
Minuta foi avaliada pelo funcionário público dia 11 de novembro de 2021; dia 12 o decreto foi publicado; somente no dia 19 foi anexada avaliação financeira do imóvel. Foto: Portal Porque
Um assessor da Secretaria de Assuntos Jurídicos (SAJ) da Prefeitura de Sorocaba alertou, em documento emitido no final de 2021, sobre a irregularidade no trâmite acelerado para desapropriação e compra do prédio que seria destinado à Secretaria de Educação (Sedu), no bairro Campolim. O despacho do funcionário de carreira faz parte do processo montado pelo Gaeco (Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado), ao qual o Portal Porque teve acesso.
Em 11 de novembro de 2021, coube ao assessor Lucas Ferreira Sousa Degrande, da SAJ, analisar e dar parecer sobre uma minuta de decreto para declarar o imóvel no Campolim de utilidade pública, a fim de ser expropriado e comprado pela administração municipal para que pudesse ser utilizado como sede da Sedu. Segundo denúncia do Gaeco, que deu origem a uma ação criminal, a Prefeitura comprou o imóvel com superfaturamento de R$ 10,3 milhões, mediante a elaboração de um laudo de avaliação fraudulento.
Logo no início do parecer, de seis páginas, o profissional de carreira da SAJ anota que “não houve observância do referido rito processual” para o encaminhamento da minuta do ato normativo pretendido pelo prefeito Rodrigo Manga (Republicanos), que seria a desapropriação e compra do prédio.
Ao invés de receber diretamente o pedido de análise da minuta, Lucas ressalta que “as minutas devem ser remetidas pela Secretaria interessada [no caso, da Educação] à SERIM [Secretaria de Relações Institucionais e Metropolitanas], a quem compete das ciência às demais Secretarias, para eventuais objeções; bem como à SEGOV [Secretaria de Governo], a fim de que se manifeste quanto ao mérito da propositura”.
Nitidamente estranhando a queima de etapas no processo, o assessor escreve: “Inclusive, rememoro que apenas a Secretaria de Governo, mediante justificativa quanto à excepcionalidade da situação, pode determinar a edição e publicação dos referidos atos de titularidade do Chefe do Executivo.”
“No entanto”, resigna-se o assessor, “enquanto medida de celeridade [rapidez], e diante do requerimento de análise em caráter de urgência, conforme sustentado pelo sr. SEDU [Secretário de Educação, Márcio Carrara] em fl. 55, passo à verificação do ato proposto.”
Faltou avaliação do prédio
Em dois trechos do despacho, Lucas Degrande registra que não encontrou a avaliação financeira do imóvel que seria desapropriado. Mas ele segue em frente com seu trabalho e registra que ele está restrito, nesse caso, “à verificação dos seguintes aspectos: a) constitucionalidade ou legalidade do ato proposto; b) verificar se o ato normativo cabível é Decreto ou Lei; c) conferir se a minuta é adequada às técnicas redacionais provenientes da Lei Complementar nº 95/98; d) verificar se há ato normativo conflitante ou semelhante ao apresentado”.
Como a análise desses aspectos restritos não registrou irregularidades, o despacho de Lucas, assinado dia 11 de novembro de 2021, se transformou em Decreto de desapropriação publicado no dia seguinte, 12. A falta de valor do imóvel no processo, observada por Lucas, só seria sanada oito dias depois, quanto foi juntado o laudo suspeito que avaliou em quase R$ 30 milhões o imóvel.
O laudo em questão foi assinado dia 19 de novembro pelo engenheiro Areobaldo Negreti, que admitiu ao Ministério Público ter recebido R$ 20 mil do então secretário de Administração de Manga, Fausto Bossolo, para fazer a avaliação do imóvel em R$ 29,8 milhões. Esse é um dos indícios de superfaturamento, em R$ 10,3 milhões, a ser julgado em ação criminal que tramita na 2ª Vara Criminal de Sorocaba.
Uma avaliação anterior, que apontava o valor de R$ 19,5 milhões para o imóvel, conforme noticiado pelo Portal Porque, “sumiu” dos arquivos da Prefeitura. Para ler, clique aqui.
Também conforme publicado pelo Porque nesta série de reportagens sobre a suspeita de superfaturamento (leia aqui), todo esse processo de expropriação foi resolvido em 30 dias. Os antigos proprietários do prédio, da AFF Empreendimentos Imobiliários, receberam o valor da compra 40 dias depois do início desse trâmite interno, em caráter de “urgência”, da Prefeitura.
Em nenhum documento do processo de desapropriação, entretanto, ficou explicitada a necessidade de urgência para compra do prédio — por que, quando e por quem foi pedida –, uma vez que a Sedu funciona em sede provisória há vários anos. Segundo o depoimento de Negreti ao Gaeco, a pressa seria porque a Prefeitura não havia gastado, já nos meses finais de 2021, o percentual destinado à Educação, o que, nas palavras do perito, citando o que lhe foi argumentado, poderia “tirar o prefeito da Prefeitura”.