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Procura-se um projeto habitacional para Sorocaba, com urgência

Redação Porque

É inacreditável que o prefeito Rodrigo Manga, autoproclamado conhecedor profundo dos problemas de Sorocaba, depois de dois barulhentos mandatos de vereador e de centenas de horas de transmissões ao vivo para vender a ideia de que é um prefeito eficiente, tenha baseado sua principal promessa de campanha – proporcionar acesso à casa própria para a população de baixa renda – em um projeto habitacional tão limitado quanto o Casa Nova Sorocaba.

Na verdade, em teoria, não há nada de errado com o projeto de parceria público-privada (PPP), apresentado pelo prefeito como um ovo de Colombo desde a campanha eleitoral. O projeto é lindo. Parte de um arranjo engenhoso que certamente teria boas chances de produzir bons resultados, se o déficit de Sorocaba fosse algo em torno de 500 moradias, e não de 46 mil, como demonstra o número de pessoas inscritas no cadastro habitacional da Prefeitura.

A inviabilidade das PPPs para uma solução em larga escala (sem levar-se em conta o fator tempo, tendo em vista que o primeiro empreendimento, com sorte, só ficará pronto daqui a três anos; portanto, depois do final do mandato de Manga) é uma questão matemática que qualquer criança boa de cálculo seria capaz de prever. Na verdade, basta dominar as quatro operações básicas para concluir que o Casa Nova nasceu fadado a ser, quando muito, um projeto de vitrine, bonito para mostrar aos incautos na campanha eleitoral, mas incapaz de solucionar a crise da moradia.

Para não alongar demais o raciocínio, não vamos discutir uma questão central das PPPs, que é o fato de que o terceiro P (no caso, a iniciativa privada) precisa ser convencido a investir tempo e dinheiro em um projeto de interesse público. Se a iniciativa privada, que é movida a lucro, não enxergar vantagem em receber áreas públicas para construir conjuntos habitacionais para a população de baixa renda, o projeto trava em seu nascedouro. Mas, para não perder o foco, partamos do pressuposto de que os empresários queiram participar.

O prefeito afirma que realizará 40 empreendimentos no total. O único desses 40 empreendimentos levado a licitação até agora – depois de um ano e quatro meses de mandato – é o do Jardim Tropical, que deverá oferecer, após um prazo de três anos a partir da assinatura do contrato com a empreiteira vencedora, 80 unidades assim chamadas “sociais”, sendo 26 gratuitas e as demais com descontos de 25% a 75%. Os demais apartamentos não entram na conta porque serão vendidos a preço de mercado. Eles são o lucro do empreendedor.

Mesmo considerando-se como sendo “sociais” os apartamentos com desconto de 25% (o que é discutível), o fato é que 80 unidades por empreendimento é muito pouco, diante do déficit de dezenas de milhares de moradias já constatado pela Prefeitura. Numa perspectiva extremamente otimista, se o Governo Manga vencesse em tempo recorde toda a burocracia envolvida numa licitação e conseguisse viabilizar este e outros 39 empreendimentos com igual número de moradias sociais, o máximo que conseguiria oferecer, ao cabo de tudo, seriam 3.200 apartamentos.

Isso, entretanto, já está sendo descartado pela própria Prefeitura. Em conversas não tão reservadas pelos corredores do Paço, já se cogita a possibilidade de deixar encaminhadas, no máximo, mais três ou quatro licitações daqui até o dia 31 de dezembro de 2024, quando termina o mandato de Manga. Mesmo que esses prognósticos fossem superados e que, num esforço supremo, a Prefeitura conseguisse viabilizar dez empreendimentos nos moldes do Jardim Tropical, teriam sido iniciadas (não necessariamente entregues), ao final de tudo, 800 unidades residenciais.

O Casa Nova nasceu fadado a ser, quando muito, um projeto de vitrine, bonito para mostrar aos incautos na campanha eleitoral, mas incapaz de solucionar a crise da moradia. (Foto: Secom Sorocaba)

Esse número nem de longe justifica a propaganda enganosa sobre ser o Casa Nova o maior projeto habitacional municipal do Brasil. Em 1992 (portanto, há 30 anos), Sorocaba inaugurou o Conjunto Habitacional Júlio de Mesquita Filho, logo rebatizado de Sorocaba 1, com 3.506 moradias; mais recentemente, em 2016, foi inaugurado o Residencial Carandá, com 2.560 apartamentos. Nos dois casos, todas as unidades – e não apenas uma fração delas – eram destinadas à população de baixa renda. E ambos tiveram impactos significativos no déficit habitacional.

Diante do fracasso previsível do programa Casa Nova Sorocaba, é de se lamentar que o prefeito, cedendo ao afã midiático de vender a imagem de grande administrador, tenha torrado R$ 75 mil do dinheiro dos contribuintes para a festa de sorteio de apartamentos que ainda sequer começaram a ser construídos. Um verdadeiro showmício realizado no Estádio Municipal Walter Ribeiro (CIC), debaixo das barbas das autoridades que deveriam vigiá-lo e cobrar dele o respeito à impessoalidade, que é um dos preceitos basilares da administração pública inscritos na Constituição.

Não há como não concluir, com uma ponta de tristeza, que Manga manipula premeditadamente os sentimentos e as esperanças das pessoas, com o único intuito de promover a si mesmo, talvez com vistas à reeleição ou a algum projeto político ainda mais ambicioso. Na medida em que o Casa Nova se inviabiliza, por outro lado, é fundamental cuidar para que a ânsia de Manga em cumprir a principal promessa de campanha não resulte na adoção de projetos excludentes e marginalizantes, como o que pretende dar lotes (ou vender, não se sabe ao certo) para quem não tem condições, por vezes, de comprar um quilo de feijão.

Projetos como esse precisam ser muito bem planejados e não dispensam, de maneira alguma, a assistência efetiva do poder público, com recursos humanos e materiais, para assegurar que as famílias não sejam simplesmente jogadas em terrenos sem a menor condição de ser habitados, como ocorreu no final dos anos 1990 com as primeiras famílias transferidas à força para a área que viria a ser conhecida como Habiteto (depois Conjunto Habitacional Ana Paula Eleutério).

Moradia não é um pedaço de chão, embora este seja importante. É todo um conjunto de estruturas que permitem à pessoa viver com dignidade. E se o sonho neoliberal das PPPs não se concretiza, se projetos de grande porte não são pleiteados aos governos estadual e federal, é mais que evidente que algo precisa ser feito no âmbito do município, para que uma redução gradativa do déficit habitacional comece a sair do campo das palavras e traduzir-se em moradias. Boas, dignas, suficientes moradias.

Uma residência não se faz com palavras, sonhos e promessas, mas sim com tijolos, areia, cimento, telhas, portas e janelas. Sorocaba precisa urgentemente de um projeto habitacional que seja mais do que uma live no Facebook ou um showmício no CIC.

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