
O canabidiol tem sido receitado por médicos para Transtorno do Espectro Autista (TEA), epilepsia, casos graves de ansiedade, entre outros problemas de saúde. Foto: Orlando Kissner/Alep
Pelo menos sete famílias que ganharam ações contra a Prefeitura de Sorocaba para fornecer canabidiol não recebem a medicação desde março. As informações, levantadas pelo Portal Porque, são de advogados e de agentes da própria administração.
A advogada que cuida do caso do menino Gabriel, noticiado pelo Porque (leia aqui), afirma que, somente ela, Quéren Priscila Cardoso Martins, conduz outros dois casos semelhantes, em que a Prefeitura vem deixando de cumprir decisão judicial para fornecer canabidiol. Além de Gabriel Alves da Silva Barros, 16 anos, os outros dois clientes dela têm menos de 10 anos e todos são casos de autismo (TEA).
Um servidor da Prefeitura, que pediu para não ter o nome revelado, disse à reportagem que existem outros seis ou sete casos semelhantes ao de Gabriel “travados” na administração de Manga.
Manga culpa procuradores
No sábado (16), após repercussão negativa do vídeo da família e da notícia, um represente da Prefeitura, identificado apenas como Rômulo, coordenador jurídico, visitou os familiares de Gabriel, na Zona Norte, e disse que iria regularizar o fornecimento da medicação em, no máximo, um mês.
Para poupar o prefeito Rodrigo Manga (Republicanos) e o secretário de Saúde, Cláudio Pompeo, o representante do Paço culpou os procuradores da Prefeitura, que estariam recorrendo do processo sem autorização do prefeito.
Porém, nos autos do processo, a Prefeitura alega “falta de verbas”, “dificuldades na licitação” ou “dificuldades na importação” do remédio. O canabidiol tem sido receitado por médicos para Transtorno do Espectro Autista (TEA), epilepsia, casos graves de ansiedade, entre outros problemas de saúde.
O próprio Rômulo admitiu, na visita à família de Gabriel, que existem outros casos como o de Gabriel tramitando na Prefeitura, mas novamente, para proteger o prefeito, alegou que Manga nem sabia desses casos e que soube só agora.
Improbidade e prevaricação
Hugo Bruzi, presidente da Comissão de Direitos Humanos da OAB de Sorocaba, afirma que “a partir do momento que a Justiça deferiu o direito da criança e o Ministério Público não se opôs, a Prefeitura tem a obrigação de fornecer o remédio. Quando ela não cumpre com a obrigação, pode configurar um ato de improbidade do responsável pela desobediência, seja a Prefeitura, o secretário, servidores, comissionados, quem a apuração indicar”.
Para o advogado, se for comprovado que o município recebe verbas do estado para compra do medicamento [o que a Prefeitura nega], pode até ser um caso de apropriação indébita de quem não repassa o recurso ou o remédio para a família de Gabriel. “Mesmo que não receba as verbas, a demora no fornecimento pode caracterizar prevaricação, além de improbidade”, afirma o advogado e membro da OAB.
Ministério Público
Para Hugo, o Ministério Público tem que ser chamado para apurar a inércia do município diante do dever e da responsabilidade sobre a compra dos remédios. “Esse é um passo necessário dada a gravidade e a urgência desse caso”, afirma.
“É muito triste, muito desumano termos uma Prefeitura que, por questões muitas vezes ideológicas, de preconceito, entenda que derivados de Cannabis Sativa [popularmente chamado de maconha] não possa ser utilizado para tratamento”, finaliza Hugo.
A advogada da família de Gabriel Barros, Quéren Martins, não considera que há preconceito da Prefeitura em relação à fórmula do remédio, pois, até o ano passado o fornecimento era efetuado. Este ano é que apareceram maiores dificuldades e “entre março e abril, dependendo do caso, o fornecimento parou de vez”.
Ela concorda, porém, com Hugo Bruzi de que há uma inércia da administração municipal quando se trata de fornecimento de medicamentos em geral, especialmente aqueles que deveriam ser disponibilizados na farmácia de alto custo da Prefeitura.
Contatada pela reportagem, a promotora da Vara da Infância e Juventude do Ministério Público, Cristina Palma, disse que vai estudar o processo e, em seguida, poderá se manifestar ao Porque.
Sequestro de verbas
Como o governo municipal não fornece o remédio, a advogada Quéren Martins entrou com petições de sequestros de verbas da Prefeitura. “É uma atitude extrema, mas já que ela não disponibiliza a medicação, que repasse o dinheiro necessário para as famílias comprarem o canabidiol em farmácias convencionais”.
No caso de Gabriel, o pedido de sequestro de verbas é equivalente ao tratamento por três meses, que custa mais de R$ 47 mil para compra em farmácia convencional por trimestre.
“Nós temos uma sentença e uma liminar e a Prefeitura continua recorrendo na Justiça [para não pagar e nem garantir o fornecimento]. Para as famílias, o governo municipal só informa que o medicamento está em falta e tem que aguardar”, afirma a advogada.
Na semana passada, Gabriel quase veio à óbito por complicações do autismo nos brônquios devido à falta de canabidiol, mesmo a família tendo conseguindo algumas doações, mas em quantidade insuficiente.
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