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Falta de fiscalização compromete decisão do Supremo que protege população de rua

Decisão também dá prazo de 120 dias para que governo federal implemente a Política Nacional para a População em Situação de Rua prevista em lei

João Maurício da Rosa (Portal Porque)

População em situação de rua aumentou no Brasil; decisão do STF garante direitos constitucionais dessas pessoas e proíbe remoção dos pertences, adotada em cidades como Sorocaba. Foto: Fábio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil

O catador de recicláveis e líder em Sorocaba do Movimento Nacional da População de Rua, Márcio Quirino, 66 anos, está comemorando a votação dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), que referendou, por unanimidade, decisão liminar do ministro Alexandre de Moraes, proibindo que os estados, o Distrito Federal e os municípios façam a remoção e o transporte compulsório de pessoas em situação de rua às zeladorias urbanas e aos abrigos.

Entretanto, Quirino questiona: quem irá fiscalizar a aplicação da lei? “O ministro Alexandre de Moraes proibiu a retirada da rua, de tirar as cobertas, a mochila. Está tudo proibido. Mas quem irá fiscalizar? Aí é que mora o problema”, comentou ele, referindo-se à decisão que também veda o recolhimento forçado de bens e pertences desta população e o emprego de técnicas de arquitetura hostil, como a instalação de barras em bancos de praças, pedras pontiagudas e espetos em espaços públicos livres, como em viadutos, pontes e marquises de prédios.

A decisão do Supremo deve implicar uma reestruturação total do programa HumanizAção, da Prefeitura de Sorocaba, baseado na remoção da população de rua para abrigos e confisco de pertences. Em 15 de maio passado, quando as previsões de tempo indicavam a chegada da primeira grande frente fria do ano, a Prefeitura de Sorocaba desencadeou uma verdadeira operação de guerra para despojar pessoas que viviam embaixo de uma ponte de linha férrea no Jardim Zulmira. A ação foi fotografada e divulgada como sendo uma grande façanha da gestão Manga (leia aqui).

Se repetir a operação a partir de agora, a Prefeitura estará agindo criminosamente. A decisão do STF foi tomada na sessão virtual finalizada segunda-feira, 21, atendendo à Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 976, ajuizada pela Rede Sustentabilidade, pelo Partido Socialismo e Liberdade (Psol) e pelo Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST).

O plenário também manteve o prazo de 120 dias para que o governo federal elabore um plano de ação e monitoramento para a efetiva implementação da Política Nacional para a População em Situação de Rua (Decreto federal 7.053/2009), respeitando as especificidades dos grupos familiares e evitando sua separação.

Em seu voto pela manutenção da liminar, o ministro Alexandre ressaltou que, mais de 13 anos após a edição do decreto, seus objetivos ainda não foram alcançados, e a política contava com a adesão, até 2020, de apenas cinco estados e 15 municípios. “Esse grupo social permanece ignorado pelo Estado, pelas políticas públicas e pelas ações de assistência social. Em consequência, a existência de milhares de brasileiros está para além da marginalização, beirando a invisibilidade”, afirmou.

Plano de ação

O plano a ser elaborado pelo governo federal deverá conter um diagnóstico atual da população em situação de rua, com identificação de perfil, procedência e principais necessidades. Deverá prever, também, a criação de instrumentos de diagnóstico permanente desse grupo, meios de fiscalização de processos de despejo e de reintegração de posse no país e medidas para garantir padrões mínimos de qualidade de higiene e segurança nos centros de acolhimento.Estados e municípios, por sua vez, devem garantir a segurança pessoal e dos bens dessas pessoas dentro dos abrigos institucionais existentes, inclusive com apoio para seus animais.

O ministro Alexandre de Moraes citou estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) de 2022 que o Brasil tem, hoje, mais de 281 mil pessoas em situação de rua, um aumento de 211% em relação aos dados de 2012. No entanto, ressaltou que o levantamento é limitado, pois abrange apenas pessoas que recebem alguma proteção do Estado, não incluindo a parte mais marginalizada, que não tem sequer documentos de identificação.

O padre Júlio Lancellotti, que há quase quatro décadas defende os direitos de pessoas em situação de rua na cidade de São Paulo e acolhe socialmente outros grupos marginalizados, disse à reportagem da Agência Brasil que apoia a decisão dos ministros da corte suprema. “É muito importante que a decisão do ministro Alexandre de Moraes tenha obtido, agora, a maioria dos votos no Supremo Tribunal Federal e passe a ser uma medida incontestável da mais alta corte de justiça do país”.

O religioso também dá nome à lei federal que veda o uso de técnicas construtivas hostis em espaços livres de uso público.“O que falta à população em situação de rua são as questões de amparo, da assistência e do acolhimento. A partir do momento em que o Estado, seja ele federal, os municípios e o próprio DF, faz ações como a de retirada dos barracos e tudo mais, isso faz que as pessoas tenham cada vez menor o sentimento de pertencimento na sociedade. Isso é uma violação dos direitos”, disse.

Decisão

Na decisão, o ministro Alexandre de Moraes ressaltou que análise efetuada pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) constatou que, entre 2012 e 2020, ocorreu um aumento de 211% na população em situação de rua em todo o país, percentagem desproporcional ao aumento de 11% da população brasileira no mesmo período.

A decisão ainda estabeleceu que, no prazo de 120 dias, o governo federal elabore um plano de ação e monitoramento para a efetiva implementação da Política Nacional para População de Rua, com medidas que respeitem as especificidades dos diferentes grupos familiares e evitem sua separação.

De acordo com STF, o plano deverá conter um diagnóstico atual da população em situação de rua, com identificação de perfil, procedência e principais necessidades. Deverá prever, também, meios de fiscalização de processos de despejo e de reintegração de posse no país, e a elaboração de medidas para garantir padrões mínimos de qualidade de higiene e segurança nos centros de acolhimento.

O Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome disse, em nota enviada à Agência Brasil, que associado ao Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania (MDHC) está definindo ações conjuntas pelos direitos da população em situação de rua. “A proposta conjunta está sendo elaborada pelos ministérios e será apresentada ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva, seguindo políticas do governo federal, que está empenhado em dar andamento às ações voltadas a essa população, em cumprimento à decisão do ministro Alexandre de Moraes sobre o tema”.

Com Agência Brasil

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