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Decisão do Supremo expõe ilegalidades do programa HumanizAção, afirma advogado

Para presidente da Comissão de Direitos Humanos da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) de Sorocaba e fundador da ong Soro Invisível, programa da Prefeitura acoberta estratégia de higienização social

João Maurício da Rosa (Portal Porque)

Projeto da Prefeitura de Sorocaba aborda todas as noites a população de rua; há denúncias de remoções forçadas e notícias comprovadas de confisco dos bens. Foto: Secom/PMS

A população que vivia no entorno da Catedral de Sorocaba e outros logradouros públicos não desapareceu de livre e espontânea vontade. De acordo com vários depoimentos ouvidos pela reportagem do Portal Porque, publicados em dezembro de 2022 e maio passado, e denúncias levadas à Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil de Sorocaba (CDH-OAB), o governo Manga fez remoções forçadas, desapareceu com colchões e cobertores e até deu sumiço em animais que viviam com pessoas em situação de rua, geralmente um cachorro.

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As arbitrariedades praticadas pela gestão Manga ficaram evidentes após a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que acolheu uma ação da federação Rede Sustentabilidade/ PSol (Partido do Socialismo e Liberdade) solicitando a garantia de direitos constitucionais que vinham sendo negados à população em situação de rua em todo o Brasil.

A decisão proíbe a remoção e o transporte de pessoas em situação de rua para abrigos sem o seu consentimento, bem como a apreensão de seus bens e de seus animais.

“A Constituição sempre garantiu a liberdade de ir e vir. A pessoa tem o direito de morar na rua, a sociedade é livre”, lembra o advogado Hugo Bruzzi, presidente da Comissão de Direitos Humanos da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) de Sorocaba e fundador da Soro Invisível, organização não governamental dedicada à defesa dos direitos da população em situação de rua.

De acordo com Bruzzi, a decisão do STF não inventou nenhuma lei nova: apenas ressaltou que é uma obrigação do governo federal, dos estados e municípios zelar pelos direitos das populações em situação de rua, estejam elas onde estiverem.

“O STF obriga, inclusive, que o município faça um diagnóstico territorial de onde estas pessoas se encontram para, a partir deste diagnóstico, poder criar políticas de apoio”, comenta o advogado.

O despacho do STF dá um prazo de 120 dias para que os entes federativos implementem a Política Nacional para Pessoas em Situação de Rua. “O Município será cobrado. A OAB estará vigilante, bem como as organizações não governamentais. E o Ministério Público será invocado sempre que visualizarmos qualquer descumprimento desta decisão pelo município ou por qualquer aparelho público que se desvie de sua finalidade de zelar pelo direito da população em situação de rua”, garantiu Bruzzi.

Massacre da Sé

O advogado lembra que a decisão do STF obedeceu a uma agenda carregada de simbolismo ao pautar a votação para o dia 19 de agosto, quando o Brasil lembra o Dia Nacional das Pessoas em Situação de Rua. A data faz referência ao massacre registrado em 2004 na Praça da Sé, em São Paulo, quando sete pessoas foram assassinadas por espancamento enquanto dormiam e outras nove ficaram feridas.

Atualmente, segundo o advogado, a única política desenvolvida pela Prefeitura é o programa batizado de HumanizAção que, no seu entendimento, é uma estratégia de acobertamento de um projeto de higienização social que busca eliminar da paisagem central as figuras de homens e mulheres dormindo sobre restos de colchões e cobertores nas calçadas.

“O que vemos hoje com o projeto HumanizAção é uma forma de higienização social desumanizada porque reprime as pessoas; porque muitas delas não têm interesse em serem levadas para as comunidades terapêuticas impostas pelo governo Manga e seus assessores para que tenham tratamento religioso”, afirma Bruzzi.

O advogado explica que o procedimento correto para qualquer política pública destinada para estas populações deve ter como ponto de partida as Redes de Apoio Psicossocial (Raps), com o apoio do Sistema Único de Saúde (SUS).

“Entretanto, as pessoas estão sendo encaminhadas para comunidades que praticam atividades estritamente religiosas, contando apenas com a abstinência de drogas e de álcool, sem acompanhamento terapêutico, sem médico, sem a família, um procedimento totalmente fora do protocolo”, denuncia Bruzzi.

Fiscalização

Até o fim do prazo dado pelo STF para a elaboração do plano municipal para as populações de rua, Bruzzi disse que o Ministério Público Estadual deverá estar atento, pois tem o dever e a prerrogativa de zelar pela sociedade. “Obviamente as entidades do Terceiro Setor também estarão nas ruas e poderão identificar eventuais abusos cometidos pelo Estado”, afirma.

O advogado adiantou que as entidades também poderão propor ações visando atrair o Poder Judiciário para este debate. “É extremamente importante a sociedade civil estar presente e vigilante quanto aos excessos do Estado”, observa Bruzzi.

De acordo com o advogado, o despacho do ministro Alexandre de Moraes, referendado pelo plenário do STF, deixa claro que deve-se garantir a segurança física das pessoas em situação de rua e de seus pertences dentro destes abrigos que já existem, bem como de seus animais.

“Ou seja, hoje temos um abrigo em Sorocaba que é o SOS e este abrigo é repleto de denúncias feitas pelo próprio público que deveria proteger. E, ao que consta, não conta com o apoio da Vigilância Sanitária para o acolhimento de seus animais, conforme preconiza o despacho do STF”, lembra Bruzzi.

Balanço das arbitrariedades

As operações do programa HumanizAção somaram 20 mil abordagens entre 2021 e 2022, segundo a Secretaria de Comunicação da Prefeitura (Secom). O texto informa que destas abordagens surgiram 16 mil “oportunidades” de acolhimento no Serviço de Obras Sociais (SOS).

As equipes percorreram 23 diferentes pontos da cidade, sendo eles: praça Frei Baraúna; rua de São Bento; rua 15 de Novembro; rua Brigadeiro Tobias; praça Arthur Fajardo; Largo do Rosário; rua Moacir Figueira; rua Barão do Rio Branco; rua da Penha; rua Sete de Setembro; rua Cel. Benedito Pires; imediações da Rodoviária; rua Votuporanga; praça Cel. Fernando Prestes; praça Dom Tadeu Strunck; avenida São Paulo; av. Nogueira Padilha; av. Dom Aguirre; praça Castro Alves; av. Afonso Vergueiro; praça Pedro de Toledo; rua Blaza Munhoz e av. Itavuvu.

Segundo a Secom, o programa é realizado de forma integrada, reunindo profissionais da Secretaria de Segurança Urbana (Sesu), da Secretaria da Cidadania (Secid), com sua Coordenadoria de Álcool e Outras Drogas, junto à Divisão de Política para Pessoas em Situação de Rua, além da Secretaria da Saúde (SES). Também conta com o auxílio da Guarda Civil Municipal (GCM), da Secretaria de Serviços Públicos e Obras (Serpo) e da Urbes – Trânsito e Transportes.

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