branquitude”, afirmou por meio de nota o presidente da União de Negros pela Igualdade de Sorocaba (Unegro), Jorge Henrique Sant’Ana, informando que fará uma reunião extraordinária para discutir ações mais efetivas de repúdio ao resultado do júri popular.

Júri branco

Para os representantes do movimento negro, o júri formado, em sua maioria, por pessoas brancas, bem como o entendimento de que o trabalho das forças policiais é atirar — e que o preto é sempre um bandido em potencial; portanto, merecedor de ser alvo –, escancaram o racismo estrutural com o qual o país ainda precisa lutar, principalmente nas instâncias de segurança pública.

“Penso que alterar esta lógica de perfilamento racial que acontece em Sorocaba dependerá de um amplo debate na sociedade e mudanças nas ditas instituições de segurança pública”, falou o presidente do Conselho Municipal de Participação e Desenvolvimento da Comunidade Negra de Sorocaba, José Marcos de Oliveira, repudiando mais uma decisão que, de acordo com ele, reflete a lógica de justiça branca versus alvos pretos.

Para José Marcos, infelizmente, não há surpresa no veredito. “A sentença pela absolvição de mais um algoz que, a serviço da falsa democracia racial, tombou mais uma vida negra, não é novidade. Estamos diante de uma prática que está incrustrada na estrutura da sociedade e franqueia total liberdade de ação e de genocídio dos jovens negros, que há décadas despontam como alvos preferenciais”, criticou.

Presidente da Comissão de Igualdade Racial da Câmara Municipal de Sorocaba, a vereadora Iara Bernardi (PT) defendeu que é preciso mais preparo da Polícia Militar, principalmente por se tratar de mortes evitáveis, em ações contra jovens negros, pobres e sem problemas com a lei.

“Com certeza há o componente do racismo envolvido nisso. São pessoas pobres, negras, da periferia. Não eram contraventores e morreram pela ação da polícia. Tipos de mortes que não ocorrem em bairros nobres”, falou, reforçando que o racismo também está presente no julgamento.

“Isso é inaceitável! É  um tema que o Brasil tem que debater, pois não acontece apenas em Sorocaba. São mortes que não deveriam acontecer de forma alguma, mas a ação abrupta da polícia levou a isso”, afirmou Iara.

De vítima a acusado

Drika Martim, presidente da Central Única das Favelas (Cufa/Sorocaba) e amiga pessoal da família de Dinho, acompanhou boa parte do julgamento na terça-feira. Para ela, não é apenas a sentença que machuca, mas toda essa estrutura de julgamento realizada por pessoas sem letramento racial e falta de compreensão da realidade da vítima: homem negro e periférico.

“Muito triste a forma como foi conduzida a sessão, tudo muito agressivo para a família do Dinho. Difícil entender e aceitar que ele (Dinho) passou de vítima para acusado naquela estrutura, formada por um júri branco, sem leitura racial necessária para julgar esse tipo de crime. Assassinaram o Dinho pela segunda vez, infelizmente”, criticou.

Drika lembrou que, em determinado momento, a defesa do policial argumentou que Rômulo Corrêa — a quem foi dada uma promoção durante esses anos em que respondeu ao processo em liberdade –, teve impactos negativos na sua vida, portas fechadas e dificuldades por conta do assassinato, na tentativa de sensibilizar o júri.

Do mesmo modo, o próprio promotor do caso pediu absolvição do réu, pois se ficasse preso por cerca de 20 anos isso poderia prejudicar sua vida e de sua família. “Mas ele está vivo, e o Dinho não!” — protesta Drika.

Repúdio da Unegro

A União de Negros pela Igualdade de Sorocaba (Unegro), entidade da qual Dinho era diretor, em nota assinada pelo presidente Jorge Henrique Sant’Ana, repudiou veementemente o resultado do júri popular e, principalmente, a postura pouco comum do promotor público, Marcos Fábio de Campos Pinheiro, que  pediu ao júri a absolvição do policial.

De acordo com o texto, o Ministério Público sustentou, durante todos esses anos, que, mesmo que de forma culposa (sem intenção de matar), fosse imputada pena sobre a conduta do policial militar. No entanto, na terça-feira, o promotor mudou seu discurso, pedindo a absolvição.

A entidade aponta indignação pelas falas do promotor, que disse que a moto de Dinho havia sido encontrada na rua em que reside seu companheiro de rádio, na época também vítima do assalto, o que, de acordo com pessoas próximas à vítima, não é verdade. Também aponta que, em sua postura de proteger o réu, o promotor falou outra inverdade, desta vez sobre a condição judicial de um irmão de Dinho que, conforme o representante do Ministério Público, estaria preso.

Família e amigos afirmam que o irmão de Dinho, citado no julgamento, tem trabalho fixo e goza de liberdade. “Presenciamos diversas questões que soaram em inverdades e influenciaram o júri”, critica a nota.

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