
Em vez de fiscalizar os atos do prefeito, a Câmara faz vistas grossas e ainda aprova todos os projetos polêmicos de Manga, que fala em ‘parceria’ com o presidente do Legislativo, Cláudio Sorocaba. Foto: Divulgação/Câmara de Sorocaba
O prefeito Rodrigo Manga (Republicanos) encontrou uma forma de se livrar de futuros problemas na Justiça, como o que ocorreu com a compra dos kits robóticas, por R$ 26,3 milhões, e que já resultou num processo por improbidade administrativa e no bloqueio dos seus bens. Neste caso, em sua defesa, o prefeito alegou que não participou da licitação e que a Justiça não pode acusá-lo “pelo simples fato de ter assinado o contrato” (leia mais).
Dois meses atrás, no entanto, o prefeito mudou uma lei para evitar problemas como este. Em março, Manga aprovou na Câmara um projeto que permite, entre outros pontos, que os membros do seu primeiro escalão contratem empresas sem licitação, efetuem o pagamento e administrem o dinheiro de suas secretarias. Na prática, Manga transformou seus secretários em mini-prefeitos, que agora podem dispensar a assinatura do chefe do Executivo em contratos como o do kit de robótica, que tem sérios indícios de superfaturamento e outras irregularidades.
Na época, em março passado, sua proposta foi aprovada com amplo apoio dos vereadores e apenas três votos contrários: Fernanda Garcia (PSol), Iara Bernardi (PT) e Francisco França (PT). A oposição afirmou, durante a votação do projeto, que a mudança feita pelo prefeito passa boa parte dos seus poderes aos secretários e tem um único objetivo: livrá-lo de responsabilidades em caso de denúncias de corrupção.
Só no último ano, o Governo Manga está sendo processado pelo Ministério Público por diversas compras suspeitas feitas, principalmente, pela Sedu (Secretaria de Educação), como a aquisição dos kits de robótica, dos CDs do Palavra Cantada e do prédio que vai abrigar a pasta, cuja denúncia do Gaeco (Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado) aponta para um superfaturamento de mais de R$ 10 milhões.
Desde que assumiu a Prefeitura, em 2021, Manga já teve um secretário preso por corrupção (Rodrigo Onofre, de Recursos Humanos), dois investigados por suspeita de vendas de alvará para obra irregular em área pública (Tiago da Guia, da Habitação, e Sergio Barreto, presidente da Urbes) e outros dois que viraram réus na ação penal sobre a possível compra superfaturada do prédio da Sedu (Fausto Bossolo, da Administração, e Paulo Henrique Marcelo, Planejamento). Bossolo também responde ao processo do kit robótica e está com os bens indisponíveis por causa da compra.
“O grande objetivo do prefeito Manga é não assinar mais os despachos de compras suspeitas para evitar que respinguem em sua futura candidatura à reeleição”, denunciou a vereadora Fernanda Garcia, no plenário da Câmara, durante as discussões do projeto, no dia 7 de março. “Com tantos secretários sendo investigados, o prefeito, ao invés de afastá-los, dá um cheque em branco para que realizem movimentações financeiras. Quando tivermos novos escândalos na Prefeitura, o prefeito vai alegar que não sabia, que não assinou nada”, completou a parlamentar.
A vereadora Iara Bernardi destacou que, antes da mudança, a Lei Orgânica de Sorocaba determinava que as movimentações financeiras da Prefeitura eram de responsabilidade exclusiva do prefeito.
As vereadoras pareciam adivinhar as argumentações que o prefeito Manga usaria dois meses e meio depois, no processo do kit robótica, pelo qual é acusado por improbidade administrativa e está com os bens bloqueados. Conforme reportagem exclusiva do Portal Porque publicada na última sexta (26), Manga pediu o desbloqueio dos bens e, entre as alegações, disse que “apenas” assinou o contrato do kit robótica.
“Em suma: cumprindo formalidade cabível ao cargo de Prefeito do Município, apenas por apor sua assinatura em contrato […], Rodrigo Maganhato deve responder a Ação Civil Pública e, ainda, sofrer constrição patrimonial de tamanho porte? Tal conclusão não parece minimamente razoável”, questiona a defesa, já dando sua resposta.
No recurso, chamado de Agravo de Instrumento, a defesa de Manga admite a possibilidade de irregularidades na compra dos kits de robótica, mas diz que não é possível ligar os eventuais crimes praticados ao prefeito.
“No caso do Prefeito da municipalidade Sorocabana, a probabilidade da ocorrência dos atos descritos na petição inicial […] não se confunde com a probabilidade da ocorrência de tais atos em função de conduta diretamente atribuível a Rodrigo Maganhato! Em outras palavras, aventados indícios de irregularidade do Pregão 165/2021 e do contrato advindo não são capazes de indicar, minimamente, a conduta praticada pelo Agravante que o torne responsável pelo suposto (e presumido) prejuízo ao erário e, tanto mais, por eventual ressarcimento pretendido in casu”, alega.
O Portal Porque conversou com juristas e pesquisou sobre as decisões envolvendo ordenamento de despesas por parte dos secretários municipais. O tema é controverso, mas a visão majoritária no meio jurídico é que o prefeito pode passar a função de ordenador de despesas para os secretários. No entanto, o chefe do Executivo não se livra da responsabilidade em caso de irregularidades, como na compra dos kits robóticas.
A juíza Karina Jemengovac Perez, da Vara da Fazenda Pública de Sorocaba, deve decidir se aceita os argumentos da defesa do prefeito na ação do kit robótica nos próximos dias.
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