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Demissões e eleição às pressas causam polêmica na Faculdade de Direito

Desligamentos na atual gestão têm sido recorde, aponta o promotor de Justiça Eduardo Francisco dos Santos Júnior; mantenedora da instituição de ensino prefere não se manifestar

Jônatas Rosa (Portal Porque)

Direção da Fadi tem tratado a situação com autoritarismo e falta de transparência, acusam alunas. Foto: Divulgação

Demissões e uma eleição chamada às pressas causaram polêmica na Fadi, tradicional Faculdade de Direito de Sorocaba, e foram motivo de protesto na semana passada. Após lecionar por 15 anos na entidade, a professora Íris Lippi foi demitida em 23 de junho. O desligamento da docente gerou questionamentos.

Isso porque Íris era vice-presidente do Conselho Superior da FSE (Fundação Educacional Sorocabana), que administra a Fadi, e deveria assumir a presidência do órgão com a saída do então titular do cargo, Dante Soares Catuzzo Junior.

Aprovado como professor na faculdade, Dante decidiu renunciar à presidência do Conselho Superior da FSE para assumir as aulas. Segundo Íris, a decisão foi comunicada a ela pelo próprio Dante em 21 de junho.

“Existe uma dupla interpretação: como Dante compunha o Conselho como membro da sociedade civil, ao se tornar professor, desequilibraria o órgão, que deve ser composto metade por professores, metade por representantes da sociedade civil. Ele me ligou e contou que renunciaria ao cargo. Diante disso, informei que assumiria a presidência, como era a prerrogativa de vice-presidente”, detalha.

Isso, no entanto, não foi possível. No dia 23, Íris conta que foi surpreendida com a sua exclusão do grupo de WhatsApp de conselheiros da Fadi. “Ai eu sabia que seria demitida. Não houve qualquer comunicado antes disso. Minha demissão já havia sido decidida depois da conversa com Dante.”

No mesmo dia 23, data da demissão de Íris, Dante renunciou e convocou uma eleição para preencher a presidência do Conselho Superior da FSE, a ser realizada na terça-feira (27) passada. O pleito ocorreu e César Augusto Ferraz dos Santos, que fazia parte do conselho, foi eleito para o cargo.

Para Íris, tudo não passou de uma manobra para que ela não assumisse a presidência. “Estava tudo orquestrado: minha demissão, a eleição com o prazo curto. Tudo foi pensado para que eu não tomasse posse do cargo. Minha avaliação, titulação e qualificação são excelentes e sou bem avaliada entre os alunos. Então, não existe outro motivo para o meu desligamento nesse momento”, afirma.

Atitude arbitrária e denúncia

A professora considera a situação uma arbitrariedade. “Eu não sou ligada a nenhum grupo político, como outros nomes de lá. Foi um jogo político, de grupos que estão nos espaços de poder de Sorocaba para tirar de uma mulher a possibilidade de assumir um cargo representativo. Então, é também uma questão do machismo estrutural dentro da Faculdade, que tem poucas mulheres no quadro de docentes e no próprio Conselho”, acusa.

Íris revela, ainda, que denunciou a situação individualmente para os conselheiros da FSE. No entanto, apenas dois colegas retornaram para prestar solidariedade. “Não tem muito que eles possam fazer, na verdade. A demissão dos professores é uma prerrogativa do presidente.”

Ainda digerindo a situação, Íris diz que avalia se vai recorrer da demissão na Justiça. “O fato é que isso me prejudicou enquanto professora, prejudicou o andamento do semestre e os alunos, além da própria instituição.”

Promotor demitido

O promotor de Justiça de Sorocaba, Eduardo Francisco dos Santos Júnior, também foi demitido da Fadi na mesma data que Íris. Ele lecionava na instituição desde 2009 e conta que recebeu a notícia do desligamento com bastante surpresa.

“A mim causou muita perplexidade”, diz. “Meu relacionamento na instituição sempre foi muito produtivo. Então, eu me sinto, de certa forma, até traído pelo que aconteceu. Não gerou economia para faculdade, não gerou melhoria. Eu sempre fui bem avaliado pelos alunos, se não fosse o melhor professor, estaria entre os três mais bem colocados.”

Eduardo atribui a seu desligamento a questões pessoais. “De projeto pessoal de alguém que me via como obstáculo, como uma pedra no sapato”, diz.

Para ele, no caso da professora Íris, as intenções ficaram muito mais evidentes. “Ela foi demitida só porque assumiria a presidência da Fundação. Íris tem plenas condições para o cargo. Se todo conselheiro é candidato, por que ela não poderia? Para mim, é mais estranho o antigo diretor se candidatar ao cargo de professor do que a vice assumir diante do fato dele deixar a presidência.”

Espaço de poder

Assim como Íris, o promotor também avalia que as mudanças que vêm ocorrendo na Fadi não são positivas. “Mudou muito a composição do Conselho. Hoje tem um grupo que seria de representantes da sociedade, que já cuidaram de outras instituições, que fazem dali um espaço de poder.”

Ele completa que desligamentos sempre ocorreram na instituição, mas não tinham o mesmo caráter. “As demissões sob influência da atual gestão têm sido recorde, causando, inclusive, déficit para faculdade. Se havia professores que precisam de aprimoramento ou desligamento, não vou dizer categoricamente que não, mas muitos foram desligados porque representam algum risco ao projeto individual de alguns.”

Eduardo explica que se dispôs a falar sobre o assunto por apreço à Faculdade de Direito de Sorocaba. “O que estão fazendo é muito triste. Chegou a hora de a sociedade prestar atenção. A Fadi é um patrimônio de Sorocaba e a gente vê coisas tristes acontecendo, coisas que não estão dentro do propósito genuíno da Fundação.”

Alunas alegam autoritarismo

Para as alunas da Fadi, ouvidas pelo Portal Porque, a direção da Faculdade tem tratado a situação com autoritarismo e falta de transparência. Um grupo de estudantes, inclusive, organizou uma manifestação na semana passada para cobrar respostas da instituição.

Uma aluna do quinto ano diz que, desde o ano passado, a Fadi vem demitindo professores. “Mas não era com uma frequência tão grande, como na semana passada que foram três demissões. E eram excelentes professores, queridos por todos, com excelente didática para sala de aula.” Para ela, que pediu para não ter a identidade revelada, o caso da professora Íris demonstra, ainda, uma situação de machismo.

Carla Marinho, aluna do primeiro ano, que também organizou o movimento de mulheres contra as demissões, concorda: “Nos sentimos no lugar da professora Íris, como mulher, do que é você conquistar um lugar na sociedade, lutar por sua carreira por 15 anos e uma decisão hierárquica acabar com isso. Não sei se a Fadi pensou que isso era, sim, símbolo de uma violência de gênero.”

As estudantes afirmam que o movimento organizado pelas alunas quer respostas. “Queremos entender o que está acontecendo, queremos ser tratadas com dignidade e decência. O contato entre faculdade e alunos está muito difícil e não estamos vendo as melhorias anunciadas. Somos alunas, pagamos mensalidade alta e precisamos de respostas”, diz a estudante do quinto ano.

Carla completa que considera problemático o silêncio da direção da FES. “Eles optaram por responder, de certa forma, num informe publicitário publicado no domingo [dia 2 de julho] no Jornal Cruzeiro do Sul. Então, é ofensivo e desrespeitoso tratarem nossa manifestação como um bando de desinformadas.”

Segundo ela, o movimento terá sequência. “Essa não é uma luta momentânea. Precisamos de fato de representação feminina dentro da Fadi. Vamos continuar lutando para construir um espaço diverso e acolhedor para todas as mulheres. A não ser que sejamos silenciadas.”

Fadi se cala

Ao Porque, a instituição respondeu que “por orientação dos advogados da Fundação Educacional Sorocabana, mantenedora da Fadi, não nos manifestaremos sobre as demissões”.

Após lecionar por 15 anos na entidade, Íris Lippi é demitida: desligamento gera protesto e questionamentos. Foto: Divulgação

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