Imagine uma cidade em que o prefeito vai até a rodovia bloqueada para apoiar o “protesto” que pede um golpe de Estado. Nesta cidade, tem uma pastora evangélica que se recusa a rezar para criança doente se os pais forem “esquerdistas”. E tem, também, um comerciante que vende pipas para as crianças com a suástica nazista.
Foi assim, de forma negativa, que Sorocaba ganhou as manchetes dos principais jornais do Brasil nos últimos dias. Destaque no noticiário nacional, a cidade foi malhada nas redes sociais e na caixa de comentários dos grandes sites brasileiros.
“Essa cidade de Sorocaba tá saindo cada coisa, misericórdia”, escreveu uma leitora da Folha de S. Paulo, nos comentários da reportagem sobre a pastora que nega orações para crianças. A matéria permaneceu o dia todo como a mais lida do site, em 12 de novembro. “Esta e todas as outras do interior, um bando de falso moralista e conservadores”, respondeu outro leitor.
Neste caso, Sorocaba foi defendida pelo jornalista e professor Luthero Maynard, que mora em São Paulo, mas já trabalhou na cidade. “A cidade de Sorocaba, grande centro universitário, não pode ser confundida com os idiotas que moram lá. Infelizmente, toda cidade tem a sua cota de imbecis. Acredito que o crescimento dessas religiões é diretamente proporcional ao desmanche do ensino público, laico, universal e gratuito. Nos anos 1960, estudantes sorocabanos se notabilizaram na luta em favor do ensino público. Com o golpe de 64 perdemos todos e nasceu o imbecil-massa.”
Confira abaixo três vezes em que Sorocaba foi destaque negativo, nos principais jornais do Brasil, desde que o presidente Jair Bolsonaro (PL) perdeu as eleições, 20 dias atrás.
PREFEITO GOLPISTA

A oração que Manga fez com os golpistas também foi destacada pelos jornais Brasil afora. Foto: Reprodução/Facebook Rodrigo Manga
“Prefeito bolsonarista de Sorocaba confraterniza com manifestantes golpistas em estrada”, anunciou, em destaque, a Folha de S. Paulo, no primeiro dia de novembro. A matéria foi assinada pelo principal editor de Política do jornal de maior circulação nacional, o jornalista Fábio Zanini.
“Em vídeo publicado em suas redes sociais, Manga chega em foco de protestos e é aplaudido e tem seu nome gritado pelos presentes. O prefeito diz que uma das vias está liberada para a passagem de veículos e elogia a manifestação, que diz ser ordeira, organizada e pacífica”, escreveu o jornalista, destacando que o prefeito disse que, “primeiramente”, compareceu ao ato golpista para “garantir que todas as pessoas que estão aqui tenham segurança”.
“Ele também fez uma oração e comemorou o fato de não haver bebida alcoólica no local. Manga é o responsável pelas políticas contra as drogas da Frente Nacional de Prefeitos e recentemente anunciou uma ‘guerra’ contra a Marcha da Maconha, como mostrou a Folha de S. Paulo”, complementou o jornalista.
A “guerra” do prefeito contra a Marcha da Maconha também ganhou destaque nacional, mas as matérias se dividiam entre negativas, positivas e neutra”. Já as reportagens sobre o apoio do prefeito ao ato golpista na Raposo teve desdobramentos nos dias seguintes, quando a mídia nacional deu destaque para as denúncias apresentadas contra Manga ao Supremo Tribunal Federal e ao Ministério Público, por iniciativa do ex-deputado Raul Marcelo (Psol).
PASTORA DO ÓDIO

A reportagem sobre a pastora na Folha de S. Paulo foi a mais lida do dia 12 e mobilizou os leitores que produziram quatro páginas de comentários. Foto: Reprodução/Facebook
O caso da pastora que odeia “crentes esquerdistas” causou mais repercussão ainda. Na Folha de S. Paulo, a reportagem foi a mais lida do dia 12 e mobilizou os leitores que produziram quatro páginas de comentários.
“A pastora Michelly Bezerra, da Assembleia de Deus, publicou um vídeo em suas redes sociais no qual nega orações para crianças internadas em UTIs (unidades de tratamento intensivo) que tenham sido pedidas por ‘crentes esquerdistas’”, inicia a reportagem,
No vídeo compartilhado pela religiosa, tirado do ar poucas horas depois, no dia 11, ela afirma se sentir na obrigação “de passar um recadinho para os crentes esquerdistas”. E prossegue: “Por favor, não me procurem mais para pedir oração por crianças que estão na UTI, crianças de seus amigos, sobrinhos, sobrinhas, que estão correndo risco de vida, porque quem vota em alguém que é a favor de aborto, pra mim, deixa bem claro que a vida de uma criança não é importante, nem necessária, nem vale nada”, afirmou.
Ao G1, que divulgou as imagens antes que elas fossem tiradas da internet, a pastora que atua na Assembleia de Deus do Éden, enviou uma mensagem se desculpando sobre a postagem: “Peço desculpas se alguém se ofendeu. Nunca foi a intenção”.
Assim como no vídeo, a pastora usa outras postagens em suas redes sociais para defende o presidente Jair Bolsonaro, derrotado nas urnas por Lula. “Não venha me dizer que vive a Bíblia e que tem um compromisso com Cristo, quando você usa de tanta ira pra atacar um presidente da República que diz que o Brasil está acima de todos e que Deus está acima de tudo.”
Em nota enviada ao PORQUE, a pastora Michele Bezerra diz que o vídeo foi editado e distorcido. “Disse ( por favor não me procure mais para pedir oração ) nunca disse que não oraria. Porque qualquer um que me pedir oração mesmo os que me perseguem oro [SIC]”, disse a pastora.
PIPA NAZISTA

A detenção do comerciante que vendia pipas com a suástica nazista foi noticiada em primeira mão pelo PORQUE e ganhou os jornais de todo o Brasil. Foto: Maíra Fernandes/PORQUE
Noticiada em primeira mão pelo PORQUE (leia mais), a detenção de um comerciante de Sorocaba que vendia pipas com desenhos que remetem a símbolos nazistas foi outra notícia que colocou a cidade em destaque nacional. O caso ocorreu no dia, em uma loja no bairro Vitória Régia.
A denúncia foi feita à Comissão de Direitos Humanos da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) local. Advogados que fazem parte da comissão foram ao estabelecimento comercial e encontraram as pipas com desenhos que parecem de suásticas, um símbolo nazista.
A Comissão de Direitos Humanos deu voz de prisão ao proprietário do comércio, junto com um policial civil que também fazia parte da fiscalização. Segundo o advogado Hugo Bruzi Vicari, presidente da comissão, a ordem de prisão foi justificada pelo artigo 20, parágrafo primeiro, da lei 7.716/89, que estabelece reclusão de dois a cinco anos e multa para quem fabricar, comercializar, distribuir ou veicular símbolos, emblemas, ornamentos, distintivos ou propaganda que utilizem a cruz suástica ou gamada, para fins de divulgação do nazismo.
O comerciante foi levado ao plantão policial da zona norte de Sorocaba, prestou depoimento e em seguida foi liberado. Segundo a OAB, a Polícia Civil entendeu que o caso não preenchia os requisitos para uma prisão em flagrante. Ele disse que desconhecia o símbolo e que comprava as pipas em caixas fechadas e não tinha a intenção de fazer apologia ao nazismo.
Caso seja comprovada a simbologia nazista, o comerciante poderá responder processo criminal pelo caso. “A Comissão de Direitos Humanos seguirá vigilante e acompanhando o desdobramento deste inquérito”, disse Bruzi. “Racismo é crime, não é brincadeira de criança. Estamos vivendo em tempos que a distorção de valores está escancarada na sociedade, que se põe a validar discursos de ódio, discriminatórios e fascistas”.