
Foto: José Carlos Fineis
Afinal, Sorocaba é rica ou é pobre?
É rica, dirão alguns. Uma cidade cuja Prefeitura dispõe de R$ 26 milhões para torrar em brinquedinhos de robótica (que sequer foram aproveitados didaticamente, mas enviados para casa, para que os alunos os montassem com seus pais) só pode ser rica.
É pobre!, garantirão outros, alarmados ora com a falta de vigilância que facilita os furtos de fiação elétrica em prédios públicos, ora com as goteiras que impedem escolas de funcionar, ora com a ausência de médicos, de remédios e até de água potável em unidades de saúde.
É rica!, insistirão os que acreditam que, assim não fosse, não haveria justificativa para a compra de um prédio pela Prefeitura, num dos bairros mais caros da cidade, pela “bagatela” de R$ 29,8 milhões, apesar de o imóvel, segundo confessou o próprio avaliador, valer bem menos.
É paupérrima!, rebaterão os que convivem, diariamente, com os ônibus lotados, com as ruas esburacadas, com as calçadas e terrenos tomados pelo mato, com a iluminação deficiente de ruas e praças, com os roubos e furtos que obrigam comerciantes a baixarem suas portas.
É riquíssima, argumentarão os que se encantam com o fato de a Prefeitura se dar ao luxo de gastar com palco, sistema de som, tenda e placas comemorativas a cada anúncio de obra, ainda que não sejam, as obras, em sua maioria, mais do que meros serviços de manutenção em áreas públicas.
É pobre demais, sustentarão os que não se conformam com o fato de a Prefeitura não gastar um centavo de seu orçamento com a aquisição de cestas básicas para alimentar os famintos, limitando-se a intermediar a distribuição de doações da comunidade e do governo do Estado.
Sorocaba, como se vê, é rica e é pobre ao mesmo tempo. É rica no que interessa aos seus governantes, especialmente licitações e aquisições milionárias. E é pobre quando se trata, por exemplo, de investir em Cultura, vergonhosamente desprezada por pessoas que, ao que parece, nunca leram um livro.
Pobre cidade rica! Sequestrada pela demagogia e por interesses duvidosos, que levam Executivo e Legislativo – numa sinergia jamais vista antes – a criar, sem o menor pudor, dezenas de cargos de livre nomeação na Prefeitura, para acomodar apadrinhados políticos, cabos eleitorais, gente de partido… O bando todo!
Nessa mesma cidade em que os vereadores gastam dezenas de milhares de reais em medalhinhas para fazer proselitismo político, seres humanos reviram contêineres de lixo em busca de algo para comer e o número de favelas explode, no vácuo de políticas habitacionais que funcionem.
Sorocaba, em muitos sentidos, é rica, sim. Tem dinheiro para jogar fora em kits de educação financeira, brinquedos de plástico, CDs obsoletos, sorteios festivos de apartamentos que sequer começaram a ser construídos e muitas, muitas placas de inauguração de “obras” insignificantes.
Mas Sorocaba, paradoxalmente, é pobre. Porque a riqueza que enche os bolsos de alguns, por vezes em circunstâncias suspeitas, não se reflete em qualidade de vida para seus habitantes, condenados a sentir na pele a decadência de setores já por si deficitários, como a Saúde e a Educação.
O que dizer de um município cuja Prefeitura não contrata auxiliares de educação e cuidadores em número suficiente para as escolas, mas gasta milhões em propaganda televisiva, para convencer os desavisados de que a cidade se transformou num “canteiro de obras”?
O cenário político de Sorocaba não deixa margem para dúvidas. A cidade pode ser rica em muitos sentidos, mas, por obra de uma geração de homens públicos dominada, com poucas exceções, pela ambição e pela mediocridade, padece dessa pobreza crônica que é a mãe de todos os males.
Ela mesma. A pobreza de espírito.
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*José Carlos Fineis é editor-chefe do Portal Porque