
Entre as irregularidades apontadas, além do preço, está o pagamento de 90% do valor de cada leito mesmo sem utilização. Foto: Arquivo Secom/PMS
Após voltar de férias, o prefeito de Sorocaba, Rodrigo Manga (Republicanos), terá que encarar uma derrota em caráter definitivo no Tribunal de Contas do Estado (TCE/SP). Relatório e acórdão publicados nesta quinta-feira, 12, reforçam a conclusão de que a Prefeitura pagou preços superfaturados para a organização social Abrades (Associação Brasileira de Educação e Saúde) implantar e administrar 60 leitos no hospital de campanha contra a covid-19 em Sorocaba.
A Abrades foi contratada em 2021 por mais de R$ 25 milhões para gerenciar um Centro de Estabilização Covid na unidade básica de saúde/pronto-atendimento do Jardim São Guilherme.
O Tribunal já havia constatado irregularidades na contratação, sob dispensa de licitação, nos primeiros meses de 2022. Mas, na época, foi dada oportunidade de defesa ao prefeito. Recursos contra a decisão foram interpostos pelo governo em meados do ano passado.
As alegações da administração, entretanto, foram rejeitadas pelo TCE. “Não foi apresentado o detalhamento dos preços que pudesse lastrear seus argumentos”, descreveu a relatora Cristiana de Castro Moraes em análise feita no final do ano passado e publicada na quinta-feira.
O convênio entre a Prefeitura e a Abrades estabeleceu um custo de quase R$ 25,2 milhões para a “disponibilização de 40 leitos clínicos e 20 leitos de suporte ventilatório pulmonar destinados ao tratamento de pacientes do Sistema Único de Saúde – SUS com suspeita ou contaminados por COVID-19”, aponta o acórdão recente do tribunal.
O relatório do próprio TCE aponta que, além do fato de esse custo (R$ 3,9 mil a diária por leito) ser 145% superior aos preços estabelecidos em portaria do Ministério da Saúde (R$ 1,6 mil por leito), também se mostrou 75% mais caro que o valor do leito “noticiado pela mídia especializada (R$ 2.234,00), representando ainda um aumento de 64% frente ao valor da diária estabelecida em ajuste anterior firmado pela Prefeitura de Sorocaba (R$ 2.386,57, TC-9263.989.21-2)”.
Manga critica governo Jair
Em defesa da administração, representantes do Manga afirmaram ao TCE que os valores do Ministério da Saúde estavam “defasados” no auge da pandemia, o que não deixa de ser uma desqualificação surpreendente para um prefeito assumidamente bolsonarista, que chegou a confraternizar com golpistas após a derrota do ex-presidente Jair Bolsonaro no final de 2022.
Um agravante encontrado pelos conselheiros do Tribunal foi o fato de o convênio em Sorocaba prever o pagamento de, no mínimo, 90% do custo diário do leito, mesmo quando ele não estivesse ocupado.
Nesse caso — custo fixo de 90% mesmo em leitos ociosos –, segundo a relatora, “ocorre dispêndio de dinheiro público mesmo sem a utilização dos referidos leitos, em descumprimento aos princípios da eficiência e da economicidade”.
Sobre esse custo fixo, a Prefeitura argumentou ao Tribunal que “uma entidade sem fins lucrativos que contratou uma equipe para ficar 24 horas de plantão aguardando eventuais emergências não pode ser penalizada caso não ocorram emergências”. A relatoria, porém, considerou que a argumentação da administração não é válida para esse caso.
O prefeito Manga, por meio de seus representantes, alegou também que “a Prefeitura enviou mais de 80 e-mails, porém todos os hospitais consultados estavam impossibilitados de atender a demanda, pois já estavam operando em sua capacidade máxima e não tinham leitos disponíveis”.
Jogou culpa em terceiros
O gestor municipal também se defendeu perante o tribunal admitindo que, “se houve má-fé, imoralidade ou crime contra a economia popular, certamente não partiu da Administração ou do Recorrente [prefeito Rodrigo Maganhato], mas das empresas prestadoras de serviço que aumentaram o seu preço indiscriminadamente, de forma abusiva, exigindo vantagem manifestamente excessiva sem justa causa para tal”.
Quanto mérito da questão, a relatora do TCE registrou que, na prática, “conforme avaliado pela SDG [Secretaria-Diretoria Geral], houve a apresentação apenas de um quadro comparativo de ‘valor global’ formado por 05 (cinco) entidades do Terceiro Setor com a respectiva ordem de classificação, não sendo apresentadas as cotações com todos os elementos necessários a evidenciar a compatibilidade dos preços avençados com os praticados no mercado à época”.
Dessas entidades, a escolhida pela Prefeitura, alegando situação “desesperadora”, foi a Abrades.
Decisão definitiva
A relatora Cristiana de Castro conclui o documento, de 13 páginas, afirmando: “Ante o exposto, voto no sentido do NÃO PROVIMENTO dos recursos ordinários interpostos pelo Senhor Rodrigo Maganhato e pela Prefeitura Municipal de Sorocaba, mantendo o decreto de irregularidade do convênio celebrado entre o Município e a Associação Brasileira de Educação e Saúde – ABRADES, e preservando a multa de 160 UFESP(s) imposta ao responsável.”
Ufesp significa Unidade Fiscal do Estado de São Paulo e atualmente equivale a R$ 34,26 cada uma. Ou seja, a multa fiscal ao prefeito é de R$ 5.481,60. Vale lembrar que a contratação da Abrades foi de R$ 25,2 milhões, sendo que o prefeito, para se defender no Tribunal, afirmou ter recebido um “desconto” de R$ 2,6 milhões do convênio devido à não ocupação de leitos durante o pico da pandemia.
O acórdão do TCE/SP publicado neste dia 12 acolhe as decisões da relatora e confirma que a análise e constatação da irregularidade, pelo Tribunal de Contas, está transitado em julgado. Não cabe mais recurso. A multa é seu efeito menos significativo, já que, com base na documentação do tribunal, Manga fica sujeito a uma ação de improbidade administativa.
A decisão é assinada por Dimas Ramalho, presidente do Tribunal; e pela relatora. Cristiana de Castro Moraes, na presença de Thiago Pinheiro Lima, representante do Ministério Público de Contas, com data do dia 7 de dezembro de 2022 e publicação no Diário Oficial do Estado de 12 de janeiro de 2023.