No início do segundo semestre do ano passado, o prefeito Rodrigo Manga (Republicanos) anunciou que a Prefeitura de Sorocaba iria doar uniformes para todos os alunos da rede municipal, em 2022 – independentemente do poder aquisitivo das famílias. A notícia, publicada e massificada nas redes sociais do prefeito em forma de marketing político, pegou a indústria e o comércio de Sorocaba que trabalham com uniformes de surpresa e teve o efeito de uma bomba no setor.
“Ficamos sabendo, pelas redes sociais do Manga, que a Prefeitura estava mudando o modelo dos uniformes e que pretendia dar os produtos para os alunos. Os confeccionistas ficaram extremamente preocupados com a notícia, pois a gente tinha o modelo antigo em estoque. Conversamos entre nós e ninguém estava sabendo do assunto”, conta uma empresária do ramo, que terá sua identidade preservada.
O PORQUE apurou que, imediatamente após essa divulgação da Prefeitura, um grupo de empresários de Sorocaba solicitou uma audiência com as autoridades municipais, mas só foi atendido cerca de dois meses depois, em 8 de outubro. A reunião, com a presença da secretária de Governo, Samyra Toledo, e do secretário da Educação, Marcio Bortolli Carrara, foi divulgada no site da Prefeitura. Apesar da demora para serem atendidos, os empresários saíram satisfeitos do encontro, com a promessa de que os uniformes não sofreriam mudanças para 2022 e que a Prefeitura estava preocupada com o comércio local.
Ainda segundo apurou o PORQUE, os empresários locais explicaram para os representantes do governo que, logo após o anúncio do prefeito sobre a doação dos uniformes, as vendas haviam caído a zero. As lojas grandes passaram a amargar um prejuízo “absurdo”, na definição de uma fonte consultada, mas sobreviveram. “Mas e o pequeno comércio dos bairros? Muita gente está quebrando, pois a venda de uniformes para os alunos das escolas municipais é o carro-chefe de muitas lojas pequenas”, pondera outro comerciante do setor.
Ao contrário do que prometera na reunião com os empresários, entretanto, o Governo Manga não só mudou o modelo dos uniformes, como abriu uma licitação com regras que inviabilizaram a participação das empresas de Sorocaba. “Só a alteração nos uniformes já foi um tiro fatal em muitos comerciantes, que tinham o modelo antigo em estoque”, revela uma comerciante, destacando que os empresários nunca foram contra a doação de uniformes, mas que precisariam de, pelo menos, um ano para se adaptar à nova realidade.
SOROCABANOS EXCLUÍDOS
Além de mudar o modelo dos uniformes, o Governo Manga lançou um edital de licitação, no final de dezembro, com exigências que praticamente impediram a participação das empresas de confecção de Sorocaba. Segundo uma fonte ouvida pelo PORQUE, o valor do contrato social estabelecido na licitação pela Prefeitura foi o principal obstáculo para que as empresas da cidade tivessem chance de concorrer.
De acordo com o item 13.2.4 do edital, que trata da qualificação econômico-financeira das empresas, as interessadas tinham de “possuir capital social registrado e não inferior a 08% (oito por cento) do valor arrematado do lote”. No caso dos uniformes, por exemplo, o lote estava estimado em R$ 59,8 milhões, ou seja: para participar da concorrência, a empresa teria de ter um capital social de R$ 4,8 milhões. Para concorrer nos três lotes (uniforme, mochilas e tênis), a empresa teria de ter R$ 8 milhões de capital social.
“Nenhuma loja ou confecção de Sorocaba tem esse capital social e pôde participar da concorrência. Nem os grandes empresários conseguiram cumprir as exigências da Prefeitura, imagine os pequenos”, conta a empresária ouvida pelo PORQUE, lembrando que a opção por comprar 200 mil kits (mais de quatro vezes o número de estudantes que usam uniformes) elevou o valor dos lotes a cifras astronômicas.
O disposição de excluir as pequenas empresas da licitação fica clara na resposta dada pela Prefeitura a um pedido de esclarecimento feito por uma empresa interessada. Questionada se a licitação permitia a participação de empresas reunidas sob a forma de consócios, a chefe da Seção de Pregões da Prefeitura respondeu que, apesar de ser permitido por lei federal, “o edital em questão não constou a autorização de participação de licitantes organizados em consórcios de empresas, uma vez que o objeto a ser licitado não é de grande vulto ou complexidade”.
Uma outra fonte ouvida pelo PORQUE, que participou do pregão realizado pela Prefeitura no dia 6 de janeiro, conta que apenas cinco empresas, todas de fora da cidade, participaram da concorrência pública. A WR, do interior de Minas e investigada pelo Ministério Público por denúncias de venda de produtos superfaturados para administrações públicas, acabou vencedora do polpudo contrato de R$ 92,3 milhões.
“Essa doação de uniformes é um prejuízo enorme para Sorocaba em vários sentidos. Primeiro, porque prejudicou as lojas e confecções da cidade. Segundo, porque a Prefeitura comprou, no atacado, por um valor muito mais caro que o preço real dos produtos no varejo. E, terceiro, porque está pagando impostos e gerando empregos em outra cidade, quando poderia ter segurado esses benefícios em Sorocaba. O prejuízo é enorme”, lamenta um empresário.
“Para piorar esta história, os uniformes ainda nem chegaram e já estamos no meio do semestre. Tanto é que voltei a vender uniformes, embora em quantidade muito menor, no mês passado. Os pais ficaram esperando a doação da Prefeitura, que não chegou, e acabaram tendo de comprar”, comenta um lojista.