Com um salário de R$ 12 mil, o vereador Cícero João (PSD) reclamou que os vereadores não têm condições de ir nem à Praia Grande, enquanto o secretário da Urbes, Sérgio Barreto, passa vinte dias viajando pelo exterior e gastando em dólar (veja vídeo). A reclamação foi feita no plenário da Câmara, durante a sessão legislativa desta quinta (20), e repercutiu mal entre a população, que ainda digere o reajuste que os vereadores se concederam para a próxima legislatura e que elevará seus salários para R$ 18 mil (leia mais).
A reclamação de Cícero João faz parte de um histórico de desentendimento entre os vereadores da base aliada do prefeito Rodrigo Manga (Republicanos) e os secretários municipais. Já faz alguns meses que o primeiro escalão de Manga tem sido alvo do chamado fogo amigo na Câmara.
Na sessão de quinta-feira passada (13), por exemplo, o vereador Cristiano Passos (Republicanos) usou a palavra para reclamar do secretário de Serviços Públicos e Obras, Darwin de Almeida Rosa. “Quero fazer uma cobrança. Faz dias que a gente manda mensagem para o secretário Darwin e não tem retorno. Se minha esposa fosse secretária municipal, ele atenderia; como ela não é, ele demora para atender”, disparou.
Já na sessão desta quinta, Cícero João foi além e fez uma afirmação que pode ser interpretada como acusação de enriquecimento ilícito do presidente da Urbes. “O MP [Ministério Público] precisa ver se o poder aquisitivo do secretário permite que ele fique vinte dias no exterior [nas Bahamas e nos Estados Unidos, segundo Cícero], gastando em dólar. É melhor ele [Sérgio Barreto] começar a nos atender, senão vamos mostrar a verdade aqui”, ameaçou.
As palavras de Cícero João repercutiram mal também no meio político. Assim que o vereador terminou sua ameaça, não faltou quem lembrasse que, no final do ano passado, Cícero João publicou uma série de vídeos e lives em suas redes sociais chamando Manga de corrupto e prometendo denunciar, com provas, o que ele chamou de enriquecimento ilícito do prefeito.
Dias depois, Cícero João não apenas não apresentou nenhuma denúncia, como apagou todos os vídeos. Logo em seguida, apareceu ao lado de Manga nas redes sociais do prefeito, com ambos trocando elogios e falando em trabalho em conjunto. Atualmente, Cícero voltou a fazer parte da base aliada de Manga e tem votado, sempre, de acordo com os interesses do prefeito.
Cargos na Prefeitura
Os vereadores da base aliada do prefeito Manga costumam nomear pessoas de confiança para importantes cargos na Prefeitura. O próprio Sérgio Barreto é tido como uma indicação do vereador Silvano Júnior (Republicanos). A ligação entre os dois é antiga: o pai do atual presidente da Urbes, Davi Barreto, já falecido, trabalhou por doze anos no gabinete do pai do parlamentar, o ex-vereador Tonão Silvano. No ano passado, Davi foi homenageado por Silvano Júnior, que deu o nome do funcionário do pai à estação Vila Angélica do BRT.
A proximidade de Sérgio Barreto com parte dos vereadores também contribuiu com a péssima repercussão que a reclamação de Cícero teve na Câmara. Durante sua fala, Cícero chegou a ser interrompido pelo presidente do Legislativo, Cláudio Sorocaba (PL), que tentou, em vão, parar as críticas do colega.
“Cícero, o Serginho é nosso amigo, essa pasta que você tá falando não é do Paschoini?”, questionou Cláudio Sorocaba, num misto de defesa a Sérgio Barreto e ataque a Carlos Eduardo Paschoini, secretário de Mobilidade. “Mas tô falando da Urbes agora, do Sérgio Barreto”, respondeu Cícero João, que é tido como homem forte das nomeações no Saae. Nos corredores da Câmara, costuma-se ouvir uma “brincadeira”, sobre uma possível falta d’água em Sorocaba, caso os indicados de Cícero sejam demitidos do Saae, tamanha a quantidade de nomes.
Reclamações viraram rotina
As reclamações dos vereadores, sobre o que consideram ser um descaso dos secretários municipais com suas demandas, já viraram rotina na Câmara. Na sessão legislativa de 9 de fevereiro, dois dias depois de os vereadores aprovarem dois projetos polêmicos e inconstitucionais do prefeito sobre a Marcha da Maconha (leia mais), os parlamentares usaram boa parte do tempo regimental com reclamações.
O vereador Fernando Dini (MDB), por exemplo, manifestou sua “insatisfação”, inclusive com o prefeito: “Faz 15 dias que estou implorando, mendigando, por um horário com o prefeito. Ele não me atende e nem dá resposta. Só hoje, liguei seis vezes para o secretário [de Relações Institucionais, Luis Henrique Galvão] e ele não atende. Confunde amizade com trabalho”, disparou.
Antes de citar o nome do secretário Galvão, Dini fora interrompido pelo presidente Cláudio Sorocaba: “De que secretário você está falando, Dini? Por acaso é o do Saae? Porque aquele não atende mesmo e fica até bravo quando a gente liga. Parece que o prefeito tem uma barreira em torno dele pra que a gente não o incomode”, cutucou o presidente da Câmara. Dini completou: “Tá igual ao ex-prefeito Crespo, que a gente tinha de mandar e-mail solicitando uma reunião”, disse.
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