
Beth Pinn (destaque) e grupo: aprendizado é levado para os palcos pelos alunos de oito a 41 anos. Fotos: divulgação
Já nos seus primeiros anos escolares, Elizabete Araújo Pinn participava de todos os eventos relacionados a artes — fosse desenho, música, dança ou pintura. Mas foi pela música que ela se sentiu atraída com mais força. Então, aos doze anos já havia se tornado vocalista numa banda de Itapeva, onde nasceu.
No início dos anos 90, veio residir em Sorocaba. Aqui, passou a cantar na banda “Os Coisa”, uma banda performática. E foi nesta cidade que o teatro se tornou sua grande paixão artística, deixando a vida de cantora reclusa no cantinho de suas boas lembranças.
Aqui, ela montou uma escola própria para formação de atores, na rua Augusto de Assis, 182, Vila Assis. E passou a desenvolver trabalhos visando ao fomento do público para o teatro.
“A sorte me trouxe para a Vila Assis, bairro em que conheci umas pessoas talentosas do teatro: Eliete Muller, Fernando kudder e Chico Plechart, que atuavam na Cia O Tubarão que Deu Origem à Série, sediada no Teatro Off, coordenado por Benedito Augusto de Oliviera, o Benão”, ela conta.
Beth ficou amiga desses artistas. “Eles me convidaram para assistir a uma polêmica peça de Bukowski, “A sereia que copulava em Veneza”, e fiquei encantada: eu nunca havia ido ao teatro, não fazia a menor ideia de como era, porque a cidade onde eu morava era muito pequena — e lá nunca vi um espetáculo teatral.”
“A peça foi inebriante. Ela agitou em mim um tal encantamento que dele jamais me apartei. Os atores em cena, a sonoplastia, a iluminação, os bastidores — foi uma experiência inexplicável. Tudo me cativou e me transportou, feito tapete mágico, para um mundo de sonhos. Então, ali mesmo eu decidi: é isso que eu quero fazer.”
Foi assim
A jovem Beth, de olhos castanhos, cabelos ruivos e curtos, coração ansioso, logo se inscreveu no curso de teatro que Benão e Fernando Kudder ministravam no Tetro Off. Beth confirmou ali que seu lugar no mundo era o Teatro. E já ingressou no elenco dirigido por Fernando, que montou a peça “Companhia dos lobos”.
A segunda vez que as cortinas do teatro se abriram para ela foi num espetáculo do Projeto Nelson Rodrigues, que Benão havia criado com Mônica Grando. Então montaram a peça “Dorotéia”. E confiaram à Beth o papel de Dorotéia. “Ela se saiu muitíssimo bem, como esperávamos que fosse acontecer, em razão do talento dela. Assim, Beth acabou se tornando a principal atriz de nossa companhia, atuando em peças lendárias, das quais eu me lembro até hoje. Na sequência, ela fez uma longa e bem-sucedida carreira de atriz”, diz Benão.
Vida acadêmica
Beth possui graduação em Comunicação Social, habilitação em Jornalismo, e licenciatura em Teatro, pela Universidade Sorocaba. Na Unicamp cursou as disciplinas “Pesquisa em Artes” e “Seminários de Pesquisa” pelo programa de pós-graduação em Artes da Cena. Também é pós-graduada em “Corpo: Teatro Dança e Performance” pela Escola Superior de Artes Célia Helena.
Nasce um Studio
Depois dos cursos de teatro, Beth viu-se aprovada em concurso público da rede estadual de ensino. “A partir de 2007 passei a atuar como arte-educadora. Mas a arte é pouco valorizada no currículo escolar. E os recursos, bastante limitados.”
“Na escola, as crianças recebem uma orientação ingênua do que seja teatro: é uma ´pecinha` aqui, outra no Dia das Mães. Como os educadores não dispõem de tempo, ou de preparo, ou de recursos, fazem tudo de forma inadequada. É frustrante.”
Em face dessa constatação, Beth criou, em sua casa, a Escola de Teatro Caixa Preta, que posteriormente viria a receber a denominação de Beth Pinn Studio Teatral. Ela tem alunos de oito a 41 anos. Eles participaram de clássicos como “Alice no País das Maravilhas”, de experimentos com textos de Nelson Rodrigues e da montagem da peça “Vestido de noiva”.
Benão comenta: “Beth se revelou uma diretora competentíssima. Eu havia deixado a cidade por alguns anos, para trabalhar fora, e, ao voltar, fui assistir aos espetáculos que ela apresentava.”
“Fiquei especialmente admirado com a direção segura que ela fez de Nelson Rodrigues. Em ‘Vestido de Noiva’, ela se mostrou extremamente hábil na orientação de um elenco jovem. Fez uma boa leitura de espetáculo, bem desenhado. E ainda introduziu uma tecnologia de palco bem criativa, contando com o trabalho do marido, Randolph Souza, especialista na área”, complementa o diretor.
Alunos e público
Beth tem uma preocupação que diz respeito ao público: “É necessário sensibilizar as pessoas para que sejam atraídas pelo teatro. Sinto que há muita gente que pensa que o teatro é formado apenas de grandes musicais, ou por espetáculo cujo elenco seja constituído de atores televisivos. Conheço gente que sai daqui e vai a São Paulo assistir peças com atores renomados. Nada contra, mas temos de conquistá-los.”
Ainda nesse aspecto do público, Beth diz que as leis de incentivo, embora úteis, geraram um sentimento de que todo espetáculo deve ser gratuito. “Mas é preciso compreender que somente os beneficiados por verba pública é que devem, em contrapartida, mostrar gratuitamente seus espetáculos. Os outros têm custos. Precisam da bilheteria para bancar suas montagens.”
Nas apresentações dos espetáculos levados à cena por seus alunos, um fato agrada Beth: “Os familiares prestigiam os atores. Muitos deles comentam que nunca tinham ido a um espetáculo teatral. E ficam encantados. Daí a importância de preparar com esmero os nossos alunos, de olho na técnica e na criatividade.”
“Eu sempre conto aos meus alunos minha primeira experiência no teatro como espectadora, que foi tão marcante na minha vida que influenciou plenamente minha escolha. Digo a eles que a arte tem de ser uma vivência transformadora para fazer sentido. Pois quando você é tocado por ela dessa forma, recebe uma marca que não se apaga… É essa experiência sensível que busco despertar nos meus alunos.”
Sétima reportagem da série “Arte da Resistência”, dedicada às pessoas que criaram espaços culturais alternativos em Sorocaba, em contraponto à falta de investimentos nos espaços oficiais. Para ler as reportagens anteriores, clique nos links abaixo.
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