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Após período de despoluição, rio Sorocaba ainda sofre com indiferença e abandono

"O que precisa é planejamento urbano pautado no meio ambiente e não na especulação imobiliária", adverte o biólogo e professor Welber Senteio Smith, que estuda o rio Sorocaba há 28 anos

Sandra Nascimento (Portal Porque)
Assoreamento do rio Sorocaba
  • Vista do rio Sorocaba próximo à ponte Dante Sola. Foto: Sandra Nascimento
  • O baixo nível da água denuncia um período crítico. Foto: José Finessi
  • Local onde o Córrego da Água Vermelha deságua no rio Sorocaba. Foto: José Finessi
  • Banco de areia formado por detritos trazidos pelos córregos. Foto: José Finessi
  • Rio Sorocaba paralelo à av. Juvenal de Campos, segue raso e assoreado. Foto: José Finessi
  • Ilha formada pelo acúmulo do lixo e entulho trazidos pelas águas. Foto: José Finessi
  • Lixo espalhado na margem direita revela o descaso das autoridades. Foto: José Finessi
  • Margem direita, lugar onde as coisas são esquecidas. Foto: José Finessi
  • Banco de areia ocupando o lugar o curso do rio. Foto: Sandra Nascimento
  • Banco de areia entre as pontes Dante Sola e de Pinheiros. Foto: José Finessi
  • Leito dividido entre a corrente de água e sedimentos que se espalham pela margem. Foto: José Finessi
  • Na margem do rio, uma capivara busca por alimento. Foto: José Finessi
  • Rio Sorocaba segue seu curso ainda paralelo à Avenida Juvenal de Campos. Foto: José Finessi
  • Calangos subsistem sob o sol da tarde. Foto: José Finessi
  • Répteis são parte da fauna do Sorocaba. Foto: José Finessi
  • O leito estreito. Foto: José Finessi
  • Flores de goiabeira lembram que é primavera. Foto: José Finessi
  • Banco de areia que se formou no meio do leito, próximo à Ponte de Pinheiros. Foto: José Finessi
  • Bancos de areia até podem beneficiar algumas espécies, mas a maioria é prejudicada. Foto: José Finessi
  • Bancos de areia diminuem a vazão, soterram a fauna e causam prejuízos à comunidade biológica. Foto: Sandra Nascimento
  • O lixo acumulado sob a Ponte de Pinheiros. Foto: José Finessi
  • Rio e Cidade. Foto: José Finessi
  • Marrecas pé-vermelho vivem no lodo. Foto: Sandra Nascimento
  • A tarde a partir da margem direita. Foto: José Finessi
  • Anoitece... Foto: José Finessi

As últimas três décadas foram tempo de renovação para o rio Sorocaba, por meio de obras do programa de despoluição que consistiram na implantação de estrutura para coleta, afastamento, bombeamento, tratamento de esgoto e limpeza do rio e córregos da carga de efluentes. Todo esse projeto custou cerca de 180 milhões de reais, em financiamentos do governo federal e investimentos do próprio município.

Nos últimos três mandatos de prefeitos, no entanto, o rio foi aos poucos sendo relegado ao abandono e à indiferença do poder público. O que se viu nesses últimos anos foi um rio sujo, raso, assoreado, sofrendo as consequências dos períodos sequentes de secas e de estiagens. Não bastasse isso, em outubro de 2021, funcionários do Serviço Autônomo de Água e Esgoto (Saae) de Sorocaba divulgaram um relatório sobre equipamentos que, em algumas estações de tratamento de esgoto, estariam em processo de sucateamento, comprometendo todo o processo de despoluição (leia o relatório aqui).

Para o biólogo e professor Welber Senteio Smith, pesquisador do rio Sorocaba há 28 anos, torna-se urgente a necessidade de melhorar a eficiência das ETEs (Estações de Tratamento de Esgoto), investindo em novas tecnologias e entendendo o rio Sorocaba como patrimônio do município.

Autor do livro “Os peixes do Rio Sorocaba” (Editora TCM, 2003), artigos sobre o tema e capítulos de livros científicos, Welber desenvolve, no momento, mais três estudos sobre a bacia do rio Sorocaba. São eles: “Ecologia de Peixes Migradores”, “Avaliação de Microplásticos em Peixes” e “Avaliação da Biodiversidade de Peixes após 30 anos dos Primeiros Estudos”.

Perguntado sobre o que seria necessário para que o trabalho de despoluição do rio Sorocaba não se descontinue e nem se perca, ele aponta: “Não existe, atualmente, nenhuma política pública ambiental que envolva o rio Sorocaba.”

Leia a integra da entrevista:

Quais foram as principais mudanças que observou durante o período de despoluição do rio Sorocaba?
Desde a despoluição, melhorou a qualidade da água e do rio, aumentando e mantendo a biodiversidade aquática e terrestre. Além disso, a população passou a olhar o rio de outra forma, e a interação com ele aumentou.

Como vê o rio hoje?
O rio está muito bom sob a ótica do esgoto, porém o lixo, a impermeabilização do solo, a ocupação de suas margens e de todos os seus afluentes são um problema. Não há política pública para esses temas. É muito necessário maiores investimentos e políticas públicas que ataquem esses temas.

Há pouco tempo a mídia local denunciou o sucateamento de peças dos equipamentos de despoluição em estações de tratamento. O que sabe sobre isso e o que sugere para que se possa reverter tal processo?
Há muito se fala da eficiência das ETEs. É necessário o SAAE deixar de ser uma caixa preta e ser mais transparente nos seus indicadores de tratamento.

Sabemos que muito foi gasto pelo governo federal e município na despoluição do rio Sorocaba. O que é necessário agora para que esse trabalho não se descontinue e nem se perca?
É preciso melhorar a eficiência das ETEs, investir em novas tecnologias e entender o rio Sorocaba como um patrimônio do município. O Sorocaba é um rio diferente, com boas condições ambientais, que merece ser encarado com cuidado toda vez que forem fazer desassoreamento, intervenções, falar de marginal direita, etc. Não existe atualmente nenhuma política pública ambiental que envolva o rio Sorocaba.

Nos períodos de seca, foi possível observar um rio solitário, com baixo nível de água, mau cheiro e paisagens empobrecidas. O que acontece com a diversidade de espécies em decorrência disso?
É um período muito crítico agravado pela retenção de água na represa de Itupararanga. Aproveitando, o racionamento deveria ter sido continuado no Sorocaba. Com relação à biodiversidade, esta sente muito. Esses períodos ocasionam mortandade de peixes e outros organismos, trazem prejuízos à reprodução e à movimentação.

O que pode provocar o mau cheiro detectado em determinados trechos?
Na verdade, o rio tem seu cheiro típico. O forte odor pode ser causado pelas elevatórias que levam o esgoto coletado para a ETE S1 [a ETE S1 trata aproximadamente 44% do esgoto gerado em Sorocaba].

Como é possível conscientizar uma população sobre a importância de um rio limpo e sustentável, quando a quantidade de lixo jogada no leito ainda é grande?
É possível com Educação Ambiental. Os dois últimos governos, incluindo o atual, desmontaram a Secretaria do Meio Ambiente e a Área de Educação Ambiental. Sorocaba deixou de ser referência. Educação Ambiental e políticas públicas voltadas à temática são de extrema importância.

Quais seriam as causas de inundações que ocorreram ultimamente no trajeto do rio?
O rio Sorocaba ao longo de Sorocaba e de outros municípios possui uma extensa área de várzea. Dessa forma, em épocas chuvosas o rio transborda ou a chuva se acumula. Exemplos disso: o que ocorre no Parque das Águas e no Vitória Régia. É um processo natural, mas infelizmente ocupamos todas essas áreas. Aliado a isso, está a impermeabilização do solo que carrega a água da chuva com maior velocidade para as áreas mais baixas, como a avenida Dom Aguirre.

Por que bancos de areia aparecem constantemente ao longo desse trajeto?
Pelo desbarrancamento das margens, por falta de vegetação e também pelo sedimento trazido pelos córregos. A origem desse sedimento trazido pode ser a erosão das margens e de terrenos adjacentes que, com a chuva, é arrastado para dentro do córrego. Além disso, a areia de construção civil mal acondicionada também contribui com o assoreamento de córregos e do rio.

Bancos de areia e inundações prejudicam aspectos da flora e da fauna?
Sim, pois diminuem a vazão, diminuem a profundidade, soterram a fauna e causam muitos prejuízos à comunidade biológica. Até podem beneficiar algumas espécies de plantas e animais, mas a maioria é prejudicada.

O quanto da mata no entorno do rio pode ser considerada original?
Muito pouco, no trecho urbano ela foi totalmente suprimida e plantios posteriores foram realizados com espécies não nativas. Mais recentemente, com nativas. Apesar disso, deve ser ampliado o plantio e a proteção das margens do rio Sorocaba.

O que as cidades margeadas pelo Sorocaba perdem com o constante empobrecimento do rio?
Perdem o que chamamos de serviços ambientais: beleza cênica, lazer, qualidade do ar e biodiversidade.

O que dizer sobre as condições da Represa de Itupararanga?
A represa merece muita atenção. Além de manancial, ela é uma APA (Área de Preservação Ambiental). Deve-se ter políticas ambientais de conservação claras e efetivas para a APA, além de água e biodiversidade. O Comitê de Bacias e os municípios devem se unir para a sua gestão de forma efetiva e não do jeito que é feito hoje. Sorocaba, por exemplo, atualmente, não investe um centavo na gestão da APA.

Segundo a sua observação, o que seria um processo ideal de despoluição para o rio Sorocaba se considerarmos o aumento da população e o surgimento de novos bairros?
Na verdade, a despoluição está em processo desde a década de 90. O que precisa é planejamento urbano pautado no meio ambiente e não na especulação imobiliária, na urbanização desenfreada e na ocupação territorial desordenada. Sorocaba já ultrapassou seu limite de ocupação, é uma cidade pequena em território, usando o rio como norteador, pois ele cruza a cidade toda. O Plano Diretor e a política pública ambiental devem ser as bases para o futuro de Sorocaba. O desenvolvimento da cidade agora deve ser qualificado, porque Sorocaba está perdendo qualidade ambiental e isso acarreta em perda da qualidade de vida. Eu temo pelo futuro de Sorocaba se as políticas dos governantes continuarem na toada em que estão.

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