A rede pública de saúde de Sorocaba não faz laqueaduras em mulheres que não querem engravidar e o motivo, segundo a vereadora Fernanda Garcia (Psol), é “ideológico”. A denúncia, que deveria atingir em cheio a Prefeitura, acabou acertando outro alvo e gerou uma crise entre a vereadora e o padre Flávio Jorge Miguel Júnior, responsável pela administração da Santa Casa. Falando ao PORQUE nesta terça-feira, o Padre Flávio reagiu de forma enérgica à denúncia da vereadora, classificando suas afirmações como “intolerância religiosa”.
Na semana passada, a vereadora fez uma série de críticas à Santa Casa, ao hospital Santa Lucinda e à Prefeitura de Sorocaba por não oferecerem o procedimento de laqueadura às mulheres que não desejam engravidar. “Antes, a cirurgia era ofertada pela Santa Casa, mas, no novo contrato, a entidade recusou-se a prestar esse serviço. Isso não tem cabimento, é um ato de desumanidade. Essa atitude imputa em nós, mulheres, o julgamento de sermos apenas as procriadoras. Como se não tivéssemos o direito de decidir sobre nossos corpos”, disse Fernanda.
A laqueadura é uma cirurgia de esterilização definitiva, que pode ser feita de maneira voluntária pela mulher que não quer engravidar, uma vez que impede o encontro do óvulo com os espermatozoides.
QUESTÃO DE PRINCÍPIO
Em entrevista ao PORQUE, o padre Flávio disse que ficou surpreso com as críticas da vereadora, afirmou que nunca foi procurado por ela para discutir o assunto e destacou que não gostou nem do tom e nem da forma como a crítica foi feita. “A vereadora Fernanda está confundindo ideologia com princípio. A Santa Casa não faz laqueaduras por princípio, não tem nada a ver com ideologia. Somos uma entidade privada, que tem convênio com a Prefeitura para atender a rede pública. Convênio tem a mesma raiz da palavra conveniência e não é conveniente para a Santa Casa ignorar os seus princípios. Aqui, nós não fazemos aborto, laqueadura e vasectomia”, explicou.

A denúncia, que deveria atingir em cheio a Prefeitura, acabou acertando outro alvo e gerou uma crise entre a vereadora e o padre Flávio Jorge Miguel Júnior, responsável pela administração da Santa Casa. (Foto: Banco de imagens)
Padre Flávio destacou que há vários hospitais em Sorocaba que fazem procedimentos de laqueadura e que a Prefeitura pode fazer convênio com qualquer um deles para oferecer o procedimento na rede pública. “Se não houvesse opções em Sorocaba ou na região, a Santa Casa poderia até discutir a questão da laqueadura. Mas se existem opções, por que precisa ser com a Santa Casa? Nós trabalhamos dia e noite para oferecer o melhor para a população, eu não ganho nada por esse trabalho e agora sou chamado de desumano pela vereadora?”, diz o padre.
O gestor da Santa Casa destaca que há mulheres em sua paróquia que fizeram laqueaduras por opção e que são tratadas sem discriminação dentro da Igreja. “Nós não perseguimos, não condenamos, não discriminamos. Agora, exigir que a gente faça a laqueadura é, no mínimo, uma intolerância religiosa”, ressalta Padre Flávio.
O PORQUE também solicitou um posicionamento do Hospital Santa Lucinda, administrado pela Fundação São Paulo, entidade ligada à Igreja Católica. O hospital também é conveniado da Prefeitura e não faz procedimentos de laqueadura, segundo a vereadora. A assessoria de comunicação do hospital atendeu a reportagem no meio da tarde de hoje e ficou de enviar um posicionamento da superintendência e da mantenedora da entidade. Assim que a resposta for enviada, o PORQUE fará uma outra reportagem com o posicionamento do Santa Lucinda.
SÓ PELA VIA JUDICIAL
Com a laqueadura indisponível na Santa Casa e no Hospital Santa Lucinda, a vereadora Fernanda Garcia conta que a alternativa para se fazer o procedimento de contracepção na rede pública seria o Conjunto Hospitalar de Sorocaba. Mas, segundo ela, o CHS só faz a cirurgia com recomendação médica e quando a mulher já tem histórico de gestações de risco.
“A única forma hoje, em Sorocaba, para realizar a laqueadura na rede pública por escolha da mulher é pela via judicial. E nós sabemos da demora nos julgamentos. Sabe o que pode acontecer nesse tempo todo? A pessoa pode engravidar. Isso pode levá-la a um quadro grave de depressão ou até fazer com que a mulher busque abortos clandestinos, correndo sérios riscos”, comenta Fernanda.
Questionada pela vereadora, a Prefeitura informou que atualmente existem 415 mulheres à espera do procedimento de laqueadura na rede pública. Para Fernanda Garcia, o serviço de saúde pública de Sorocaba está desrespeitando a Lei Federal 9.263/96, que garante à população todos os métodos aprovados pela ciência para o exercício do direito ao planejamento familiar.
INÉRCIA DA PREFEITURA
Na última terça, dia 31, a vereadora Fernanda Garcia protocolou um requerimento questionando a Prefeitura sobre a falta de hospitais que ofereçam o procedimento de contracepção na rede pública. Para a vereadora, a inércia do Poder Executivo causa estranhamento. “Nenhum hospital realiza as laqueaduras por motivos ideológicos e para a Prefeitura está tudo bem. Não foi pensada nenhuma alternativa, somente foi ignorado o problema”, comenta a parlamentar.
Fernanda diz que não vai esperar a resposta da Prefeitura para o seu requerimento para agir. “Na primeira postagem que eu fiz em redes sociais sobre esse tema obtive o apoio de um movimento feminista local. Vamos estudar uma parceria nessa luta, que é uma questão de saúde pública e de direito da mulher”, afirma.