
Apenas nos dois primeiros meses deste ano, total já atingiu cerca de 20% do registrado em 2022, com 330 medidas emitidas. Foto: Divulgação
Em meio às polêmicas envolvendo a normalização dos crimes contra as mulheres por políticos locais, os dados repassados pela Vara de Violência Doméstica e Familiar da Comarca de Sorocaba apontam aumento no número de medidas protetivas expedidas na cidade nos últimos dois anos, ou seja, no epicentro da pandemia de covid-19 e em meio a gestão de Jair Bolsonaro (PL). De 2020 a 2022, o total de medidas concedidas saltou para 119%, indo de 865 para 1.897. Apenas nos dois primeiros meses deste ano, o total já chegou próximo aos 20% do registrado no ano passado, com 330 medidas emitidas.
Para especialistas ouvidos pelo Portal Porque, este aumento reflete o momento de reclusão forçada pela pandemia e também a gestão política da época, que minimizava violências e atacava e inferiorizava mulheres, tanto social quanto politicamente.
O número acompanha os dados repassados pela Secretaria de Segurança Pública do Estado de São Paulo: em 2022, a DDM (Delegacia de Defesa da Mulher de Sorocaba) instaurou 1.764 inquéritos para apurar casos de violência contra a mulher na cidade. É como se, no decorrer do ano, cinco diligências fossem realizadas diariamente. No total, foram efetuadas 204 prisões, sendo 174 pessoas presas em flagrante e 30 por meio de mandados.
Insegurança
Duas vítimas ouvidas pelo Porque e que terão as identidades preservadas contam que a medida protetiva foi o meio que acharam mais efetivo para cessar com as violências sofridas. No entanto, afirmam que ainda há o sentimento de insegurança, pois os ambos agressores continuam soltos.
“Tenho medo de sair de casa, mas de ficar aqui sozinha também. As pessoas acham que ele [o agressor] não oferece risco, que só me batia porque bebia, então me sinto insegura. Até chamar a polícia e ela chegar, eu posso estar morta”, conta uma auxiliar de limpeza de 27 anos, que pediu medida protetiva no ano passado depois de repetidas agressões do companheiro. Para ela, sair para trabalhar tem sido o momento mais tenso. “Mudo de caminho e nunca volto sozinha, mas em casa sou só eu e meus filhos”, desabafa.
Do mesmo modo, a desempregada de 21 anos que acionou a Justiça para manter distância do pai do seu filho, teme pela segurança dela, do bebê e dos pais, com quem mora. “Ele vivia me ameaçando, mandando recado. Disse que eu não mereço morrer, mas sofrer a perda de alguém que amo, como fiz ele sofrer”.
Ela conta ainda que os pais nem vão mais com a mesma frequência à igreja que frequentam para não encontrar com o agressor, que na última briga machucou o braço da vítima enquanto ainda amamentava. “Só sossego com ele preso ou morto”, diz.
O sentimento de insegurança mediante a impunidade contra os agressores é uma realidade defendida por advogadas. De acordo com as profissionais ouvidas pelo Porque, nem em todos os casos a medida garante a segurança e a preservação da vida das mulheres.
Caso recente
Um caso recente sobre descumprimento de medida protetiva foi registrado na sexta-feira (24). Na ocasião, um rapaz de 19 anos foi preso na Vila dos Dálmatas, em Sorocaba. A mulher, cuja identidade não foi divulgada, assim como a do acusado, voltou a ser ameaçada pelo ex, que não se conforma com o término da relação.
Um mandado de prisão foi expedido pelo Juizado Criminal Especial e Violência Doméstica, agentes da DDM deram cumprimento à ordem judicial e detiveram o acusado. Ele foi levado para a delegacia onde o caso foi apresentado e agora se encontra à disposição da Justiça.
Cenário propício às violências
Advogada e membro da Comissão de Direitos Humanos da OAB/Sorocaba, Gabriela Marques diz ser compreensível este sentimento de insegurança por parte das vítimas, considerando que a medida não garante a prisão do agressor, que ocorre, apenas, se ele for pego em flagrante descumprindo a decisão judicial.
“A medida protetiva, como o próprio nome diz, é apenas uma medida. Ela não vai impedir que o agressor chegue na vítima, então ela ainda corre risco sim. A não ser que ele descumpra a lei, a vítima denuncie e ele seja preso em flagrante”, explica a advogada.
Para Gabriela Marques, o aumento registrado na expedição de medidas protetivas tem alguns pontos para serem analisados: o confinamento forçado no período da pandemia, que fez com que muitas mulheres ficassem presas em casa com seus agressores; a gestão Bolsonaro que deu voz para o agressor e facilitou o aumento de armas de fogo, bem como a questão da informação e esclarecimento sobre o que são violências de gênero e como denunciá-las.
“As informações têm chegado mais rápido para as mulheres, como na novela Pantanal, que debateu bastante o tema, e outras novelas e programas que sempre trazem o assunto e formas de denunciar”, finaliza a advogada.
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