
Denúncia será encaminhada ao novo delegado da Polícia Federal em Sorocaba, Márcio Magno Carvalho Xavier. Foto: reprodução
O MPT (Ministério Público do Trabalho) deverá encaminhar para a Polícia Federal, nos próximos dias, o caso da jovem indígena trazida da região amazônica para trabalhar no apartamento de um casal de Sorocaba, onde era mantida em condições degradantes.
A partir desse procedimento, a PF, por meio de seu novo titular, Márcio Magno Carvalho Xavier, poderá decidir sobre a abertura de inquérito para investigar os crimes cometidos pelo casal, que incluem, além de trabalho escravo, também o tráfico de pessoas e assédio sexual.
O casal, cujos nomes não foram divulgados, firmou um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) com o Ministério Público do Trabalho, depois que uma força-tarefa resgatou a jovem, encaminhando-a para local seguro, e apurou os crimes, que foram admitidos pelo casal.
A jovem de 22 anos trabalhava em condições precárias, sem carteira assinada, salário e direito a folga, e ainda era assediada pelo empregador, que confessou ter gravado os banhos da funcionária por um período de 30 dias, o que configura assédio sexual.
Também há prints de conversas entre os dois, por meio de mensagens privadas em rede social, em que o empregador elogiava a funcionária, oferecia roupas e reclamava atenção, mesmo diante das negativas da jovem.
Já o motivo da investigação por tráfico de pessoas se dá pelo fato de a mulher não ser a primeira indígena da região amazônica a ser trazida pelo casal para prestar serviços em sua casa, de acordo com a denúncia.
Entenda o caso
Na sexta-feira, 10, o Ministério Público do Trabalho divulgou o resultado de uma investigação sobre um casal sorocabano acusado de manter uma mulher indígena em trabalho análogo à escravidão por dois anos. O caso foi apurado por uma força-tarefa formada pela chefia regional da Fiscalização do Trabalho da região de Sorocaba, comandada por Ubiratan Vieira, o MPT e a Detrae (Divisão para Erradicação do Trabalho Escravo).
De acordo com a denúncia, a jovem de 22 anos foi trazida a Sorocaba com a promessa de um trabalho de babá da filha do casal, com salário e carteira assinada. No entanto, a realidade foi outra: a vítima não foi registrada, não recebia o salário integral, não tinha direito a férias e nem folgas e ainda prestava serviços domésticos.
O casal reconheceu os crimes e assinou um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) para o pagamento de R$ 20 mil à vítima, referentes ao tempo trabalhado, além da carteira assinada. Também se comprometeu, perante o órgão, a não mais repetir esse tipo de crime.
A denúncia
A denúncia sobre os maus tratos dos empregadores contra a trabalhadora partiu da iniciativa de uma pessoa que conheceu a jovem e, por ser indígena, começou a questionar, por curiosidade, sobre sua cultura e sua tribo. “Uma menina muito humilde, simples, bem diferente das pessoas daqui”, conta a denunciante, que terá a identidade preservada, reforçando que a vítima fazia um curso técnico e pretende fazer faculdade.
Com a aproximação, começou a questionar sobre seu trabalho e descobriu que, além de babá, ainda fazia comida, lavava, passava, dormia em um colchão no chão, não tinha folga nos fins de semana e recebia bem menos do que o combinado.
“Ela não era bem tratada, quase não tinha roupa, não tinha a senha da internet, nenhum tipo de tratamento adequado”, conta a denunciante.
No fim do ano, quando a empregadora foi viajar e o marido ficaria em casa, a jovem teve que sair e procurar outro lugar para se abrigar, para que não ficasse sozinha na casa com o empregador. De acordo com a denunciante, quando voltou, a vítima teve os dias que foi obrigada a ficar fora descontados.
Além da situação trabalhista precária, o assédio e a câmera instalada no banheiro foram cruciais para que a mulher procurasse o Conselho Tutelar em janeiro. “Eu me indignei com toda essa situação, ela foi muito maltratada e desrespeitada.”
O que diz a lei
Na legislação brasileira, o artigo 149 do Código Penal define os elementos que caracterizam a redução de um ser humano à condição análoga à de escravo. São eles: a submissão a trabalhos forçados ou a jornadas exaustivas, a sujeição a condições degradantes de trabalho e a restrição de locomoção do trabalhador.
Já o tráfico de pessoas se caracteriza pelo recrutamento, o transporte, a transferência, o alojamento ou o acolhimento de pessoas, recorrendo à ameaça ou ao uso da força ou a outras formas de coação, ao rapto, à fraude, ao engano, ao abuso de autoridade ou de situação de vulnerabilidade ou à entrega ou aceitação de pagamentos ou benefícios para obter o consentimento de uma pessoa que tem autoridade sobre outra, para fins de exploração.
Sobre o crime de assédio sexual no Brasil, o artigo 216-A do Código Penal define como constranger alguém com o intuito de obter vantagem ou favorecimento sexual, prevalecendo-se o agente da sua condição de superior hierárquico ou ascendência inerentes ao exercício de emprego, cargo ou função.