
Uma parcela significativa dos evangélicos expressa indignação contra o uso do púlpito para pedir votos. Foto: Reprodução
Comumente identificados com os setores mais à direita do cenário político – e, portanto, com o eleitorado de Jair Bolsonaro (PL) e seus genéricos –, os evangélicos evidenciaram, nesta reta final de campanha, que não compõem um grupo homogêneo como o senso comum imagina, e que são numerosos os que, em seu meio, não só rejeitam o bolsonarismo e tudo o que ele representa, como defendem, à luz da própria doutrina cristã, um posicionamento firme em favor de um projeto progressista de governo.
Para quem convive com evangélicos de carne e osso – parentes, vizinhos, colegas de trabalho — e não apenas com os estereótipos reproduzidos por setores da política e da imprensa que costumam fazer uma leitura superficial desse segmento, o apoio ao candidato Luiz Inácio Lula da Silva (PT), manifestado pela Frente de Evangélicos pelo Estado de Direito, não foi uma surpresa. O manifesto divulgado pelo grupo mostra que, assim como outras denominações religiosas, os evangélicos estão divididos, embora as pesquisas apontem, entre os que optaram por se engajar politicamente, a predominância de bolsonaristas.
É interessante notar, no entanto, que o voto em Bolsonaro, estimulado por líderes controversos, habituados a cruzar o céu em jatinhos milionários e assumidamente empenhados em amealhar fortunas e bens materiais, incomoda, e muito, a uma parcela significativa dos evangélicos, cansados de ver a fé transformada em mercadoria. Eles expressam indignação contra o uso do púlpito para pedir votos, e, mais ainda, porque isso ocorre em benefício de um presidente que renegou, em numerosas ocasiões, os princípios mais elementares do próprio Cristianismo.
É impossível fazer prognósticos sobre o futuro do casamento da fé cristã com o bolsonarismo, mas não há motivos para acreditar que essa união persista por muito tempo, e menos ainda que o bolsonarismo tenha o poder de definir o ethos, a essência vital do movimento evangélico. Alianças baseadas na mentira e na manipulação tendem, historicamente, ou a esgotar-se em si mesmas, soterradas pelo colapso estrutural de suas frágeis premissas, ou a sobreviver circunscritas a bolhas, como certos movimentos existentes dentro de outras religiões tradicionais, como o catolicismo.
De toda forma, é saudável constatar que, entre os evangélicos e os religiosos de maneira geral, a consciência política dos cidadãos consegue pairar acima das tentativas de controle em massa, engendradas por lobistas e alpinistas sociais disfarçados de líderes espirituais, em conluio com o que existe de mais retrógrado nos setores que detêm alguma forma de influência econômica ou política. O Estado Democrático de Direito depende desse descortino, dessa centelha de lucidez que leva o cidadão a renegar os falsos profetas, consciente de que, ao fazê-lo, não negligencia sua fé, mas, pelo contrário, a protege e fortalece.
*José Carlos Fineis é jornalista e editor-chefe do Portal Porque.