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Em sete anos, número de mutilações por acidente de trabalho aumenta na região

Levantamento divulgado pela GRTE (Gerência Regional do Trabalho e Emprego) compreende o período de 2016 a 2022; chefe de fiscalização do trabalho conta as dificuldades enfrentadas pelo órgão

Paulo Andrade (Portal Porque)

Em Sorocaba, há 11 fiscais para uma região que deveria ter 50, pois concurso não é realizado desde 2013; no entanto, ministro garante que vai haver este ano. Foto: Divulgação/Enit

Os acidentes de trabalho aumentaram em Sorocaba e região nos últimos anos, segundo informação da GRTE (Gerência Regional do Trabalho e Emprego). O chefe de fiscalização do órgão, Ubiratan Vieira, contou ao Portal Porque que somente ocorrências de mutilação de dedos somaram nove mil casos em sete anos, de 2016 a 2022. A maior parte dos acidentes aconteceu na indústria, na construção civil e no agronegócio.

O chefe dos auditores ficais na região também comenta que a subnotificação e notificações com informações falsas emitidas por empresas contribuem para que os levantamentos sobre acidentes não representem totalmente a realidade. Segundo ele, existem situações em que o trabalhador perde mãos e braços e, na notificação oficial aos órgãos federais, a empresa informa que ele perdeu apenas um dedo.

Houve um caso, segundo Ubiratan, em que um trabalhador perdeu a maior parte da perna e a notificação foi de perda de dedos. “Coisa criminosa. O cara perde a perna e não pode colocar prótese porque não tem o joelho”, diz, indignado, o chefe dos fiscais.

Ubiratan, conhecido como Bira, também conta que nas empresas terceirizadas a falta de segurança no trabalho é ainda mais acentuada. “Para trabalhadores terceirizados é um crime. Quase nenhum é informado do perigo de determinadas máquinas e acabam sendo mutilados.”

O auditor também aponta que há Cipas (Comissão Interna de Prevenção de Acidentes) que deixam de atuar e há empresas falhando até na “sinalização e orientação para trabalhadores”.

Situação no Estado

O superintendente do Ministério do Trabalho no Estado de São Paulo, Marcus Alves Mello, também atendeu ao Porque e declarou que a situação da segurança e regularização do trabalho atualmente “é uma verdadeira guerra civil silenciosa. Não só em Sorocaba. Em todo o Estado. Participei de uma palestra de cipeiros do Sintrabor [Sindicato dos Borracheiros da Grande São Paulo] no mês passado. Tenho mantido contato direto com a Fundacentro [órgão federal que também trata de condições de trabalho], estreitando relações”.

O superintendente recomendou que, para minimizar o número de acidentes, doenças e irregularidades no mundo do trabalho, é necessário haver concurso urgente para auditores fiscais do trabalho e agentes administrativos, além de “conscientização, diálogo social com trabalhadores, empregadores e governos de todas as esferas”.

Marcus afirmou que o Estado de São Paulo possui o menor número de auditores fiscais proporcionais à participação estadual no PIB (Produto Interno Bruto) no país. “Temos o levantamento recente”, garante.

Quanto à essa proporcionalidade, o supervisor diz que tem trabalhado para convencer a sociedade civil, sindicatos e MPT (Ministério Público do Trabalho) para “requerermos um número justo de auditores no concurso que se aproxima”.

Quanto às regionais (como Sorocaba), Marcus afirma que, desde que foi nomeado, “converso com todas para apoiar as ações e estreitar o diálogo”. Já no caso da fiscalização em Sorocaba, ele declara que “Bira é um excelente profissional e amigo. Extremamente dedicado ao trabalho e ciente de sua função social.”

Marcus Mello foi nomeado pelo ministro do Trabalho e Emprego, Luiz Marinho, em 30 de março, para o principal cargo do Ministério do Trabalho em São Paulo. Ele é auditor fiscal do trabalho no Estado há 18 anos,  engenheiro mecânico formado pela Unicamp e tem pós-graduação em engenharia de segurança do trabalho e em administração.

“Fiquei honrado com o convite [do ministro Marinho] para assumir o cargo, mas também fiquei preocupado com a situação da Superintendência. Por ser um momento de união e reconstrução, decidi aceitar”, revela.

Cobertura regional

O GRTE, antes conhecido como DRT, é um órgão ligado ao Ministério do Trabalho e Emprego. Em Sorocaba, abrange, atualmente, 80 cidades, pois recentemente incorporou 31 municípios da região de Itapeva. O levantamento sobre acidentes nos últimos anos, porém, diz respeito às 49 cidades que originalmente eram atendidas pela unidade de Sorocaba.

Ainda sobre a perda de dedos, embora Ubiratan ressalte as subnotificações, o total desse tipo de mutilações no trabalho, oficialmente, somou 135 mil no Estado de São Paulo em sete anos e um milhão no Brasil nesse mesmo período (governos Michel Temer e Jair Bolsonaro).

Na região de Sorocaba, o GRTE aponta que há empresas que sequer investem em formação profissional e segurança no trabalho. “Trabalhadores sem preparo para manutenção são colocados entre máquinas e acontece um dos mais estarrecedores acidentes dos últimos tempos. Em uma empresa de Boituva o trabalhador foi prensado entre duas máquinas”, cita como exemplo Ubiratan.

Omissões das empresas

“Muitas empresas camuflam a morte. O cidadão morre em uma explosão, como foi o caso de uma grande empresa de Alumínio, e foi levado morto para um hospital”, afirma Bira, esclarecendo que, sem chamar autoridades para fazer perícia, acontece de essas empresas sequer cumprem a lei e deixam de abrir o CAT (Comunicação de Acidente de Trabalho). Ainda de acordo com Bira, essa morte por explosão no trabalho, em Alumínio, não consta até agora no sistema oficial que registra acidentes trabalhistas.

Em Sorocaba, “temos muitos acidentes e mortes em nossa zona industrial, no agronegócio, construção civil e até no comércio”, informa o auditor. Ele afirma que em uma metalúrgica da Avenida Independência, “mutilações e mortes são quase rotina”.

Bira afirma que o GRTE enfrenta “má vontade do Samu e da Polícia Técnica. Ele disse que o órgão busca informações sobre atendimento desses casos ao Samu e “um fica empurrando para outro”.

Segundo o chefe de fiscalização, essa atitude “pode nos forçar, a qualquer instante, fiscalizar esse órgão, como já fiscalizamos em diversos órgãos estaduais e municipais, por tentarem ignorar notificação”.

Sobre a polícia, a fonte do Porque informou, como exemplo, que “houve a morte de um pintor que caiu à noite de um prédio no Campolim, próximo ao Banco do Brasil. Não conseguimos informações no Samu e nem na Polícia Técnica”.

Ministro anuncia concurso

O chefe local de fiscalização regional afirmou que o número de fiscais hoje é insuficiente para atender as 80 cidades da área de cobertura do órgão. Mas ele acompanhou, com satisfação, poucos dias atrás, o governo Lula anunciar que vai abrir concurso ainda este ano para a função.

Ubiratan comemorou o anúncio em suas redes sociais. Em evento em São Paulo, na sexta-feira (19) passada, o ministro do Trabalho e Emprego, Luiz Marinho, confirmou o concurso para auditores ficais em 2023. O concurso anterior foi realizado em 2013, dez anos atrás.

As normas brasileiras preveem 3.644 profissionais de fiscalização do trabalho, mas somente 1.949 fiscais estão na ativa. Isso significa que o quadro funcional do setor está defasado em 45%.

Em Sorocaba em região, Ubiratan afirma que órgão opera com 11 fiscais, mas a previsão era ter 50 para aumentar a fiscalização de situações que envolvem acidentes, condições de trabalho, irregularidades na contratação direta ou de terceirizados, recolhimento de FGTS e até trabalho infantil e trabalho escravo, que cabem a esses servidores fiscalizar.

Como exemplo de prejuízos à fiscalização causados pelo quadro reduzido, Bira afirma que “por isso fazemos muitas notificações on-line. Mas trabalho escravo, acidentes de trabalho e prevenção precisam ser feitas na forma direta. Ou seja, o auditor é obrigado a ir pessoalmente.”

Trabalho escravo

Como o combate ao trabalho escravo foi o tema do encontro na capital do Estado, esse foi o assunto recorrente na ocasião. O número de resgatados no Brasil nessa situação foi 2.577 em 2022 e o volume não baixou, “foram 1.211 pessoas encontradas em situação de trabalho precário e degradante em todo o país este ano [até abril]”, segundo a agência Folhapress.

O número grande de trabalhadores resgatados nos primeiros meses de 2023 “é visto por auditores e por outros profissionais envolvidos no combate ao trabalho escravo, como procuradores federais e do trabalho, como uma combinação de fatores, como a maior visibilidade do assunto [que impulsiona as denúncias] e o aumento no número de pessoas em situação vulnerável [e, por isso, mais sujeitas a aceitarem trabalhos precários]”.

Governos anteriores

Do acordo com a agência, o ministro Luiz Marinho afirmou na Alesp que “há a percepção de os governos anteriores desestimulavam a realização de operações. Na avaliação dele, durante os dois primeiros mandatos de Lula e nos governos Dilma, “o Brasil caminhava para a erradicação do trabalho escravo, processo que teria sido interrompido a partir do impeachment da presidente petista”.

O auditor fiscal do trabalho Evandro Mesquita conta que não houve (nestes sete anos) uma ordem para que as ações de fiscalização não fossem realizadas, “mas havia um conjunto de condutas que dificultavam as ações. Havia menos apoio ao trabalho e menos orçamento. A lista suja do trabalho escravo deixou de ser divulgada”.

Ainda de acordo com o servidor, outra dificuldade, até o ano passado, foi um parecer do advogado-geral da União do governo Jair Bolsonaro (PL), Bruno Bianco Leal, que restringiu a destinação de recursos de TAC (Termos de Ajustamento de Conduta) à fiscalização trabalhista.

Ubiratan, chefe de fiscalização da GRTE de Sorocaba e Região, concedeu entrevista exclusiva ao Portal Porque. Foto: Acervo pessoal

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