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Bolsonarista de Itapeva humilha mulher nas redes após ela dizer que vota em Lula

'Ela é Lula. A partir de hoje não tem mais marmita', disse o empresário Cassio Cenali, gravando a cena. Episódio causou manifestações de solidariedade à diarista, inclusive do ex-presidente Lula

Artur Rodrigues e Bianka Vieira (Folhapress/UOL)

Em um vídeo que circula nas redes sociais, o empresário bolsonarista Cassio Cenali humilha a diarista Ilza Ramos Rodrigues, ao dizer que ela não receberia mais doação de comida por ser eleitora do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Ocorrido na semana passada em Itapeva, o episódio viralizou no sábado (10) depois de ser divulgado pelo portal Jornalistas Livres.

“Ela é Lula [PT]. A partir de hoje não tem mais marmita”, afirmou o empresário Cassio Cenali, gravando o vídeo. “Agora a senhora peça para o Lula”, disse ele, negando-se a dar marmitas depois de descobrir a intenção de voto de Ilza (assista abaixo). O Jornalistas Livres também revelou que Cassio Cenali responde por uma série de processos no Tribunal de Justiça de São Paulo, sendo um desses pelo não pagamento do Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU), e que também recebeu R$ 5,250 mil do programa de assistência social Auxílio Brasil.

O vídeo rapidamente viralizou em grupos do aplicativo de mensagens WhatsApp e em perfis nas redes sociais, e fez com que até o apresentador Luciano Huck iniciasse uma campanha nas redes sociais para encontrar a mulher e ajudá-la. “Fome não tem ideologia. Esta atitude ridícula é lamentável e desumana. Me ajudem a chegar nessa senhora. Vamos fazer uma corrente do bem para ela”, escreveu o apresentador do Domingão.

Em entrevista à Folha de S.Paulo, Ilza Ramos Rodrigues diz que entrou em desespero quando viu seu rosto em um vídeo que circulava nas redes sociais. “Fiquei sem ação. O jeito que ele falou mexeu com a minha mente, não é brincadeira. O que ele fez foi me humilhar. Só porque ele tem dinheiro, tem o carrinho dele, ele quis me humilhar com essa ação. Eu não posso nem ver [o vídeo]”, conta a diarista.

Após o vídeo viralizar, a identidade de Ilza Ramos Rodrigues veio à tona por meio da página Iconografia da História, que acumula 163 mil seguidores no Instagram. Seu criador, o cientista social Joel Paviotti, publicou uma foto dela e de parte de um documento comprovando a sua identidade.

A onda de solidariedade prestada a ela incluiu desde manifestações de políticos e figuras públicas à doação de cestas básicas pelo MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra), que se comprometeu a fornecer mantimentos para Ilza por seis meses.

Dia da gravação

Ilza afirma que começou a receber as marmitas durante a pandemia de covid-19. Elas eram enviadas por um senhor para o qual prestava serviços de faxina, morto recentemente. “Não tinha nada de eleição, era o coração dele”, conta. Desde então, as quentinhas passaram a ser levadas até a sua casa pelo empresário Cassio Cenali, a quem ela diz mal conhecer.

“Ele trazia [as refeições] todas as quartas. Ficava para mim e dava para duas famílias. Esse homem que eu não esperava, eu nem sabia o nome dele, entregava e ia embora. Até que na semana passada ele mandou eu segurar a caixa com a mão: ‘Dona Ilza, vou gravar'”, diz.

“Pensei que ele ia gravar para uma ong, até falei: ‘Nossa, moço, tô tão mal arrumada.’ ‘Mas não tem problema’ [respondeu o empresário]. Na hora ali, ele começou: ‘É Bolsonaro.’ Fiquei com a caixa na mão. E ele gravando, na minha cara”, continua.

Ela conta que temeu ser exposta desde o momento em que foi abordada pelo apoiador do presidente da República. “Fiquei desesperada, fiquei nervosa. Liguei para a minha irmã: ‘Você não sabe o que aconteceu. Ele vai pôr a minha imagem no Face, vão tirar sarro de mim’.” Num primeiro momento, a diarista acabou sendo tranquilizada por familiares.

Questionada se pretende repensar seu voto no ex-presidente Lula após o episódio com o empresário, ela abre outro sorriso largo. “Se eu vou deixar? Não, eu vou votar nele!”, diz, rindo. E comemora o fato de o petista ter prestado solidariedade a ela.

‘Cena grotesca’

O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) falou nesta segunda-feira (12) sobre o caso, durante coletiva de imprensa junto à ex-ministra e candidata a deputada federal por São Paulo Marina Silva (Rede).

“Vocês viram a cena grotesca, vergonhosa e humilhante do comportamento de um reacionário bolsonarista entregando uma cesta básica para uma companheira que necessitava do alimento e teve a pachorra de perguntar em quem ela ia votar. E quando ela disse que ia votar no Lula, ele fez insinuações para os amigos dele, dizendo que ela não merecia mais cesta básica e ainda a mandou pedir para mim”, disse.

O petista também citou outros casos que aconteceram recentemente e que, na visão dele, demonstram que “a democracia está correndo risco nesse país”. Lula citou o caso do guarda municipal petista Marcelo Arruda, morto no dia 9 de julho em Foz do Iguaçu (PR) durante sua festa de aniversário pelo agente penitenciário Jorge José da Rocha Guaranho.

O candidato do PT à Presidência também lembrou do caso mais recente, no qual uma discussão sobre o presidente Jair Bolsonaro (PL) e o ex-presidente Lula terminou com a morte a facadas de Benedito Cardoso dos Santos, 42, que era pró-Lula, por Rafael Silva de Oliveira, 24.

“Os exemplos estão dados. Vocês sabem que, em 2018, duas pessoas foram assassinadas. Vocês viram agora um companheiro do PT assassinado no dia do seu aniversário. Vocês viram agora um companheiro quase ser decapitado por outro no Mato Grosso”, completou.

Retratação pública

Neste domingo (11), o empresário Cassio Cenali foi às redes sociais para se retratar. “Estou aqui para pedir desculpa pela infelicidade de ter feito esse vídeo. Estou muito arrependido”, afirmou.

“Faz mais de dois anos que eu faço 60 marmitas toda quarta-feira e entrego para morador de rua, inclusive para essa senhora. E não é isso que vai fazer eu parar com esse trabalho meu. É um trabalho que eu faço com recurso meu, não tenho apoio político nisso aí, não tenho nada. Eu só quero a caridade”, continuou.

Ilza, no entanto, afirma que não recebeu um pedido de desculpas do empresário pessoalmente até a publicação deste texto.

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