
Vereadores Iara Bernardi, Fernanda Garcia e Cícero João protocolam pedido de CPI que não foi instalada, sob alegação de que bancada governista saiu na frente. Foto: divulgação
Ao criar duas Comissões Parlamentares de Inquérito (CPIs), com o intuito publicamente assumido de inviabilizar uma outra CPI, pretendida por membros da oposição na Câmara Municipal, a base de apoio ao prefeito Rodrigo Manga (Republicanos) rumou, a passos largos, para o terreno do imponderável, onde tudo pode acontecer – até mesmo um indesejado tiro no pé.
Nem se pode dizer que foi uma vitória. Mesmo antes de começarem a funcionar, as CPIs chapa-branca, como estão sendo chamadas, depõem tacitamente contra Manga, na medida em que ele, por intermédio de sua base de apoio, demonstra não querer que os gastos milionários de seu governo passem pelo crivo de uma investigação independente – algo que não deveria temer, na hipótese de as licitações terem sido realizadas dentro da legalidade, sem direcionamentos, favorecimentos ou superfaturamentos.
Passada a corrida de obstáculos para inviabilizar a CPI da oposição, a bancada governista se vê, agora, diante de uma missão quase impossível: investigar os contratos da educação e da saúde do governo Manga sem incorrer no risco de encontrar, ainda que acidentalmente, alguma irregularidade nas licitações – e, de quebra, sem passar para a opinião pública a impressão de que, ao criar empecilhos para uma investigação independente, seus integrantes tomam posição favoravelmente a negociatas, ou ainda – também plausível – que não passam de um bando de capachos do prefeito.
Nesse contexto, o desenrolar das CPIs oferecerá, em paralelo à ópera bufa que se ensaia – e a menos que a Justiça intervenha liminarmente, como membros da oposição têm pedido, para que a composição das comissões os inclua –, oportunidade para que se ponha à prova a fidelidade dos governistas a Manga e, o que não é menos importante, a fidelidade de cada um a si mesmo, já que avançar com a farsa, a depender da percepção pública sobre o grau de embromação das CPIs, poderá significar – especialmente em ano pré-eleitoral – algo assim como um suicídio político.
Esses, porém, são os riscos da “operação abafa” caso ela seja bem-sucedida, ou seja: caso leve, como se pretende, de nada a lugar nenhum, para que tudo continue exatamente como está no fantástico mundo de Manga, onde tudo é lindo e maravilhoso.
Existem outros perigos inerentes à manobra, e, uma vez que se penetrou no terreno movediço da imponderabilidade, não se deve ignorá-los. Pode até mesmo acontecer de as CPIs, contra a vontade do prefeito e de seus integrantes – por algum depoimento imprevisto ou documento sigiloso que vaze para a imprensa – , destamparem a caixa de pandora dos contratos milionários, trazendo à luz fatos palpáveis sobre aquilo que hoje apenas se suspeita.
CPIs, como comprova a história do Brasil nos últimos 30 anos, são como fogo no mato. Por mais que se procure controlá-lo, existe sempre a possibilidade de as chamas – ou, no caso, os fatos apurados – se alastrarem por lugares que se pensava estarem protegidos, e até mesmo se voltarem contra aqueles que acenderam a fogueira.
Será muito interessante acompanhar os trabalhos dessas comissões e o posicionamento dos vereadores. De alguma maneira, a bancada situacionista se colocou entre a espada e o abismo, e precisará exercitar ao máximo sua capacidade de contorcionismo político-midiático para proteger o prefeito sem comprometer o futuro de seus membros.
Seja qual for o desenrolar dos fatos, entretanto, é fundamental que a população possa acompanhar os trabalhos, por meio de sessões públicas e televisionadas. Uma CPI que não seja pública e transparente, como a Constituição preconiza para os assuntos de interesse da sociedade, será, só por esse fato, uma ofensa à inteligência dos munícipes e um tapa na cara de quem, independentemente de simpatizar com o prefeito ou não, preza pela correção dos negócios públicos.
Pior do que CPI chapa-branca, só CPI chapa-branca a portas fechadas.
*José Carlos Fineis é editor-chefe do Portal Porque