Não existe a mínima coerência no plano anunciado pela Prefeitura de Sorocaba, de construir um novo terminal rodoviário com recursos próprios – ou melhor, mediante empréstimo em dólares de uma instituição internacional – e chamar para si uma despesa que remonta a astronômicos R$ 35 milhões, para depois entregá-lo, pronto e acabado, à exploração da iniciativa privada.
O prefeito Rodrigo Maganhato tem afirmado e reafirmado, antes e depois das eleições, que em seu governo não se fincará um prego sem antes buscar recursos no setor privado, por meio de parcerias público-privadas (PPPs). Essa é, por sinal, a estratégia com a qual pretende cumprir promessas de campanha, como a implantação do hospital municipal e a construção de moradias para famílias de baixa renda.
Por que então a opção por construir a nova rodoviária com recursos da Prefeitura, mediante um endividamento monstruoso e desnecessário? Não seria o caso de se procurar, também neste caso, o capital privado, evitando-se assim que o Município acabe desperdiçando, em plena crise econômica e fiscal, o equivalente a quase três orçamentos anuais da Secretaria da Cultura?
MONEY, MONEY, MONEY…
Até onde se divulgou, a PPP está fora dos planos. “A construção do empreendimento será realizada pela Prefeitura, em um prazo de dois anos, a um custo estimado de R$ 35 milhões, via financiamento internacional já aprovado pela Câmara Municipal”, anuncia o site da Prefeitura, em texto datado de 17 de novembro.
A opção não parece muito inteligente, porque é nesse tipo de empreendimento – mais até do que na construção de hospitais ou de apartamentos populares – que a PPP faz brilhar os olhos do setor privado. Isso, é claro, desde que se condicione o investimento na construção do prédio a um contrato de concessão para exploração comercial do mesmo, por um período pré-determinado de tempo.
Afinal, o que é uma rodoviária senão um imenso shopping center, com diversas e promissoras oportunidades de fazer dinheiro? Na verdade, uma estação rodoviária não só se assemelha a um shopping – com possibilidade de lucro com aluguel de espaços comerciais, praças de alimentação, guarda-volumes, sanitários, estandes de vendas e estacionamentos –, como apresenta um diferencial magnífico em relação aos shoppings: as pessoas não escolhem passar por lá. Elas são obrigadas.
Conforme projeções da própria Prefeitura, nada menos que 50 mil pessoas deverão passar pela nova rodoviária, todos os meses.
JÁ DEU CERTO UMA VEZ
Um terminal rodoviário é um negócio tão atraente para o capital privado que há cinquenta anos, quando muitos dos atuais defensores das PPPs sequer haviam nascido, uma empresa privada construiu a atual rodoviária de Sorocaba – essa mesma, ainda hoje em funcionamento –, sem que o Município desembolsasse um centavo.
Pelo contrário. A parceria foi viabilizada por meio da lei nº 1.615, de 22 de outubro de 1970, assinada pelo ex-prefeito Armando Pannunzio, que poderia ser considerada leonina, se comparada às PPPs atuais: afinal, para conquistar o direito de explorar os espaços comerciais do futuro terminal por alguns anos, a vencedora da concorrência precisaria apresentar o projeto de engenharia, comprar o terreno, oferecer vantagens ao Município em aspectos como custos de tarifas e, por fim, doar para a Prefeitura – isso mesmo, doar – a área de embarque e desembarque, áreas de circulação de veículos, estacionamento público, administração, fiscalização e postos de informações.
A concorrência foi vencida pela empresa Sociedade Comercial e Administração Ltda (Sócia), que recebeu a concessão da exploração comercial, inicialmente, por 12 anos (prazo depois prorrogado).
ENTÃO, POR QUE NÃO?
Não há dúvida de que o terminal rodoviário de Sorocaba está obsoleto, após 50 anos de bons serviços prestados. No entanto, ainda mais obsoleta é a maneira como a administração municipal pretende construir uma nova estação para os ônibus intermunicipais, em total contradição com o compromisso de buscar a parceria do capital privado sempre que possível, e em flagrante desprezo a esse princípio fundamental de toda administração que se preze, que é a economicidade.
Se o prefeito Manga conseguir o que o ex-prefeito Armando Pannunzio conseguiu meio século atrás, poupará Sorocaba de um endividamento vultoso e inoportuno ou, na pior das hipóteses – se o empréstimo já estiver formalizado – liberará R$ 35 milhões para investimentos públicos em áreas nas quais a iniciativa privada não ousa ingressar, ou porque exigem investimentos milionários, ou porque os lucros, nestes tempos de vacas magras, são incertos.
Como a habitação e a saúde, por exemplo, cujos projetos de PPPs correm o risco de não sair do papel, se os resultados para a iniciativa privada – que não está aí para fazer filantropia – não forem suficientemente lucrativos.