No Parque Vitória Régia 3, em Sorocaba, existe uma casa simples, de esquina, que não enche de água e esgoto todas as vezes que chove. É a casa da dona Durvalina Ferreira Bueno, conhecida entre os vizinhos por sua vivacidade e pelo seu jeito descontraído. Não é à toa que a casa dela se destaca das demais. A casa de dona Durvalina está a cerca de 50 centímetros acima do nível da ra Dr. Heitor Ferreira Prestes, onde mora há mais de 30 anos. Foi ela mesma que carregou a massa de cimento no carrinho de mão para erguer as paredes e fazer o chão de concreto.
A senhora de 94 anos, de cabeça boa para contar sobre sua chegada ao bairro, fala sobre a vida. “Há 32 anos, aqui era um brejo e minha filha conseguiu comprar um terreninho. Primeiro construímos só o quarto e a sala. Depois ampliamos.” Questionada sobre o porquê de ter construído a casa mais alta, ela é categórica: “Porque aqui está abaixo do nível do rio. Sou da roça, nasci na roça e essa é a força da natureza e a água vem, filha”, diz, acrescentando que já se “acostumou” com o cheiro do esgoto predominante no bairro. “Ah, a gente vai levando”, diz.
Ainda que a sabedoria de Dona Durvalina tenha prevalecido para que ela fosse prudente, ela já foi resgatada várias vezes de barco, de dentro da sua casa, em uma das inúmeras enchentes que atingiram a rua, à margem do rio Sorocaba. O vizinho, Admir Mendes de Queiroz, que era voluntário na Defesa Civil, a resgatou. “A gente é pobre. Imagine perder as coisas na enchente? Tem vizinho que perdeu tudo”, diz.
Durvalina tem cinco filhos. A mais nova foi quem a trouxe do Paraná para Sorocaba. Ela conta que não queria vir, preferia estar na terra dela. Mas veio, e balança os ombros sem dizer mais nada, nem o motivo de querer ir embora.
Na porta da sala de entrada, a senhorinha tem uma estrutura para trançar a mão o tapete artesanal, feito de tiras de tecido. “Olha como faz”, demonstra com certa rapidez nos dedos. Cada tapete, vende por R$ 50, R$ 60, para complementar a renda que recebe da Lei Orgânica de Assistência Social (LOAS). Um tapete demora cerca de um mês para ficar pronto, mesmo com toda experiência dela em manipular as tiras.
Ela muda de assunto e convida para conhecer sua casa, com a simplicidade de quem saiu da roça, e diz ter ido poucas vezes até o centro de Sorocaba. Um banheiro, uma cozinha para ela preparar as refeições e uma outra cozinha, onde uma das filhas que também mora no bairro faz pães caseiros, para vender. “Ah, e tem o fogão a lenha. Faço feijoada aqui, quando os filhos pedem”, diz.
Dona Durvalina também cria gansos no quintal, em mais uma forma de complementar a renda. Há desde ovos sendo chocados, gansinhos só com plumas e outros maiores, mais bravos e barulhentos. E assim a senhora alegre, bem disposta e falante se mostra, se virando como pode, usando o conhecimento adquirido no campo para viver na simplicidade.
Um vizinho passa e mexe com ela: “Dona Durvalina, vou beber água ali”, diz o homem. Ela responde sim, com bom humor e um palavrão.