Busca

Apesar dos avanços, luta contra desigualdade não pode parar, analisam expoentes

Estrutura social machista ainda impõe papéis "femininos" e paga menos pelo trabalho da mulher, que busca valorização e teme retrocessos

Fabiana Blazeck Sorrilha (Portal Porque)

Na avaliação das mulheres, toda vigilância é pouca para evitar as armadilhas de uma sociedade machista, que tenta impor papéis e condições à mulher, por vezes recorrendo à violência. Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

Elas são chefes de família em 50% dos lares e ganham até 21% menos do que os homens no mercado de trabalho, segundo dados divulgados no último dia 6, pelo Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos (Dieese). As dificuldades das mulheres chefes de família, entre elas a falta de equidade de gênero, são muitas. Do total da força de trabalho no Brasil, 44% são mulheres, grupo que lidera a taxa de desemprego com 11% contra 6,9% dos homens (leia mais aqui).

Na véspera do 8 de Março, Dia Internacional da Mulher, o Portal Porque conversou com quatro mulheres que são expoentes em diferentes campos da vida sorocabana: uma sindicalista, uma neuropsicóloga, uma empreendedora e uma socióloga. Nas falas múltiplas dessas mulheres, destaca-se um ponto em comum: apesar dos avanços obtidos em muitas décadas de enfrentamento ao machismo, a desigualdade ainda é muito grande e a luta está longe de terminar.

Para Paula Proença, presidenta do Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias do Vestuário de Sorocaba e Região, o mercado de trabalho para a mulher ainda tem uma evolução muito lenta. “Hoje, as mulheres ocuparam mais os lugares no mercado de trabalho, mas estão nos empregos mais precários. Precisamos que as mulheres ocupem espaços, cargos com mais poder e que ganhem mais. Nesse ponto, a desigualdade entre as mulheres negras ainda é muito maior”, reforça.

A forma de acabar com essa desigualdade é por meio de políticas públicas e leis que garantam oportunidades para as mulheres. “Temos muito o que melhorar na sociedade e acabar com o machismo, que sempre coloca as mulheres em segundo escalão, isso em todos os lugares. Por isso temos que ocupar todos os espaços, melhorar a cultura e exigir mais respeito”, acrescenta a sindicalista.

É necessário repensar a sociedade

Para a neuropsicóloga e professora Rejane Mayer, o tratamento que uma mulher recebe da sociedade deve ser o mesmo princípio que norteia a Psicologia, baseado no respeito e na promoção da liberdade, da dignidade, da igualdade e da integridade do ser humano, e apoiado nos valores que embasam a Declaração Universal dos Direitos Humanos. No entanto, a sociedade possui um machismo enraizado que vem de uma construção histórica quando, desde os primórdios, o homem era o provedor e a mulher a cuidadora.

Com o passar dos anos, a mulher foi colocada num papel de vulnerabilidade e inferioridade em relação ao gênero masculino.

“Ainda hoje vemos situações empresariais como a da mulher que serve o cafezinho ou que é contratada para fazer a limpeza. São atividades historicamente atribuídas à mulher. Por que um homem não pode assumir esse papel?”, provoca Rejane.

Outro exemplo bastante enraizado citado pela psicóloga é de que a mulher tem obrigação de manter a casa limpa, arrumada, funcionando, de prover o preparo dos alimentos. Quando chega na idade adulta, essa mulher nem se questiona se isso é função dela mesmo. “Tanto que a própria mulher usa a típica frase: meu marido me ajuda em casa. É como se a mulher dissesse que a obrigação é dela. No entanto, quando duas pessoas moram numa casa, a obrigação de manter aquela casa em ordem é das duas”, explica a psicóloga. Ela cita ainda que muitas mulheres não se dão conta de que estão agradecidas por uma tarefa feita pelo marido, quando a obrigação é dos dois.

Na sociedade, apesar dos avanços relacionados aos direitos da mulher, há profissões que são relacionadas ao papel feminino e ao papel masculino — uma imposição que já não deveria existir. E quando escolhem caminhos profissionais dominados por homens, as mulheres sofrem chacotas e preconceitos, são tachadas de inteligentes, mas não bonitas. São também os homens que ocupam a maior parte dos cargos de poder e liderança.

“São ideias que foram se formando ao longo da história, de que as mulheres precisam ser aquela bonequinha sempre arrumada, para ser admirada, e não dotada de inteligência e de competência. Temos exceções, sim, mas são exceções”, reforça Rejane.

Outro exemplo de machismo enraizado é aquele praticado pela própria mulher, que cresceu num ambiente machista e perpetua ideias e conceitos machistas perante suas filhas, amigas, irmã, quando acredita que a presença de um homem em sua vida vai lhe assegurar proteção, dignidade e felicidade plena. “Daí ouvimos frases do tipo: você tem que ser uma menina bem comportada, bem arrumada, para arrumar um namorado e casar”, diz Rejane.

Para a neuropsicóloga, conseguir uma sociedade mais igualitária em relação aos gêneros parte da necessidade de entender que as definições são construções sociais, como os valores e comportamentos, que precisam ser repensados e que as diferenças biológicas devem ser respeitadas, com igualdade de direitos.

As donas do negócio e do próprio nariz

Enquanto muitas mulheres equilibram os pratos na hora de sustentar a família assumindo a única referência de pai e mãe dos filhos, elas se endividam. Segundo a Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC), 80,9% das mulheres estão endividadas. O número é 2,7% maior em relação ao endividamento entre homens.

Para buscar formas de garantir o sustento, optam pelas jornadas dobradas de trabalho ou seguem o caminho do empreendedorismo, como é o caso de Natasha Caldeira, empreendedora e uma das mulheres à frente do grupo Empodera Sorocaba, que reúne 300 mulheres.

O Empodera Sorocaba existe para dar apoio e promover a união das mulheres, fortalecendo-as para os negócios. “Fazer negócio é só uma das vertentes do grupo. Vimos muitas mulheres crescerem e se unirem através de parcerias nesse ano que se passou. Hoje contamos com 2.198 seguidores no Instagram e dois grupos de WhasApp”, diz.

O crescimento contínuo do grupo Empodera reflete o perfil da brasileira na hora de buscar uma renda própria ou de complementar aquilo que já recebe como contratada pela CLT. Um estudo feito em 2022 pelo Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae) aponta que o número de mulheres à frente de um negócio no país é de 10,1 milhões. No entanto, estar à frente do próprio negócio é algo novo para as mulheres, que por vezes se sentem sozinhas nesse mundo.

O empreendedorismo feminino é um dos caminhos para reduzir as desigualdades de gênero, além de contribuir para o crescimento da economia e para geração de empregos e transformar também as relações sociais. O Sebrae apoia o empreendedorismo feminino através do Programa Donas da Rua do Empreendedorismo.

A ideia é: quanto mais mulheres buscarem a independência e alcançarem a autonomia financeira, menos precisarão se submeter a relacionamentos abusivos ou até mesmo serem vítimas de violência doméstica, pois não dependerão de terceiros para se sustentar. E empresárias empoderadas podem inspirar e influenciar outras mulheres, a partir de seus exemplos, encorajando outras a empreenderem, abrirem o próprio negócio, como é o caso da Natasha.

“O que posso dizer a uma mulher que empreende é que, mesmo não sendo fácil às vezes, por se sentir sozinha e até sem forças, busque uma rede de apoio para que possa contar. Isso me ajudou bastante no meu caminhar”, reforça a empreendedora.

Mulheres na luta para não haver retrocesso

Para a socióloga, educadora, produtora cultural e guitarrista Flavia Biggs, o Dia da Mulher serve para que a sociedade reconheça as opressões de gênero que foram e são perpetradas sobre as mulheres e corpos dissidentes, desde que o mundo é mundo, e celebrar cada conquista a duras penas ao longo dos séculos.

“Sabemos que essas não são garantias eternas e precisamos nos atentar para os retrocessos que cismam em puxar o tapete dos movimentos progressistas pelos direitos humanos e se manter na luta”, assevera a socióloga.

Ela diz que, apesar do cenário na maioria das vezes assustador, continua acreditando no poder da inspiração positiva, nos exemplos de superação e na multiplicação de sementes de transformação social.

Como exemplo de superação do preconceito, Flávia cita as mulheres iranianas, que incendiaram seus véus em protesto contra a polícia dos costumes, num grito de liberdade numa sociedade tão opressora. “Mas precisamos estar conscientes do risco que as mulheres correm. Atrocidades sem tamanho acontecem diariamente”, alerta.

Flavia diz que, ser feminista neste contexto, é compreender que não existe uma única bandeira a ser defendida: são necessários feminismos múltiplos, para reconhecer que avanços e retrocessos são simultâneos. “Muitas vezes vivemos em bolhas de avanços de equidade, o que é um acalanto no coração, mas não podemos desviar o olhar, a empatia e as ações para quem não tem acesso aos direitos fundamentais, como por exemplo, uma vida sem violência.”

Com isso, o movimento feminista segue lutando pela manutenção e a ampliação das conquistas de direitos fundamentais que deveriam ser garantidos, como o direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança.

“Que consigamos plantar cada vez mais sementes para que as lutas e conquistas continuem. É sobre resistência. Cabe aos que acreditam na necessidade urgente de uma vida mais digna para todes compreender, apoiar e reverberar essa luta”, finaliza.

mais
sobre
dia da mulher direitos igualdade machismo mercado de trabalho
LEIA
+