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Operação Cortina de Fumaça

Como profissional de marketing e político, Manga deve saber que, assim como denúncias e escândalos podem erodir sua popularidade, o não cumprimento de compromissos de campanha tende, em ano pré-eleitoral, a lançar no descrédito uma imagem de eficiência construída à custa de muita promoção pessoal

José Carlos Fineis* (Portal Porque)

“Segundo versão corrente entre observadores políticos, o Governo Manga, tendo a bancada governista na Câmara como coadjuvante, estaria empenhado em uma estratégia diversionista.” Foto: Secom/PMS

Ainda é cedo para dimensionar o estrago que a denúncia de superfaturamento na compra de um prédio para a Secretaria de Educação, com prejuízo aos cofres públicos estimado pelo Gaeco (Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado) da ordem de R$ 10,3 milhões, causou na imagem do prefeito Rodrigo Manga (Republicanos) e de seu governo, de maneira geral.

Se existe, porém, como se suspeita, relação entre o volume de factoides lançados pela Prefeitura desde que o escândalo veio a lume e a denúncia de superfaturamento — devidamente transformada em processo que tramita na 2ª Vara Criminal de Sorocaba, e alvo de denúncias na Justiça Cível e Vara da Fazenda Pública –, a conclusão inevitável é de que houve, sim, um abalo, e dos grandes.

Segundo versão corrente entre observadores políticos, o Governo Manga, tendo a bancada governista na Câmara como coadjuvante, estaria empenhado em uma estratégia diversionista, com o intuito de desviar, a qualquer custo, as atenções da imprensa e da opinião pública das mazelas que deslustram a imagem do prefeito e, pior, que fazem seu grupo político temer uma mudança de ventos.

E não são poucos os problemas. A começar pelo balanço de promessas feitas em campanha e ainda não cumpridas, após dois anos de governo (leia aqui); passando pelo pedido de multa de R$ 10,7 milhões, por descumprimento de acordo com o Ministério Público do Trabalho e Ministério Público Estadual, para a erradicação do trabalho infantil (leia aqui) e pelo acórdão do Tribunal de Contas que julgou irregular um convênio para implantação de leitos covid, também por superfaturamento (leia aqui) –, os revezes têm sido frequentes.

É nesse contexto de cortina de fumaça que se explicaria a “live do fim do mundo”, no dia 17 de janeiro, quando o prefeito, dando mostras de admirável insapiência sobre o funcionamento da represa de Itupararanga e sua relação com o rio Sorocaba, alardeou o risco de descontrole e até de rompimento daquela barragem, sem apresentar uma solução no âmbito de sua administração para o problema crônico das enchentes, em grande parte causadas pela água da chuva, e não do rio.

Nesse contexto, também, se explicaria a remessa, no começo desta semana, de projeto acintosamente inconstitucional ao Legislativo, com pedido de tramitação em regime de urgência, para proibir a Marcha da Maconha em Sorocaba e também a venda de livros, revistas e publicações que possam, segundo critérios de censura ainda não explicitados, “fazer apologia” ao consumo de drogas ilícitas.

Nada disso, porém – a julgar pela reação média do público nas redes sociais –, foi capaz de tirar o foco dos problemas que se avolumam, e que podem determinar mudanças na avaliação do governo pelos munícipes e, por extensão, pelos vereadores. A opinião pública, como se sabe, tem o poder de colocar em conflito aliados que pareciam eternos, como o próprio Manga deve saber por experiência própria — ele que, enquanto vereador, carregou nos ombros, em triunfo, aquele a quem ele próprio ajudaria a cassar, apenas alguns meses depois.

O Legislativo, historicamente, muda de lado como biruta de aeroporto, conforme o humor das ruas. Numa semana particularmente difícil para o prefeito, em que vereadores “aliados” (já agora grafados entre aspas) subiram à tribuna para reclamar abertamente de seu governo, uma pergunta que poderia parecer despropositada, até alguns meses atrás, se impõe de maneira incontornável: existe o risco de deterioração, em curto prazo, da relação entre prefeito e Câmara, caso a imagem do governo prossiga em sua trajetória de desgaste?

“Política é como nuvem. Você olha e ela está de um jeito. Olha de novo e ela já mudou”, ensinava o ex-ministro e ex-deputado federal Magalhães Pinto. Como profissional de marketing e político, Manga deve saber que, assim como denúncias e escândalos podem erodir sua popularidade, o não cumprimento de compromissos de campanha tende, em ano pré-eleitoral, a lançar no descrédito uma imagem de eficiência construída à custa de muita promoção pessoal, por ele próprio, Manga, e por aquela grande agência de publicidade existente na Prefeitura de Sorocaba, que responde pelo nome de Secom.

Sintomaticamente, depois de prometer nos palanques e apregoar durante dois anos o “maior projeto habitacional municipal do Brasil” (o programa Casa Nova Sorocaba, que, afinal de contas, se mostrou excessivamente lento e de pequeno alcance), o prefeito acorreu ao governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) para solicitar investimentos do governo do Estado na área habitacional.

Também sintomático é que, questionada insistentemente pela opinião pública sobre investimentos em obras para evitar enchentes, a Prefeitura de Sorocaba tenha publicado uma notícia em seu site, na quinta-feira, 8, na qual consta uma informação absolutamente inverídica: “No ano passado, o Saae/Sorocaba realizou o desassoreamento do Rio Sorocaba, em toda a Zona Urbana [grifo da Redação], em parceria com o Governo do Estado.” Pura fake news.

O fato é que, à medida em que o mandato do prefeito avança em seu terceiro ano, sem que alguns dos mais importantes compromissos de campanha tenham sido cumpridos sequer parcialmente, a problemática se desloca inexoravelmente do campo da propaganda — em que, como diria o Doutor Pangloss, tudo vai bem no melhor dos mundos possíveis — para o da aferição empírica de resultados. E é aqui que a situação se complica, pois não há live, narrativa ou factoide que se sobreponha à realidade sentida na pele pela população, em seu dia a dia.

*José Carlos Fineis é editor-chefe do Portal Porque

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