
Protesto de funcionários em São Paulo; além da questão salarial, grevistas denunciam falta de pessoal, de estrutura e de segurança. Foto: divulgação
Numa greve que já dura nove dias, os agentes socioeducativos da Fundação Casa expõem, cada vez mais, a situação precária em que trabalham nas unidades de todo o Estado de São Paulo. São denúncias de falta de estrutura física, de segurança e até assédio moral, sexual e psicológico dentro e fora do ambiente de trabalho. Os agentes culpam a má gestão da instituição pelo momento caótico que atravessam e que fez com que parassem.
De acordo com o Sindicato dos Trabalhadores nas Fundações Públicas de Atendimento Socioeducativo ao Adolescente em Privação de Liberdade do Estado de São Paulo (Sitsesp), mais de 50 agentes morreram nos últimos dez anos, entre casos de suicídio, covid-19 e vítimas de violência praticada pelos internos da Fundação. Esse foi um caso de um homem que foi espancado por um grupo de adolescentes dentro de uma instituição em abril de 2022. Ele chegou a ser hospitalizado, mas morreu devido à gravidade dos ferimentos.
“São dois plantões de 12 horas e dois dias de folga, com uma jornada longa, estressante e sem estrutura. Se não bastasse isso, ainda temos a questão da segurança. Somos uma categoria que anda desarmada e que corre riscos a todo momento”, disse Israel Leal de Souza, diretor de Imprensa do Sitsesp. Há ainda o problema do baixo efetivo de agentes socioeducativos, pois desde 2014 não é realizado concurso público para o cargo e os funcionários estão adoecendo ou envelhecendo. Alguns se aposentam e outros estão afastados dos seus cargos por doenças.
Houve ainda cortes de orçamento que diminuíram os insumos, incluindo os EPIs (equipamentos de proteção individual) dos agentes. “A gente faz revista nos jovens sem EPI. A gente sai de casa pra trabalhar sem saber se vai voltar”, diz.
O sindicalista acrescenta ainda que, recentemente, todas as unidades da Fundação Casa ganharam câmeras de segurança que, ao invés de coagir as ações dos internos, vigiam as ações dos servidores. “Muitas vezes, os adolescentes usam as imagens contra os agentes, alegando abuso no uso da força quando, na verdade, os servidores estão tentando conter brigas e outros tipos de violência. Dessa forma, o estado tirou as algemas dos internos e as colocou nos agentes”, critica.
Sem diálogo e sem avanço nas negociações
O diretor lembra que, durante quatro anos da antiga gestão da Fundação Casa, presidida pelo então secretário de Justiça do governo de João Dória, Fernando José da Costa, não houve abertura ao diálogo com os servidores, o que agravou mais a situação dos agentes socioeducativos da entidade.
Hoje, sob a gestão do ex-juiz de direito João Veríssimo Fernandes, além de todos os problemas narrados pela categoria, as negociações entre sindicato e gestor da Fundação esbarram na necessidade de levar qualquer proposta à Comissão Política Salarial criada no governo Dória e que é responsável por aprovar ou não os pedidos de todos os servidores do Estado.
“O Sitsesp vem sistematicamente e insistentemente comunicando o o Ministério Público do Trabalho (MPT), o governo estadual, a gestão da Fundação Casa, e infelizmente não somos ouvidos. Este ano estamos com mais visibilidade da nossa greve, que fazemos todos os anos para pressionar o governo, mas, anteriormente a população nem tomava conhecimento da situação dos servidores”, desabafa Israel.
Ação social dia 15 de maio
Os socioeducadores organizaram uma ação solidária para a próxima segunda-feira (15), convocando a categoria a doar sangue. Em Sorocaba, a concentração para o ato humanitário acontecerá às 7h entre as unidades 2 e 3 da Fundação Casa, no bairro Aparecidinha. Depois, o grupo segue às 7h30 para o Hemonúcleo de Sorocaba, para o mutirão de doação de sangue. Ação semelhante já foi realizada na região de Ribeirão Preto, Araçatuba e, nesta quinta-feira (11), em São Paulo.
Em comunicado à categoria, o sindicato lembra que “quem não aderiu à greve e estiver de plantão, mas ainda quiser fazer sua parte, que entre em contato com a gestão da sua unidade para organizar um revezamento entre os demais servidores e setores para que não fiquem com postos desguarnecidos, prejudicando o andamento das atividades”.
Mesmo índice do Judiciário
O Judiciário também mostrou descontentamento com o aumento oferecido pelo governo do Estado aos servidores. O secretário da Casa Civil, Arthur Lima, e o da Justiça e Cidadania, Fábio Prieto, disseram que o governo anterior não havia deixado nenhuma provisão para reajuste, e os 5,75% oferecidos na semana anterior poderiam chegar no máximo a 6%. O índice de aumento é oferecido tanto para os funcionários da Fundação Casa quanto para os servidores do Judiciário.
A revolta é maior devido ao fato de o governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) ter proposto, em projeto enviado à Assembleia Legislativa, aumento médio de 22,6% para os policiais militares, em detrimento das demais categorias.
Para os agentes socioeducativos da Fundação Casa, a paralisação tem como base a pauta de reivindicações do Sitsesp que, além do reajuste de 15%, pleiteia o pagamento das perdas acumuladas desde 2000 — que equivalem ao percentual de 40,09% –, a instituição da bonificação por resultado, o cumprimento do plano de cargos e salários, além de vale-refeição de R$ 1.050 e vale-alimentação de R$ 750.
A Fundação Casa apresentou réplica na quarta-feira (10) requerendo a conversão da cautelar em dissídio coletivo, julgamento da ilegalidade e abusividade do movimento paredista, pedindo a exclusão das cláusulas econômicas e a imediata suspensão da greve.
O sindicato informa que, juntamente com os advogados da entidade, trabalha na defesa da categoria e que o prazo para manifestação se encerra no próximo dia 16 de maio.
“Nosso movimento paredista está maravilhoso e não podemos ceder agora. Um provável julgamento da pauta de reivindicações e da greve ocorrerá até o final da próxima semana”, completa o Sitsesp em nota.
O que diz a Fundação Casa
A Fundação Casa diz seguir aberta ao diálogo com o sindicato a fim de encerrar a greve para a valorização de seus servidores. Desde fevereiro, a instituição tem se reunido com o Sitsesp para negociar a valorização da categoria. O governo do Estado ofereceu reajuste salarial de 6%, inclusive sobre os benefícios – vale-refeição, vale-alimentação e auxílios creche e funeral –, aplicável na folha de pagamento de maio, a ser creditado no mês de junho.
A instituição diz também ter proposto realizar as avaliações de desempenho previstas no Plano de Cargos, Carreiras e Salários (PCCS) relativas aos anos de 2017, 2018 e 2019, ao longo dos próximos três semestres, viabilizando a possibilidade de progressão funcional nas carreiras.
A instituição também diz que, por conta de várias recusas de negociação por parte do sindicato, aguarda o Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região (TRT-2) agendar o julgamento da greve.
Entre 2018 e 2022, a Fundação Casa concedeu 18,91% de reajuste para os servidores, inclusive sobre os benefícios, exceto o vale-alimentação que, por sua vez, teve elevação 45,42% no mesmo período.
De acordo com a Fundação Casa, o TRT-2 determinou, por meio de liminar, que 80% do efetivo de servidores de cada área de atuação devem trabalhar, dando continuidade à execução da medida socioeducativa. Em caso de descumprimento, o sindicato receberá multa de 200 mil reais por dia. Apenas o TRT-2 pode informar se o percentual está sendo atendido pelo Sitsesp.