A mudança de posição da Prefeitura referente ao futuro do elefante Sandro e as ações realizadas para a permanência do animal na cidade ocorrem sob o signo da desinformação, decisões unilaterais e falta de transparência. Desde o anúncio de que a Prefeitura tentaria reverter a decisão do Ministério Público (MP), de transferir o animal para o Santuário Elefantes do Brasil (SEB), no Mato Grosso, as ações para convencer o MP pela permanência de Sandro no zoo de Sorocaba têm ocorrido às pressas, sem divulgação oficial e ignorando entidades representativas como o Conselho Municipal de Desenvolvimento do Meio Ambiente (Comdema) e o Conselho de Proteção e Bem-estar Animal. Representantes destes conselhos atestam não ter recebido informações sobre o assunto e, tampouco, terem sido convidados a compor ou indicar membros para fazer parte de uma comissão formada para debater o assunto. Ambos os conselhos, instituídos por leis municipais, têm caráter consultivo e deliberativo – mas, neste caso, não foram nem consultados, muito menos puderam deliberar alguma coisa.
Nos últimos dias, o caso teve desdobramentos importantes, depois da tentativa frustrada da Prefeitura de convencer o MP a voltar atrás em sua posição favorável à transferência de Sandro para o santuário. Na quarta-feira, 30, o MP protocolou pedido de tutela de urgência na Justiça, pleiteando a transferência imediata de Sandro para o SEB. E nesta quinta, 31, a Justiça determinou que a direção do zoo e a Secretaria do Meio Ambiente se manifestem no prazo de 10 dias sobre os últimos acontecimentos, em ação civil pública que corre na Vara da Fazenda Pública em Sorocaba.
CONTROVÉRSIAS
A história de Sandro começa com a decisão da Prefeitura de enviar o elefante para o Zoológico do Rio de Janeiro, após a morte da elefanta Haisa, em 2020, companheira de recinto por décadas. No entanto, devido a denúncias de maus tratos e negligências para com os animais do zoo fluminense, os responsáveis pelo SEB, situado na Chapada dos Guimarães, especializado no trato de elefantes, solicitou que Sandro fosse transferido para aquele santuário.
Os técnicos do SEB enviaram documentos e pareceres técnicos, explicando as características do local, o plano de manejo do elefante, apresentando a equipe técnica e artigos científicos que atestam que a experiência da permanência de elefantes asiáticos em zoo não é bem-sucedida. Esses documentos foram avaliados tanto pelos membros dos conselhos de Meio Ambiente e de Bem-estar Animal, quanto pelo Ministério Público, que deu parecer favorável à transferência de Sandro ao santuário, com o argumento de que lá ele teria mais qualidade de vida.
Tanto Eduardo Santos, presidente do Comdema, quanto Eliane Consorte, do Conselho do Bem-estar Animal, endossaram a posição do MP e defendem que, face a todos os pareceres recebidos, o SEB se mostra o melhor local para Sandro passar seus últimos anos de vida. Também destacam que, além de espaço para se movimentar, há toda uma equipe técnica especializada nos cuidados a elefantes asiáticos e monitoramento 24 horas dos animais. Outro ponto que salientam é que, diferentemente do que afirmam os defensores do movimento “Fica Sandro”, o plano de manejo do elefante foi todo detalhado e que, em nenhum momento, o animal passará por situações como ter de entrar no transporte forçado ou amarrado. Pelo contrário: terá à disposição uma equipe de profissionais para acompanhá-lo durante o trajeto, em um ambiente climatizado.

Prefeitura não informa quem compôs a comissão que redigiu “laudo técnico” favorável à permanência do elefante; Ministério Público não quer saber de conversa e pede na Justiça transferência imediata do animal para um santuário no MT (Foto: Reprodução/ Tv Sorocaba)
A REVIRAVOLTA
Considerando que o desejo inicial da Prefeitura era transferir Sandro, e tendo-se encontrado um local certificado para recebê-lo, com a aprovação do MP, parecia que o caso, enfim, estava solucionado. Isso até o último dia 20 de março, um domingo, quando representantes de entidades, ativistas do Levante Popular da Juventude, estudantes e simpatizantes da permanência do elefante realizaram uma manifestação em frente ao portão principal do zoo, para pedir que a decisão da transferência fosse revista e alterada.
A mobilização do movimento “Fica Sandro” contou com a presença de membros da Prefeitura e, de acordo com informação divulgada pela Secretaria de Comunicação (Secom) nos dias posteriores, naquele mesmo dia – ou seja, ainda no domingo, 20 – ocorreu uma reunião entre Prefeitura e os ativistas do movimento pela permanência do animal, na qual foi criada uma comissão para emitir um parecer técnico sobre o assunto. A nota enviada à imprensa pela Prefeitura afirma, sem entrar em detalhes: “No dia 20 de março, houve reunião com veterinários, biólogos, entre outros especialistas da área, bem como pessoas ligadas à causa animal, para tratar sobre a situação do Sandro e, assim, verificar todas as possibilidades do ponto de vista técnico. Durante a reunião, uma Comissão foi montada para se reunir, em nova audiência, com o promotor Dr. Jorge Alberto de Oliveira Marum, do MP”.
Entre todas essas pessoas, entretanto, não estavam os principais conselhos consultivos e deliberativos ligados à área. Nem os representantes do Comdema nem os do Bem-estar Animal souberam a reunião, tampouco foram convidados para compor ou indicar especialistas para integrar a suposta comissão, até o momento oficialmente desconhecida da população. Há vários dias, o PORQUE vem questionando oficialmente a Prefeitura e buscando esclarecimentos sobre quem são os membros da comissão, quais critérios foram adotados para o convite aos seus integrantes, e, até o momento, não recebeu respostas. Do mesmo modo, não foi encontrada nenhuma divulgação oficial que explique a função da comissão e esclareça nomes e entidades que façam parte desse colegiado.
Eduardo Santos, do Comdema, conta que soube pela imprensa sobre a reunião do dia 20 e formação da comissão e foi perguntar a técnicos do zoo se havia ocorrido mesmo a reunião. A resposta, segundo ele, foi que nada daquilo era verdade, e que “a imprensa” havia errado. “Me disseram que a reunião seria no dia 24, no Paço, e lá estivemos”, recorda Eduardo. Nesta reunião do dia 24, os dois conselhos foram convidados para participar. No entanto, foi-lhes pedido que comparecessem apenas dois representantes de cada conselho.
Eliane Consorte, do Conselho de Proteção e Bem-Estar Animal, confirma que a reunião do dia 24 ocorreu após pressão dos conselhos, mediante a divulgação da reunião do dia 20 e da formação da comissão, sem a presença desses conselheiros. Mesmo assim, quando chegaram na reunião, descobriram que o prefeito Rodrigo Manga não estaria presente e se surpreenderam que o “outro lado”, favorável à permanência de Sandro, contava com muito mais pessoas do que a “cota” que lhes havia sido reservada; eram quatro pessoas favoráveis à transferência de Sandro para o santuário, e, do outro lado, uma dezenas de pessoas contrárias à transferência. Entre elas – algo que ninguém entendeu –, o assessor parlamentar Caio Manga, assessor do deputado Marcos Pereira e, segundo consta, namorado da secretária interina do Meio Ambiente, Samyra Toledo, acusado de tráfico de influência na Prefeitura (leia em https://url.gratis/GfrPQ8 ), além de representantes do comércio dos arredores zoo e estudantes de Biologia que, de acordo com Santos, entregaram laudos técnicos – o que é proibido, considerando que não são profissionais. “Alunos de Biologia, indevidamente, apresentaram parecer técnico”, frisou.
Nesta reunião do dia 24, também não foi esclarecido se aquela era a formação da tal comissão ou não, mas foi solicitado aos conselhos que enviassem pareceres justificando a posição deles pela transferência de Sandro, que seriam anexados aos documentos técnicos que protocolaram na segunda-feira, 28, no Ministério Público, solicitando a revisão da decisão da transferência, considerando que a Prefeitura se posicionou favorável à causa do “Fica Sandro”.
Tanto Santos quando Eliane protocolaram os pareceres com justificativas científicas na segunda, 28, mas, até o momento, não receberam um retorno se o material foi anexado ao documento enviado ao MP
NEGATIVA DO MP
No decorrer da semana passada, a Prefeitura procurou o Ministério Público, a fim de agendar uma audiência com o promotor Jorge Alberto Marum. A ideia era apresentar a proposta supostamente discutida ainda na primeira reunião, no dia 20, solicitando a permanência de Sandro no zoo de Sorocaba, mediante contrapartida do governo municipal de ampliação e melhorias no recinto do elefante Sandro, além de trazer uma companheira para ele. De acordo com nota da Prefeitura, a intenção era que a comissão – cujos integrantes não foram divulgados até o momento – acompanhassem os representantes do Poder Público.
Na sexta-feira, 25, o MP respondeu negativamente à solicitação de audiência da Prefeitura. Por esse motivo, a resolução do município foi protocolar, no dia 28, o documento técnico, de acordo com a Secom, “realizado por especialistas da área, incluindo os profissionais do ‘Quinzinho de Barros’”, segundo a divulgação oficial.
De acordo com Eliane, a posição do MP referente à transferência do elefante para o santuário segue firme. Para que não ocorra situação semelhante à ocorrida na reunião do dia 24, com a presença majoritária de representantes favoráveis à permanência de Sandro em Sorocaba, Eliane também contou que a entidade entrou com um requerimento na quarta-feira, 30, solicitando que haja paridade na audiência pública marcada para o dia 4, na Câmara, quando haverá debate com a população e especialistas sobre o futuro do elefante Sandro. Para Eliane, é fundamental que convidem também a equipe do santuário para participar e esclarecer os pontos que ainda são apontados como impasse para a transferência do animal, caso contrário não haverá paridade nos debates. Se o SEB não for convidado a dar esclarecimentos, ela própria considera a possibilidade de não comparecer, pois julga que, sem paridade, a audiência seria inócua e ilegítima. (Colaborou José Carlos Fineis)