
Mesmo que não convoque o prefeito Rodrigo Manga (Republicanos), como requereu o deputado federal Rogério Correia (PT-MG) no início desta semana, para depor sobre seu apoio aos atos golpistas que se seguiram à vitória de Luiz Inácio Lula da Silva sobre Jair Bolsonaro, em novembro e dezembro de 2022, a CPMI do 8 de janeiro já terá prestado um serviço inestimável à História recente de Sorocaba e do Brasil, ao inscrever o nome do prefeito sorocabano entre as pessoas que, consciente e premeditadamente, deram apoio explícito à tentativa de golpe contra a democracia, a paz social e a liberdade do povo brasileiro.
Manga, que considera uma ofensa ser chamado de medíocre, a ponto de ameaçar com processo criminal um munícipe que ousou classificá-lo dessa maneira, pode se orgulhar de não ter sido nem de longe mediano em sua associação a um dos movimentos mais torpes da história nos quase 40 anos de redemocratização do Brasil. Seu apoio aos golpistas que interditaram a rodovia Raposo Tavares e, depois, aos que permaneceram por quase dois meses acampados diante de uma instalação do Exército no bairro Santa Rosália, a clamar por um golpe de Estado, nada teve de medíocre. Foi excepcional.
Porém, justiça seja feita, outros nomes mereceriam ser lembrados pela CPMI, se não com um requerimento de convocação, ao menos com uma “menção desonrosa”. Afinal, o prefeito que confraternizou com os caminhoneiros golpistas na Raposo Tavares, exaltando-os por realizarem um movimento (a seu ver) legítimo e pacífico, não esteve sozinho nesse esforço descomunal para fingir que nada havia de errado e tratar como normal um crime contra o Estado Democrático de Direito, praticado à luz do dia por um bando de perdedores frustrados e inconsequentes.
Sorocaba, é preciso que se registre para a História, sofreu por aqueles dias um apagão de autoridade, muito provavelmente por serem, aqueles que deveriam fazer valer a lei e a ordem, simpáticos à possibilidade de um golpe de extrema-direita, amparado numa quartelada digna de uma república de bananas, mesmo que isso custasse ao povo brasileiro as liberdades conquistadas com sangue, suor e lágrimas por gerações de democratas — estes sim, patriotas de verdade, muitos dos quais sacrificaram a própria vida para ver seu País livre de ditadores, opressores e fascistas de toda ordem.
O acampamento golpista de Santa Rosália foi amparado, tolerado e em larga medida estimulado por autoridades que deveriam, como providência incontornável dos cargos que ocupam, proibi-lo e enquadrar seus participantes por incitar as Forças Armadas “contra os poderes constitucionais, as instituições civis ou a sociedade” — crime previsto no artigo 286, parágrafo único do Código Penal. Crime este que, em Sorocaba, foi brindado com a impunidade, apesar de o acampamento estar localizado à vista de todos, a pouca distância das sedes dos órgãos municipais, estaduais e federais que tinham por obrigação coibi-lo.
Como se sabe, tais autoridades, em sua quase totalidade omissas no que concerne às obrigações dos cargos que ocupam, colheram o resultado medíocre de sua negligência histórica, e se recolheram covardemente à inoperância que, para elas, tem sido, desde que a extrema-direita assumiu o controle da administração pública em Sorocaba, um misto de abrigo e esconderijo, uma espécie de zona de conforto de onde — com raras e honrosas exceções — assistem às mazelas político-administrativas da cidade com uma complacência só encontrada em simpatizantes, para não dizer em bons companheiros.
O Portal Porque se orgulha de não fazer parte dessa confraria promíscua e desacreditada, que a tudo assiste sem expressar a mínima reação. Logo no dia 6 de novembro de 2022, apenas quatro dias depois do bloqueio da Raposo Tavares e do início do acampamento em Santa Rosália, este portal publicou um editorial sob o título “O acampamento de Santa Rosália é uma vergonha para Sorocaba e suas autoridades”. Daquele texto, que muito orgulha a todos os que atuam neste órgão de comunicação, destacamos um trecho, que, por sua atualidade e pertinência, merece ser lembrado. Diz ele:
O acampamento de Santa Rosália é uma vergonha para Sorocaba e suas autoridades, assim como foi uma vergonha de proporções nacionais o apoio do prefeito Rodrigo Manga (Republicanos) aos golpistas que bloquearam a rodovia Raposo Tavares, causando prejuízos generalizados à população. A sensação que se tem, diante desse estado de coisas, é que Sorocaba se tornou uma terra sem lei e sem comando, onde tudo é permitido – desde que esse “tudo” tenha origem na extrema-direita e encontre respaldo na anemia moral de uma parte da classe dirigente.
Felizmente, prevaleceram o juízo e o bom senso entre as Forças Armadas, que não se deixaram seduzir pelo canto de sereia dos defensores de um golpe de Estado. O Brasil, mais do que nunca, é um país democrático, e aos conspiradores resta apenas a repulsa dos verdadeiros democratas, assim como a certeza de que serão lembrados por sua festiva negligência ou, quem sabe, a depender do azar ou da sorte, a oportunidade de depor perante todo o Brasil em uma CPMI e tentar, com a verve que lhes é peculiar, justificar a traição à democracia com alguma mediocridade tirada de seu vasto arsenal.
José Carlos Fineis é editor-chefe do Portal Porque.