Marçal veio de Fortaleza, Ceará, e percorreu 3 mil quilômetros. Gabriella veio de Goiás, um pouco mais perto, 900 quilômetros. Bianca, do Rio de Janeiro, veio com pouco dinheiro e ficou hospedada na casa de um amigo que mora na região. Renato, de Limeira, está desempregado e teve de emprestar dinheiro pra chegar até aqui. Paulo, morador de Marília, veio de moto e também não tinha muito dinheiro para gastar. Emerson mora perto, em Osasco, mas saiu de casa às quatro da manhã e só voltou às oito da noite.
Essas são as histórias de algumas pessoas que vieram de outras cidades e Estados para fazer a prova do concurso público da Câmara de Sorocaba; pessoas que investiram tempo e dinheiro, e que agora estão frustradas com o escândalo das perguntas copiadas. Apesar de todo prejuízo que sofreram, as pessoas entrevistadas pela reportagem fizeram questão de ressaltar que defendem o cancelamento do concurso. Para os candidatos de fora ouvidos pelo PORQUE, a realização de um novo concurso é a única saída para garantir a lisura do processo, após a constatação de que parte da prova foi copiada de um concurso aplicado quinze dias antes, no interior do Maranhão (leia mais aqui).
Desempregado há quatro anos, Renato da Silveira, de 30 anos, mora em Limeira, na região centro-leste do Estado, e veio para Sorocaba tentar uma vaga de analista de RH no concurso da Câmara. Sem recursos e “lascado”, como se define, emprestou dinheiro para fazer a viagem. “Gastei quase R$ 400, entre inscrição, Uber, ônibus e aluguel de quarto pelo Airbnb. Tempo e dinheiro jogados no lixo. Meu relato tem gosto de frustração, com leve toque de arrependimento”, conta Renato, ressaltando que, apesar de desempregado, seu pedido de isenção da taxa de inscrição foi negado pela Avança SP, empresa responsável pelo concurso e agora acusada de plágio.
UMA VIDA DE RENÚNCIAS
Bianca Felizarda de Oliveira, de 37 anos, mora no Rio de Janeiro e prestou o concurso em Sorocaba para a vaga de Oficial Legislativo da Câmara. Sem dinheiro para pagar por um hotel, Bianca ficou hospedada na casa de um amigo, em São Roque. Só com as passagens de ida e volta, ela pagou R$ 293,99.
“Eu estava estudando para outro concurso quando soube deste edital. Fiz uma pausa e me dediquei exclusivamente a ele. Fiz uma breve pesquisa sobre a banca e foi desconfiança à primeira vista, mas resolvi tentar assim mesmo”, conta Bianca, que emenda: “Estou indignada, porque quem estuda para concurso não está de brincadeira. É uma vida de renúncias e sacrifícios e merecemos respeito. Não podem brincar com nossos sonhos assim. Estou torcendo para que este concurso seja cancelado. Seria o mais justo. Todo o processo já está corrompido, o cancelamento seria o mais justo.”
Já Paulo Caetano da Silva, de 47 anos, mora aqui mesmo no Estado, em Marília, mas sua viagem de ida e volta somou 720 quilômetros. Ele veio de moto para tentar uma vaga de oficial legislativo. “Com combustível, hospedagem e alimentação, creio que gastei em torno de R$ 380 na viagem. Ficou barato porque fui econômico, tudo pelo menor preço”, diz Paulo, rindo e procurando manter o bom humor, apesar da situação.
DUAS VEZES CANDIDATO
Aos 32 anos, Emerson da Silva, de Osasco, veio a Sorocaba para disputar duas vagas no concurso da Câmara. Pela manhã, Emerson fez a prova de oficial legislativo e, à tarde, disputou uma vaga de telefonista. “Fui de ônibus para Sorocaba fazer as provas. Saí de Osasco às quatro da madrugada no domingo e cheguei por volta das oito da noite”, relata Emerson, que gastou aproximadamente R$ 200 com as despesas de viagem.
Além do plágio, Émerson reclama da desorganização do concurso. “Na prova de oficial legislativo, não foi apresentado o envelope com as provas e gabaritos lacrados. Os fiscais não passaram nenhuma orientação e mal marcaram o tempo de prova pra gente controlar. Para ir ao banheiro, não tinha detector de metais para garantir que ninguém entraria com algum aparelho eletrônico”, diz.
Já na prova de telefonista, Émerson conta que a fiscal apresentou o envelope lacrado, mas não tinha ninguém para acompanhar os candidatos na ida ao banheiro. “A fiscal entregou a prova e já liberou o pessoal para começar, mesmo sem ter entregue a todos, o que compromete a isonomia do certame”, avalia.
Émerson diz que ficou indignado quando viu a primeira matéria sobre o plágio. “Isso pode configurar fraude. Conheço gente que trabalha em gráfica grande em São Paulo, me falaram que o procedimento de segurança é rígido quando fazem provas de concurso. Aí me vem a banca e usa questões que estão disponíveis na internet? Só pode ser brincadeira, e de muito mau gosto. Estão tirando os candidatos de otário. A Câmara de Sorocaba pode não ter pagado nada na contratação, mas só de taxas de inscrição a banca arrecadou mais de um R$ 1 milhão para fazer essa presepada com a gente. Essa prova tem de ser anulada e a banca reembolsar todo mundo que se sentiu lesado. E o novo concurso deve ser conduzido por uma banca séria, que respeita o candidato”, conclui.
Émerson administra um grupo de WhatsApp com cerca de 200 pessoas que participaram da prova e agora se organizam para lutar pelo cancelamento do concurso da Câmara de Sorocaba.