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É infâmia demais

José Carlos Fineis* (Portal Porque)

O prefeito Rodrigo Manga discursa para golpistas na Raposo Tavares: apoio, agradecimentos e parabéns pelo ato antidemocrático. Foto: reprodução/redes sociais

Aparentando não ter nada mais importante para fazer — nenhuma pintura de parede, troca de lâmpada ou roçagem de mato que pudesse “inaugurar” numa de suas costumeiras solenidades de autopromoção –, o prefeito Rodrigo Manga (Republicanos) foi até o bloqueio da rodovia Raposo Tavares para expressar sua solidariedade aos conspiradores golpistas, que tentam, em Sorocaba e por todo o Brasil, tumultuar o ambiente político e forçar uma intervenção militar, inconformados com a derrota nas urnas e insurgidos contra o Estado Democrático de Direito.

Mas não foi apenas sua camaradagem com os golpistas que Manga expressou.

Ao adular desavergonhadamente um movimento antidemocrático, já declarado ilegal pela Corte Suprema, o prefeito revelou toda a amplitude de seu estreitamento moral, caracterizado por um oportunismo sem escrúpulos e uma irresponsabilidade inaceitável em qualquer detentor de cargo público.

Todos sabem: Manga é um garoto-propaganda de si mesmo e vive em estado permanente de autopromoção. No entanto, nem todo o afã midiático poderia justificar essa afronta à democracia, à vontade soberana do povo, às ordens exaradas pelas autoridades máximas do Judiciário e à Lei Maior brasileira – a Constituição.

Só mesmo numa cidade em que as autoridades, de há muito, se comportam como se nada tivessem a ver com os arroubos ególatras de um chefe do Executivo abusivamente politiqueiro, o que se viu hoje poderia ser aceito como parte de uma normalidade: baderneiros, arruaceiros, conspiradores, golpistas – ou seja lá que nome se possa dar aos extremistas de direita, defensores de um golpe de Estado – serem tratados com elogios, agradecimentos e complacência pelo prefeito e por aqueles que deveriam, justamente, pelo diálogo ou por força de medidas punitivas, promover a liberação das rodovias e a volta à normalidade das atividades prejudicadas.

É inadmissível que, sob as barbas de senhores regiamente remunerados para defender a sociedade, conspiradores confraternizem abertamente com a Polícia Rodoviária Estadual, cuja presença se assemelha mais a uma escolta cúmplice, do que a uma ação policial efetiva. Fosse qualquer outro movimento – notadamente, de esquerda – a promover esse tipo de arruaça nas rodovias, com prejuízos dramáticos para tantos setores da sociedade, o mínimo que se veria seriam policiais armados até os dentes, atirando bombas de efeito moral e dando tiros de borracha. Mas são bolsonaristas lá na rodovia. “Gente de bem”, como eles dizem. E o que as autoridades – também elas, em sua maioria, bolsonaristas – fazem? Passam a mão na cabeça dos golpistas. Zelam por eles enquanto fazem selfies no meio do asfalto, para mostrar mais tarde, no bar.

Como escreveu o poeta brasileiro Castro Alves (por sinal, nordestino), em seu magnífico poema “O navio negreiro” — é infâmia demais! E ainda rezam o Pai Nosso. E ainda fazem da bandeira verde e amarela capa, babador e avental. Essa gente, à qual o prefeito Rodrigo Manga foi se juntar de forma irresponsável, e em cuja manifestação saltitou alegremente como pinto no lixo, nada tem de patriota. Não são pessoas que amam o Brasil. São delinquentes. São – com perdão da palavra – subversivos. Idólatras ensandecidos pela derrota de seu “mito” e a derrocada iminente seu líder boquirroto. Protótipos de ditadores que tentaram impor, durante quase quatro anos — à custa de centenas de milhares de vidas, de fome e miséria generalizadas, de supressão sistemática de direitos, de corrupção acobertada por sigilos de 100 anos – um projeto de país excludente, violento, ignorante: numa palavra, um projeto nojento de país.

Rodrigo Maganhato, desça do palanque! Vá governar a cidade que o elegeu! Se olhar em volta, verá que há muito o que fazer, além de apoiar conspiradores e usar a máquina pública para se promover. Verá pessoas a revirar caçambas de lixo para achar algum alimento. Verá munícipes esperando por horas, dias, meses para serem atendidos na rede de Saúde. Verá mães e pais na fila de espera das creches para ter onde deixar suas crianças. Verá barracos sendo construídos em áreas de ocupação, na falta de um programa habitacional decente e que funcione. Verá uma cidade escura, repleta de lâmpadas queimadas, pois nem isso – a zeladoria indispensável e corriqueira – sua administração é capaz de fazer a contento!

Vá trabalhar, prefeito! Renuncie ao populismo barato! Não seja mais um golpista. Não tente impedir o sol da democracia de raiar no horizonte. Não conspire contra a vontade do povo – esse mesmo povo que o elegeu e que não deixou de ter direitos e dignidade, só porque V. Exa. e seu grupo político perderam as eleições.

Existe um povo que a bandeira empresta
P’ra cobrir tanta infâmia e cobardia!…
E deixa-a transformar-se nessa festa
Em manto impuro de bacante fria!…
Meu Deus! meu Deus! mas que bandeira é esta,
Que impudente na gávea tripudia?
Silêncio. Musa… chora, e chora tanto
Que o pavilhão se lave no teu pranto!…

Auriverde pendão de minha terra,
Que a brisa do Brasil beija e balança,
Estandarte que a luz do sol encerra
E as promessas divinas da esperança…
Tu que, da liberdade após a guerra,
Foste hasteado dos heróis na lança
Antes te houvessem roto na batalha,
Que servires a um povo de mortalha!…”

Trecho de “O navio negreiro”, de Castro Alves

*José Carlos Fineis é jornalista e editor-chefe do Portal Porque

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