
Agora os motoristas precisam explicar para os passageiros com mais de 60 a nova exigência, que consta e um adesivo minúsculo afixado nos coletivos. Foto: João Maurício da Rosa
Os usuários de ônibus em Sorocaba com idade superior a 60 anos não podem mais embarcar pelas portas traseiras dos ônibus. A prática, autorizada por lei municipal de 2012, foi extinta por nova legislação e os motoristas estão sendo obrigados a orientar os idosos para que solicitem o Cartão Sênior emitido pela Urbes (Empresa de Desenvolvimento Urbano e Social de Sorocaba).
Sem o Cartão Sênior, é impossível os usuários subirem pela porta da frente e passarem pela catraca, como exige a nova lei.
Embora a nova lei tenha sido promulgada pelo prefeito Rodrigo Manga em 19 de abril passado, o cartão passou a ser exigido só recentemente e sem nenhuma publicidade prévia, dificultando o trabalho dos motoristas e atrasando os ônibus. Em cada ponto de parada, os motoristas têm que elevar o tom da voz para que sua explicação seja ouvida pelos passageiros idosos que esperam as portas traseiras se abrirem.
Apesar dos cabelos brancos, muitos ainda conservam o costume de acenar com a carteira de identidade como prova de que têm mais de 60 anos. Mas o uso do documento perdeu a validade, graças a uma lei elaborada pelos vereadores Cláudio Sorocaba (PL), Silvano Júnior e Cristiano Passos (Republicanos), todos fieis aliados do prefeito Rodrigo Manga.
Eles usam como justificativa a prevenção de acidentes, como a morte de uma idosa que tentava embarcar pela porta traseira, registrada alguns dias antes da votação e aprovação da matéria.
Saúde
Até a novidade ser absorvida, os usuários terão que se acostumar com o sentimento de constrangimento. Na última quinta-feira, 20, por exemplo, a aposentada Ondina Marques Santana, de 76 anos, era a única passageira no ponto em frente ao Hospital Evangélico, na avenida General Carneiro. Acenou com o RG, mas o motorista não abriu a porta e esperou que ela caminhasse até a frente para explicar o novo procedimento.
Depois do diálogo, reprisado pelo motorista desde o início do itinerário, Ondina embarcou pela traseira prometendo que iria retirar o Cartão Sênior no posto da Urbes do Terminal São Paulo.
“O que a gente precisa é de saúde, isso parece importar menos. A cidade não tem bolsa de colostomia, eu estou esperando há cinco anos por uma cirurgia no joelho”, reclamou ela, em pé, enquanto o ônibus retomava seu rumo ao Centro.
O motorista do coletivo não deixou por menos. “Eles decidiram impor a lei de uma hora para outra, sem fazer uma campanha de esclarecimento ao usuário, e sobra pra nós motoristas fazer o papel de carrasco. Quando a notícia é boa, como permitir a parada em qualquer lugar durante à noite, o prefeito foi fazer propaganda em pessoa”, reclamou à reportagem do Portal Porque. O motorista se referia a uma medida que permite aos passageiros escolher o lugar mais seguro para descer ou subir nos ônibus, entre 22h e 6h.
Adesivos
A única peça da campanha de esclarecimentos aos idosos usuários é um adesivo minúsculo colado ao vidro interno da cabine que separa o motorista da catraca. Ninguém tem tempo de parar para ler antes de ser empurrado pelo passageiro que vem atrás.
Diz o aviso: “Idosos a partir de 60 anos. Faça o seu cartão do transporte coletivo para a habilitação do reconhecimento facial e liberação da catraca pela porta dianteira com toda facilidade e segurança.”
A lei 12.773 do trio de vereadores governistas foi votada em 19 de abril passado e publicada no Diário Oficial de 25 do mesmo mês. Ao mesmo tempo, a medida revoga a Lei nº 10.100, de 16 de maio de 2012, de autoria do ex–vereador José Francisco Martinez, que não foi localizado para comentar a revogação da matéria. Martinez foi vereador por sete mandatos e apresentou mais de 900 leis no período, segundo seu currículo no portal da Câmara.
A lei atual vem embalada em uma linguagem bastante positiva para a administração Manga. Em vez de proibição de embarcar pelas portas traseiras, destaca o direito à gratuidade — um direito antigo dos maiores de 60. “As pessoas maiores de 60 anos têm direito à gratuidade do transporte coletivo, com embarque pela porta dianteira do veículo, ressalvado se o idoso necessitar da rampa de acesso”, diz o texto da matéria.
Enquanto isso, a aposentada Ondina, que espera por uma cirurgia no joelho há cinco anos, só conseguiu uma vaga para sentar-se quando o ônibus aliviou sua carga na Praça Nove de Julho.