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Manga quer dar poderes de prefeito aos secretários, incluindo gestão do dinheiro público

Projetos que passam atribuições que hoje são exclusivas do prefeito aos secretários municipais serão votados pela Câmara nesta terça. Propostas são vistas como tentativa de livrar Manga, envolvido numa série de denúncias de corrupção em suas secretarias, de responsabilidades

Fábio Jammal Makhoul (Porque)

Só no último ano, o MP abriu investigação sobre compras suspeitas feitas pelo Governo Manga, sobretudo na Secretaria de Educação, como a aquisição dos kits de robótica, dos CDs do Palavra Cantada e do prédio que vai abrigar a pasta, com suspeita de ter sido comprado por R$ 10 milhões a mais que o preço real. Foto: Divulgação/Prefeitura

Envolvido numa série de denúncias de corrupção em suas secretarias, o prefeito Rodrigo Manga (Republicanos) encontrou uma maneira de tentar se livrar da responsabilidade: ele quer mudar a lei para dar poderes de prefeito os seus 22 secretários municipais, incluindo os poderes de realizar licitações e ordenar pagamentos sem a assinatura do chefe do Executivo. Essas mudanças constam em dois projetos que serão votados pela Câmara de Vereadores nesta terça (7), em sessões extraordinárias convocadas de última hora pelo presidente do Legislativo e aliado do prefeito, Cláudio Sorocaba (PL).

Só no último ano, o Ministério Público abriu investigação sobre compras suspeitas feitas pelo Governo Manga, sobretudo na Secretaria de Educação, como a aquisição dos kits de robótica, dos CDs do Palavra Cantada e do prédio que vai abrigar a pasta, com suspeita de ter sido comprado por R$ 10 milhões a mais que o preço real.

O primeiro projeto em pauta é uma emenda à Lei Orgânica do Município de Sorocaba, que modifica a legislação para que a “ordenação de despesas” deixe de ser uma exclusividade do prefeito. Já o segundo projeto altera a Lei 12.473/2021 para que os secretários municipais possam “praticar atos de gestão financeira, gestão patrimonial, de compras e contratações”. Essa Lei foi criada pelo próprio prefeito Rodrigo Manga, no final de 2021, com a justificativa de “reorganizar” a administração municipal (na prática, a Lei criou quase 200 novos cargos na Prefeitura – leia mais aqui e aqui).

Para a vereadora Iara Bernardi (PT), os dois projetos buscam eximir o prefeito de suas responsabilidades como gestor. “Sou absolutamente contra os dois projetos. Na atual conjuntura é um absurdo tirar da competência privativa do prefeito a ordenação de despesas e pagamentos e transferir esta responsabilidade aos secretários, sem argumentos plausíveis e eficazes”, avaliou a vereadora ao Portal Porque, reiterando que é “absolutamente contrária e votarei não aos dois projetos”.

Já a vereadora Fernanda Garcia (Psol) diz que o “grande objetivo” do prefeito Manga com os dois projetos “é não assinar mais os despachos de compras suspeitas, para evitar que respinguem” nele. “O problema é que, ao liberar o secretariado para realizar movimentações dessa natureza, o prefeito está soltando um cheque em branco nas mãos das suas 22 secretarias. Considerando o histórico do secretariado do prefeito, isso preocupa muito”, avalia a vereadora.

Fernanda destaca que o governo Manga é marcado por escândalos envolvendo alguns dos seus principais secretários. “Desde que assumiu a prefeitura, o secretário [de Recursos Humanos] Rodrigo Onofre foi preso, os secretários Tiago da Guia [Habitação] e Sergio Barreto [presidente da Urbes] são  investigados pela liberação de alvarás para comercialização de áreas públicas e Fausto Bossolo [Administração] e Paulo Henrique Marcelo [Planejamento] são pivôs [e réus] do escândalo da compra superfaturada de R$ 10 milhões no prédio da Secretaria da Educação”, relembra Fernanda.

A vereadora ressalta que, “ao invés aumentar o controle do seu secretariado para coibir ações dessa natureza, Manga prefere dar mais poder a eles, para terceirizar as responsabilidades e se proteger politicamente dos escândalos. Quando tivermos novos escândalos na prefeitura, ele vai alegar ‘que não sabia, que não assinou nada’. Essa postura só reafirma como ele não tem compromisso com a cidade e sim com a sua própria imagem”, analisa Fernanda Garcia.

O Porque conversou com juristas sobre os projetos e pesquisou sobre as decisões judiciais envolvendo ordenamento de despesas por parte dos secretários municipais. O tema é controverso, mas a visão majoritária no meio jurídico é que o prefeito pode passar a função de ordenador de despesas para os secretários. No entanto, ele não se livra da responsabilidade em caso de irregularidades, embora em algumas ações a Justiça tenha dado ganho de causa ao prefeito que provou não ter conhecimento sobre ilegalidades cometidas pelos secretários. Na prática, o prefeito Manga pode ter achado uma brecha na lei para encontrar culpados, que não ele, em eventuais novos escândalos de corrupção.

O que dizem os projetos

Abrindo a ordem do dia das sessões extras, a Câmara discute o Projeto de Emenda à Lei Orgânica nº 11/2022, de autoria do Executivo, que altera a redação do inciso XXI, do artigo 61, da Lei Orgânica do Município de Sorocaba, que trata das atribuições do prefeito municipal quanto aos atos relativos à ordenação de despesas e pagamentos. O projeto de lei altera a redação do para que os secretários municipais possam “praticar os atos licitatórios e contratuais previstos na legislação, bem como autorizar as despesas de suas respectivas secretarias e programas envolvidos com estas”.

Atualmente, o artigo 61 da Lei Orgânica, em seu inciso XXI, diz que é competência privativa do prefeito “superintender a arrecadação dos tributos e preços, bem como a guarda e a aplicação da receita, autorizando as despesas e os pagamentos, dentro das disponibilidades orçamentárias ou dos créditos autorizados pela Câmara”. A nova redação proposta se resume a dizer: “…superintender a arrecadação dos tributos e dos preços dos serviços públicos serviços públicos, bem como a guarda e a aplicação da receita”, excluindo, portanto, a parte que fala da autorização de despesas e pagamentos por parte do prefeito municipal.

Já o Projeto de Lei nº 371/2022, também de autoria do Executivo, altera a redação e inclui dispositivos na Lei nº 12.473, de 23 de dezembro de 2021, que dispõe sobre a reorganização da estrutura administrativa da Prefeitura de Sorocaba. O projeto é um desdobramento da alteração proposta no artigo 61 da Lei Orgânica do Município e tem como objetivo descentralizar a ordenação de despesas das Secretarias Municipais de Sorocaba, atribuindo aos secretários municipais a competência para praticar atos licitatórios e contratuais previstos na legislação, bem como autorizar despesas de suas respectivas secretarias e programas envolvidos.

Nos dois projetos, o prefeito Rodrigo Manga evoca o artigo 37 da Constituição para justificar as propostas. O artigo trata do “princípio da eficiência” governamental e, segundo Manga, “nada mais eficiente para a administração pública que permitir que a função de ordenador de despesas seja exercida pelas pessoas que se encontram em melhores condições para desenvolver esta competência”.

Os dois projetos foram encaminhados pelo prefeito com pedido de votação urgente e, embora controversos, devem ser aprovados, já que Manga possui uma ampla base aliada na Câmara.

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