
Manutenção da previdência municipal a longo prazo preocupa servidores, que defendem debate aprofundado antes da votação do projeto. Foto: Reprodução
O Projeto de Lei 219/2023, assinado pelo prefeito Rodrigo Manga (Republicanos) às 22h30 de segunda-feira, 10, para ser votado nesta quinta-feira, 13, está mobilizando os servidores municipais contra a apreciação da matéria pelos vereadores sem antes a realização de um amplo debate público. O texto do PL deixa claro que a Prefeitura vem sofrendo perda de arrecadação e pretende cobrir o buraco retirando R$ 25 milhões mensais dos recursos da Funserv (Fundação de Seguridade dos Servidores Públicos de Sorocaba).
Este é o valor que o Tesouro Municipal é obrigado a aportar mensalmente à Funserv para cobrir um déficit causado pela própria Prefeitura entre 1993 e 2005, quando os ex-prefeitos Paulo Mendes e Renato Amary deixaram de repassar a contribuição patronal à previdência do servidor. Agora, quase 20 anos depois, em substituição aos aportes do Tesouro, a Prefeitura propõe repassar os valores retidos do Imposto de Renda dos servidores, reduzindo as despesas do município e, em tese, eliminando o déficit da Funserv em longo prazo, tática que levanta dúvidas entre os servidores.
Tão logo a matéria foi protocolada na Câmara na manhã desta terça-feira, 11, os servidores começaram a questionar seu conteúdo em um grupo de Watsapp organizado no domingo para tratar sobre problemas relacionados ao fundo de atendimento à saúde do Funserv. O grupo trocou de nome e agora se chama “Todos contra o PL 219/2023”. Uma mobilização foi iniciada para exigir o adiamento da votação até a realização de um debate em audiência pública. Nesse sentido, os servidores convocaram a categoria para se fazer representar durante as extraordinárias desta quinta-feira e manifestar sua rejeição ao PL.
A Prefeitura atribui a tentativa de usar o dinheiro da aposentadoria do servidor a uma queda na arrecadação do Município, que alcançou a soma de R$ 50,5 milhões de janeiro a maio de 2023 e deve chegar a R$ 116 milhões até o final do ano. De acordo com o projeto, esta perda se dá em virtude da queda da transferência de recursos da União e do Estado, especialmente do ICMS.
O texto enviado à Câmara alega que a redução do Orçamento do Município, chamada de frustração orçamentária, causou o comprometimento de 91,12% da receita com as despesas em maio deste ano, índice muito próximo do teto constitucional de 95%. Se o teto for superado em uma fração de milésimos que seja, a Prefeitura será obrigada a congelar salários, suspender promoções e cancelar concursos públicos, entre outras medidas de contenção de gastos, tecnicamente chamadas de vedação.
A linguagem do texto é incompreensível para a maior parte dos servidores. O ex-presidente do Sindicato dos Servidores, Sérgio Ponciano de Oliveira, postou mensagem no grupo de Watsapp na madrugada desta quarta-feira, 12, compartilhando o que entendeu sobre o teor do projeto e convocando a mobilização pela retirada da matéria da Câmara e o seu debate em audiência pública.
A atual presidente da Funserv, Silvana Chinelatto, tem um entendimento diferente. Ela acha bom o projeto, mas não tem convicção de sua sustentabilidade, segundo disse em entrevista ao Portal Porque na tarde de terça-feira, 11. À noite ela publicou vídeo nas redes sociais ressaltando que o Funserv não solicitou mudanças e que os estudos atuários indicam que o seu modelo é eficiente. Ao Porque, relatou que ficou sabendo na semana passada da intenção da Prefeitura em zerar o déficit do Funserv, mas não esperava que “eles” viessem na segunda-feira, 10, com um projeto já pronto para ser votado logo na quinta-feira, 13.
Silvana se refere aos secretários de Governo, Beto Maia; da Fazenda, Marcelo Regalado, e de Assuntos Jurídicos, Douglas Domingos de Moraes. De acordo com Silvana, o trio solicitou uma reunião com o Conselho de Administração do Funserv, composto por 26 funcionários representando vários os setores do governo municipal. “Na semana passada nós fizemos uma reunião sobre cálculo atuarial. Até aí normal, pois fizemos vários ensaios, até contratamos uma empresa atuária para ver se nosso modelo é sustentável, por quanto tempo é sustentável”, contou Silvana.
O cálculo atuarial é um estudo de sustentabilidade dos fundos do regime de previdência privada dos servidores públicos (RPPS). O trabalho pode prever a durabilidade do dinheiro destinado ao pagamento das aposentadorias e pensões de acordo com a idade dos segurados, valores pagos, tempo de contribuições e outros fatores. De acordo com Silvana, a análise atuarial contratada pelo Funserv foi feita por recomendação da própria Prefeitura e, na semana passada, os secretários solicitaram a reunião para discutir seu resultado — que acabou servindo para embasar o PL em discussão.
“Depois eles pediram outra reunião para ontem (11) para discutir a sustentabilidade. Mas a gente não imaginou que já era um projeto de lei. Até poderia ser um projeto, mas não que ia entrar na quinta-feira. A Prefeitura poderia dar tempo para a gente estudar”, comentou Silvana. Mas ela admite considerar boa a proposta, embora não saiba de que forma será concretizada. “É uma coisa boa, pois põe um aporte financeiro por muitos anos que garante que não falte dinheiro para a previdência. Até 2117 este recurso fica amarrado à previdência, o que é uma coisa boa”, comentou a presidente. “Agora, como e em que momento isso aqui vai se realizar, ano após ano, eu não sei falar porque quem calculou foi a Prefeitura”, acrescentou.
Temerário
Já o ex-presidente do Sindicato dos Servidores, Sérgio Ponciano, considera que os cálculos da Prefeitura não são convincentes e deixam dúvidas quanto à sustentabilidade. Ele explica que a confusão começou já na construção do Funserv, em 1993, durante a gestão do prefeito Paulo Mendes (1993/1997) e prosseguiu durante a gestão do prefeito Renato Amary (1997/2005). Nenhum deles recolheu a contribuição patronal do fundo previdenciário do servidor e posteriormente, na gestão Amary, a dívida foi anistiada pela Câmara mediante o compromisso da Prefeitura em cobrir o déficit resultante do calote. Este valor hoje é de R$ 25 milhões mensais, que saem do Tesouro Municipal.
Segundo Ponciano, para contornar o déficit causado pelo calote da Prefeitura, em 2007 a Funserv teve que criar outro fundo, exclusivo para servidores admitidos a partir de 2008. “Com o projeto de lei 219/2023, a Prefeitura tenta unificar os fundos e obrigar a Funserv a arcar sozinha com o pagamento integral das aposentadorias e pensões”, analisa ele.
Ponciano acredita que, somente em última instância, quando acabar a reserva do Funserv, a Prefeitura passará a fazer aporte financeiro. “Isso é temerário a médio e longo prazo, pois não sabemos como ficará o equilíbrio atuarial daqui 5, 10 ou 15 anos. Defendo a dispensa/retirada do PL e a realização de audiência pública pela Câmara, para que se dê mais transparência à situação do déficit e, principalmente, às garantias legais aos servidores”, finaliza Ponciano.
Afogadilho
Em entrevista para a rádio Jovem Pan de Sorocaba, o secretário de Relações Institucionais e Metropolitanas da Prefeitura, Luís Henrique Galvão, já se antecipava na manhã desta terça-feira (11) às reações que apenas estavam se iniciando pelo grupo de WhatsApp. “Foi feita apresentação (do projeto) para o Sindicato e os vereadores. A oposição sempre diz que veio no afogadilho (o projeto). Na verdade, a oposição muitas vezes só pensa no pior, não quer achar uma solução. Existem pessoas (vereadores) que fazem 80 indicações de iluminação pública e votam contra o projeto de iluminação”, comentou.
De acordo com o secretário, o projeto vai garantir a sustentabilidade da previdência do servidor. “A Funserv tem dois fundos. O mais antigo é deficitário há anos e a Prefeitura faz aportes mensais para cobrir o déficit de R$ 25 milhões, mais ou menos, mensal. O outro, que era superavitário, mas começou a ficar deficitário este ano, então a intenção é zerar o déficit de uma das massas e, para garantir o pagamentos das aposentadorias, (a Prefeitura) vai repassar parte do IRRF por 95 anos (entre 2023 e 2117, seriam 94 anos). Isso vai garantir os pagamentos (das aposentadorias e pensões) e a Prefeitura vai economizar os repasses mensais. O fundo vai ficar superavitário pela primeira vez”, argumentou Galvão.
Segundo o secretário, as restituições do IRRF continuarão sendo efetuadas sem prejuízos aos contribuintes. “O Imposto de Renda na fonte já fica no município, todo este barulho que teve hoje não existe. Este projeto de lei é a garantia de que o próximo prefeito vai continuar cobrindo este déficit, o que hoje não existe. O projeto do Manga garante 50% do imposto de renda para o pagamento do aposentado, o que nenhum prefeito fez, a garantia de que o dinheiro do servidor está guardado. Pela primeira vez um governo vai assegurar, através de lei, a aposentadoria do servidor. Até agora o município tem feito o repasse sem uma lei, agora tem uma lei indexando ao imposto de renda”, afirma.
Barulho nas redes
Um grupo de WhatsApp criado no domingo, 9, para discutir uma possível privatização da área de saúde do Funserv, mudou totalmente o seu foco logo no começo desta terça-feira, 11, assim que começaram os rumores sobre o projeto de lei 219/2023. Com 643 participantes até às 10 horas desta quarta-feira, 12, o grupo adotou o nome de “todos contra o PL” e seus membros tentam entender o conteúdo do documento.
Logo na madrugada desta quarta-feira o texto de autoria de Ponciano virou argumento para uma petição pública com abaixo-assinado para a realização de debate sobre o PL envolvendo a Prefeitura, a Câmara e os servidores. A confusão de informações entre o grupo é grande, misturando rumores de terceirização da área da saúde, de calote nas aposentadorias e até a declaração de Imposto de Renda.
De acordo com um comunicado da Prefeitura, os servidores terão que obedecer a um calendário para a entrega das declarações de renda que vai de 10 a 28 de julho, de acordo com o setor onde trabalha. Quem não apresentar no prazo exigido poderá ser submetido a um PAD (processo administrativo disciplinar), o que passou a ser relacionado com o projeto de lei que prevê repasses do IR retido na fonte para a Funserv.
Ainda na noite de terça-feira, a presidente do Funserv, Silvana Chinelatto postou um vídeo dando suas explicações e reafirmando que não existe relação entre o projeto de lei que trata da previdência com os serviços de atendimento à saúde dos servidores. Silvana frisou que a diretoria da Funserv e o Conselho de Administração, do qual ela também faz parte, não vê necessidade de mudanças no modelo adotado até agora e espera que os técnicos da Prefeitura consigam eliminar todas as dúvidas.