
Projeto de poder marcado pelo inconformismo preconiza uma quartelada digna de republiqueta para conseguir o que não se obteve legalmente, pelas urnas. Foto: reprodução/Facebook
Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição. (Artigo 1o, inciso V, parágrafo único, Constituição da República Federativa do Brasil de 1988)
A aglomeração golpista defronte a uma instalação do Exército, no bairro Santa Rosália, em Sorocaba, já seria passível de intervenção policial pelos muitos transtornos que vem ocasionando desde quarta-feira, dia 2. Afinal, além de interditar parcialmente o trânsito em uma movimentada avenida, com risco de colisões e atropelamentos, os conspiradores atrapalham, com palavras de ordem repetidas em alto volume, as aulas em uma escola próxima (leia aqui) e até mesmo a despedida aos mortos no velório da Ofebas, localizado ali perto (leia aqui).
Por si só passível de repreensão enérgica, a ocupação do canteiro e parte das pistas é, entretanto, um problema menor, diante da afronta à legislação brasileira que ocorre acintosamente no local. O que os manifestantes querem – felizmente, sem a menor chance de conseguir – é rasgar a Constituição. Defendem a ideia, digna de um jumento, de provocar um levante das Forças Armadas. Não se importam que o Brasil se torne uma ditadura, desde que isso evite a posse de Luiz Inácio Lula da Silva, o presidente eleito com mais de 60 milhões de votos.
Já seria gravíssimo se um bando de lunáticos conspirasse contra o Estado Democrático de Direito, com o intuito de solapar a democracia por meio de uma quartelada digna das mais patéticas republiquetas. Mas há algo ainda mais assombroso nisso tudo. E esse algo é a condescendência – ou, para usar uma expressão popular, a vista grossa – com que os criminosos são tratados pelas autoridades, sem que os que deveriam zelar pela observância das leis tenham tomado, até onde é possível saber, providências para identificar, responsabilizar e enquadrar legalmente os conspiradores.
O acampamento de Santa Rosália é uma vergonha para Sorocaba e suas autoridades, assim como foi uma vergonha de proporções nacionais o apoio do prefeito Rodrigo Manga (Republicanos) aos golpistas que bloquearam a rodovia Raposo Tavares, causando prejuízos generalizados à população. A sensação que se tem, diante desse estado de coisas, é que Sorocaba se tornou uma terra sem lei e sem comando, onde tudo é permitido – desde que esse “tudo” tenha origem na extrema-direita e encontre respaldo na anemia moral de uma parte da classe dirigente.
Fiel a seus princípios democráticos e à Constituição da República Federativa do Brasil, o PORQUE registra, de público, seu repúdio à falta de atitude, especialmente no campo judicial, de quem deveria pôr fim ao atentado criminoso contra a democracia, e não o faz. Nada justifica que as autoridades do Executivo, Legislativo e Judiciário, sempre prontas a combater e reprimir “pancadões” e outras formas de perturbação do sossego promovidas por atores periféricos, silenciem diante de um movimento organizado, impatriótico e que conspira à luz do dia contra o Estado de Direito.
Não há desculpa possível para a apatia das autoridades dos três poderes diante da afronta premeditada à lei e à ordem. Passou da hora de acabar com a mobilização fascista numa das principais avenidas da cidade. Ao permitir que os mandamentos constitucionais sejam pisoteados em plena avenida, as autoridades se tornam cúmplices e responsáveis pelo golpismo daqueles (felizmente poucos) que, a aceitar a derrota, preferem trair os princípios basilares de uma nação livre, pluralista e soberana, num dos episódios mais deploráveis que Sorocaba já presenciou.
José Carlos Fineis, jornalista e editor-chefe do Portal Porque