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Contribuintes do Imposto de Renda podem financiar projetos sociais na cidade

Em 2022, os contribuintes de Sorocaba destinaram apenas 1% do potencial que a cidade tem para ajudar entidades que auxiliam crianças e adolescentes e combatem o trabalho infantil

Paulo Andrade (Portal Porque)

No ano passado, o Fundo da Criança em Sorocaba arrecadou cerca de R$ 230 mil com doações via Imposto de Renda; o potencial de arrecadação era de pelo menos R$ 22 milhões. Foto: Reprodução/RBA

Se cada sorocabano que preenche a declaração de Imposto de Renda Pessoa Física (IRPF), no modelo completo, destinasse os 3% permitidos ao Fundo Municipal da Criança e do Adolescente (Fumcad), a instituição teria uma arrecadação adicional de pelo menos R$ 22 milhões.

No entanto, em 2022, dos 77 mil munícipes que entregam esse modelo de IR, 195 doaram cerca de R$ 230 mil ao Fumcad. Ou seja, pouco mais de 1% do potencial da cidade foi destinado para esse fim. As informações são do delegado regional da Receita Federal, Ari José Brandão Junior, em entrevista ao Portal Porque.

De acordo com o delegado, as pessoas jurídicas (PJ/Empresas) que preenchem a declaração com base no lucro real também podem destinar 1% desse lucro para o Fundo Municipal da Criança. Em 2022, 1052 empresas fizeram esse modelo de declaração. Cerca de 15 empresas fizeram doações para fundos municipais.

Aproximadamente metade dessas doações foi para o Funcad, resultando em uma arrecadação pouco superior a R$ 1 milhão ou R$ 2,24 milhões se consideradas também as doações para o Fundo do Idoso. O potencial de doação de PJ para esses fundos no município era de R$ 10,5 milhões no ano passado.

Para este ano, são esperadas 205 mil declarações de IR em Sorocaba, sendo aproximadamente 80 mil no modelo completo (o modelo simplificado não permite essa dedução). O prazo para entrega da declaração vai até 31 de maio. O próprio formulário completo do IR na internet tem uma aba sobre destinação do imposto aos fundos da criança e do idoso, entre outros.

“As doações são completamente deduzidas do Imposto de Renda, tanto para quem tem imposto a pagar como para quem tem valores a serem restituídos”, esclarece o delegado Ari Brandão.

Ari também informa que a destinação do imposto ao Fundo Municipal permite que o recurso fique na cidade, ao invés de ir para o Tesouro Nacional; e ajuda a patrocinar várias entidades que atendem, no caso do Fumcad, as crianças e adolescentes, especialmente aquelas sob risco social ou situação de vulnerabilidade.

“Agora, se levarmos em consideração a possibilidade de a pessoa física doar 3% para crianças e mais 3% para idosos, o potencial de recursos que ficaria na cidade seria de R$ 44 milhões. Se as empresas locais doassem 1% para crianças e 1% para idosos, seriam mais R$ 10,5 milhões de contribuição”, explica o delegado.

Justiça restaurativa

A promotora de Justiça Cristina Palma, da Vara da Infância e Juventude de Sorocaba, reforça a importância de se fazer a doação do imposto para o Fumcad. “É um valor que se reverte diretamente para a sociedade local. Ao invés de o imposto ir para a União, a doação fica em Sorocaba e é restituída ao doador.”

“Essa arrecadação do Fundo Municipal financia projetos e programas voltados aos menores, como o SOS Criança, serviços de acolhimento feito por entidades, aulas, cursos, capacitação profissional, contraturno escolar”, ressalta a promotora.

De acordo com ela, existe inclusive um grupo de Sorocaba que utiliza esses recursos para colocar em prática a “justiça restaurativa”. A promotora explica que a justiça restaurativa “procura resolver conflitos de crianças e adolescentes com a família, trata de pequenas infrações de menores relacionadas à escola, núcleo familiar, entre outros”.

Incentivos à doação

O desembargador João Batista Martins César, do Tribunal Regional do Trabalho – 15ª Região (TRT-15), também é um defensor ardoroso da destinação de parte do imposto de renda para o Fundo Municipal da Criança e do Adolescente. Ele considera essa contribuição fundamental inclusive para ajudar a erradicar o trabalho infantil em Sorocaba.

João Batista também é professor na Faculdade de Direito (Fadi) de Sorocaba e, junto com a promotora Cristina Palma, é integrante do Fórum Permanente de Erradicação do Trabalho Infantil na Região Metropolitana de Sorocaba (FPETI/RMS).

O desembargador afirma que a Prefeitura devia dar mais publicidade para essa possibilidade de doação e cumprir integramente o TAC (Termo de Ajustamento de Conduta) assinado em 2020 pelo governo municipal junto ao Ministério Público Estadual e o Ministério Público do Trabalho, que prevê medidas de combate ao trabalho infantil na cidade.

Por isso mesmo, ele é crítico ao fato da Prefeitura usar verbas do Fundo da Criança para financiar a lei que prevê pagamento de bolsa-auxílio às famílias que têm crianças submetidas ao trabalho infantil ou sob risco social de ter que trabalhar no lugar de estudar (leia aqui).

Apoio de magistrados

O desembargador, inclusive, enviou ao Portal Porque um manifesto de apoio do TRT à “destinação parcial do IRPF [Imposto de Renda de Pessoa Física] a Fundos de Direitos das Crianças e Adolescentes”.

“Para o presidente do Comitê Regional de Combate ao Trabalho Infantil e de Estímulo à Aprendizagem do TRT-15, desembargador João Batista Martins César, a destinação de parte do IR para os fundos municipais da criança e do adolescente é uma oportunidade para garantir um futuro melhor para esse público em vulnerabilidade social, proporcionando atividades de contraturno e acolhimento digno, dentre outras. ‘Trata-se de democracia participativa, pois o contribuinte escolhe para onde vai parte do seu imposto de renda e também pode ajudar e fiscalizar as entidades que foram beneficiadas com essa destinação’”, ressalta um trecho do manifesto.

O documento do TRT-15 também incentiva magistrados, servidores e jurisdicionados a contribuir com os Fundos Municipais da Criança das cidades de abrangência do Tribunal, a partir da declaração do Imposto de Renda. Como João Batista é de Sorocaba, ele afirma que todo ano faz sua contribuição para o Fumcad sorocabano.

Outros órgãos do judiciário que aderiram à campanha foram a Justiça do Trabalho de âmbito nacional e o Conselho Nacional de Justiça (CNJ). O nome da campanha, nesses casos, é “Se renda à infância”. Mas o objetivo é o mesmo dos demais: incentivar a destinação de parte do valor do Imposto de Renda de pessoas físicas e jurídicas para fundos de direitos da criança e do adolescente.

A doação e a restituição estão respaldadas pela Lei 9.532/1997 (artigo 22), pelo Decreto 3.000/1999 (artigo 87) e pela Instrução Normativa 1.311/2012, da Receita Federal.

Possibilidade o ano todo

Tanto João Batista quanto a promotora Cristina Palma e o delegado Ai Brandão explicam que as doações não precisam ser feitas só no período de preenchimento e entrega da declaração do Imposto de Renda. É possível fazer doações dedutíveis do imposto em qualquer período do ano.

Em Sorocaba, o QR Code, conta bancária, pix e e-mail para pedir boleto bancário para fazer doações estão publicados na página do Conselho Municipal da Criança e do Adolescente (CMDCA), que por sua vez está hospedada na página da Prefeitura. Para acessar, clique aqui.

João Batista e Cristina Palma afirmam que essa página de doações ainda precisa ser melhorada para se tornar mais funcional ao contribuinte. O desembargador, inclusive, vê com estranheza o fato de o Conselho depender da Prefeitura até para hospedar sua página na internet. “O CMDCA e o Fumcad têm que ter independência em relação ao governo e ao governante municipal. É o que diz a lei”, afirma.

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