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Sociedade civil se mobiliza para exigir encerramento da Operação Escudo da PM

Além de se manifestar contrários ao tipo de intervenção estatal nas comunidades da baixada, entidades querem abertura de diálogo com o governador

Fernanda Ikedo* (Portal Porque)

Entidades do movimento negro realizaram protesto diante da Secretaria de Segurança Pública na quinta-feira, 3, em São Paulo: “Operação Vingança”. Foto: Paulo Pinto/Agência Brasil

Atualizada às 17h08

O encerramento imediato da Operação Escudo deflagrada pela Polícia Militar de São Paulo no Guarujá, a apuração das circunstâncias em que 16 pessoas foram mortas e o início de um diálogo entre o governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) e entidades da sociedade civil foram defendidas, nesta sexta-feira, 4, em nota conjunta assinada por órgãos governamentais, instituições, entidades de classe, parlamentares e movimentos sociais.

“Com os inúmeros reclames sobre torturas, advindos da população aos órgãos de defesa de direitos humanos do Estado de São Paulo, criamos um grupo de trabalho formado por entidades e parlamentares visando articular junto ao sistema de justiça a necessária transparência e o processo de apuração sobre os resultados desta operação, promovendo diversos requerimentos legais e pertinentes ao caso”, informa a nota conjunta.

Entre os signatários, estão a OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), a Ouvidoria das Polícias do Estado de São Paulo, a Comissão Justiça e Paz e o Sindicato dos Advogados do Estado de São Paulo (veja abaixo a íntegra da nota e todos os signatários).

Tribunal sumário

“O calor de uma tropa inflamada pela perda de um valoroso integrante não pode, jamais, incensar um tribunal sumário à margem da lei e das garantias constitucionais”, ressaltam no texto que reforça as atrocidades que vêm ocorrendo. E, mais adiante: “A morte do soldado PM, os muitos cadáveres que vão surgindo a cada nova contagem, clamam por justiça – nunca justiçamento.”

Os signatários exigem que sejam respeitados os princípios e fundamentos o Estado Democrático de Direito e também lamentam “a morte e ferimento dos policiais militares, casos em que o Estado deve acolher e amparar os familiares e garantir o pleno reestabelecimento da saúde dos mesmos”, mas salientando que “as buscas por criminosos organizados através destas ações territoriais frequentemente extrapolam seus objetivos, deixando um rastro de mortes e violência”.

Valendo-se das premissas assentadas quando do julgamento da ADPF 635 por nossa Máxima Corte de Justiça (STF) afirmam que a “Operação Escudo”, “da forma como está sendo feita, além de produzir resultados violentos, é desprovida de inteligência investigativa e técnica policial”.

Investigação e responsabilização

A nota conjunta reivindica mudança por parte do Governador do Estado, que “não pode, antes de concluir todas as apurações detalhadas e técnicas pelos órgãos competentes, declarar que a operação está sendo bem-sucedida. No afã de, no seu dizer, combater o crime organizado até o momento a operação deixou dezenas de mortos civis e impinge à comunidade um ambiente de total insegurança, conforme denúncias de práticas, em tese, de torturas, abusos de direitos, execuções sumárias, além de outras irregularidades, incluindo lacunas técnicas e de preceitos constitucionais”.

As ações do coletivo de signatários não se restringem à divulgação da nota, que também é reivindicativa, além de manifestação de repúdio. Mas, também ressaltam que criaram um grupo de trabalho formado por entidades e parlamentares visando articular junto ao sistema de justiça a necessária transparência e o processo de apuração sobre os resultados desta operação, promovendo diversos requerimentos legais e pertinentes ao caso.

Protesto em São Paulo

A chamada Operação Escudo foi deflagrada no último final de semana, depois que o soldado Patrick Bastos Reis, da Rota (Ronda Ostensiva Tobias de Aguiar), foi baleado e morto durante patrulhamento. Na busca dos responsáveis pelo crime, 16 pessoas foram mortas. A Polícia e o governador do Estado afirmam que as mortes ocorreram em confrontos armados, mas há relatos de pessoas que teriam sido executadas e até torturadas pelos policiais.

Entidades ligadas ao movimento negro fizeram, no início da noite desta quinta-feira (3), um ato pedindo o fim da Operação Escudo da polícia paulista. A operação já resultou em, ao menos, 16 mortes no litoral do Estado. A manifestação, que também contou com a participação de parlamentares, ocorreu em frente ao prédio da Secretaria de Segurança Pública (SSP) do Estado de São Paulo, no Largo São Francisco, região central da capital paulista.

“A gente precisa acabar imediatamente com a Operação Escudo, que é uma operação de vingança contra as comunidades daquele território. Os moradores estão absolutamente assustados, aterrorizados”, disse Elaine Mineiro, ou Elaine do Quilombo Periférico, vereadora de São Paulo pelo PSol.

Abaixo, a íntegra da nota conjunta.

“As Instituições e autoridades abaixo assinadas vêm publicamente, diante dos últimos acontecimentos na Baixada Santista e no Guarujá com relação a “Operação Escudo” deflagrada pelo Governo do Estado, manifestar contrariedade ao tipo de intervenção estatal nas comunidades da baixada e pedir o fim imediato da malfadada operação que produziu uma quantidade injustificada de mortes e violência institucional contra a população local, que sofre com os chamados ‘efeitos colaterais’, que afetam sua saúde, educação e a vida cotidiana. Estas organizações e entidades clamam para que os princípios e fundamentos do Estado Democrático de Direito sejam respeitados.

Lamentamos a morte e ferimento dos policiais militares, casos em que o Estado deve acolher e amparar os familiares e garantir o pleno reestabelecimento da saúde dos mesmos, salientando que as buscas por criminosos organizados através destas ações territoriais frequentemente extrapolam seus objetivos, deixando um rastro de mortes e violência.

A referida ‘Operação Escudo’, da forma como está sendo feita, além de produzir resultados violentos, é desprovida de inteligência investigativa e técnica policial, transgredindo, de pronto, todas as premissas assentadas quando do julgamento da ADPF 635 por nossa Máxima Corte de Justiça (STF).

O Governador do Estado não pode, antes de concluir todas as apurações detalhadas e técnicas pelos órgãos competentes, declarar que a operação está sendo bem-sucedida. No afã de, no seu dizer, combater o crime organizado, até o momento a operação deixou dezenas de mortos civis e impinge à comunidade um ambiente de total insegurança, conforme denúncias de práticas, em tese, de torturas, abusos de direitos, execuções sumárias, além de outras irregularidades, incluindo lacunas técnicas e de preceitos constitucionais.

A morte do soldado PM, os muitos cadáveres que vão surgindo a cada nova contagem, clamam por justiça – nunca justiçamento. A cada suspeito, acusado, envolvido, cabe o trabalho firme das forças de segurança e o devido processo legal por parte dos órgãos competentes. O calor de uma tropa inflamada pela perda de um valoroso integrante não pode, jamais, incensar um tribunal sumário à margem da lei e das garantias constitucionais.

Com os inúmeros reclames sobre torturas, advindos da população aos órgãos de defesa de direitos humanos do Estado de São Paulo, criamos um grupo de trabalho formado por entidades e parlamentares visando articular junto ao sistema de justiça a necessária transparência e o processo de apuração sobre os resultados desta operação, promovendo diversos requerimentos legais e pertinentes ao caso.

Neste cenário, não há justificativa plausível para se dar continuidade à ‘Operação Escudo’, que deve ser interrompida imediatamente, retirando-se todo o efetivo da comunidade onde residem centenas de pais de famílias, idosos, crianças, ora afetados pela referida operação; mesmo porque, nela há flagrantes violações dos preceitos dos Protocolos de Minnesota e Istambul aderidos pelo Estado Brasileiro.

Por isso, as entidades e instituições de defesa dos Direitos Humanos, em cooperação com outros órgãos de defesa e garantia da cidadania e ainda organismos internacionais, vão ingressar com todas as medidas cabíveis para exigir uma investigação isenta, livre de cortinas ideológicas, dentro das garantias e dispositivos legais.

Igualmente, solicitamos um encontro em caráter de urgência com o Governador Tarcísio de Feitas com a finalidade de estabelecer um diálogo sobre os passos que devem ser adotados para as apurações aqui elencadas.

As forças policiais têm um papel preponderante nestes cenários, que é o de garantir segurança e tranquilidade aos cidadãos, nunca o seu contrário. O medo é combustível inflamável por onde pode transitar a volatilidade dos direitos e a violação da cidadania. Contra isso, é preciso apontar as inconsistências de justificativas técnicas que obscurecem a tecnicalidade historicamente louvada das polícias científicas e seus institutos. É preciso acompanhar cada passo, cada imagem, cada elemento probatório para que o processo transite dentro da mais perfeita legalidade e transparência. Para que nenhuma vida mais se perca, porque a paz e a segurança são frutos da justiça, e não podem ser leiloadas pela ignomínia do crime nem pela insensatez da vingança.

São Paulo, 04 de agosto de 2023

Condepe (Conselho Estadual de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana)
Comissão de Direitos Humanos da OAB SP
Comissão de Justiça e Paz
Comissão da Verdade sobre a Escravidão Negra da OAB SP
Deputada Estadual Ediane Maria (PSOL – SP)
Deputadas Estaduais Mônica Seixas e Rose Soares 
(Movimento Pretas – PSOL – SP)
Deputadas Estaduais Paula Nunes dos Santos e Simone Nascimento 
(Bancada Feminista – PSOL – SP)
Deputado Eduardo Matarazzo Suplicy (PT – SP), presidente da Comissão 
de Direitos Humanos da ALESP
Deputado Estadual Paulo Batista dos Reis (PT – SP)
Ouvidoria da Polícia do Estado de São Paulo
Sindicato dos Advogados do Estado de São Paulo
Rede Cristã de Advocacia Popular – RECAP
Vereadora Débora Camilo (PSOL – Santos)
Vereadora Elaine do Quilombo Periférico (PSOL – SP)
Vereadora Luna Zarattini (PT – SP), presidenta da Comissão 
de Direitos Humanos da Câmara Municipal de São Paulo
Vereadora Telma de Souza (PT – Santos)
e diversos movimentos sociais.

*Com informações da Redação e de Bruno Bocchini, da Agência Brasil.

Nota da Redação: inicialmente, a nota divulgada citava como signatários o Human Rights Watch, o Ministério de Direitos Humanos e Cidadania do Governo Federal e o Núcleo de Cidadania, Direitos Humanos da Defensoria Pública de São Paulo. Em nota divulgada posteriormente, a Ouvidoria das Polícias de SP informou que os órgãos citados “por razões normativas e de encaminhamento técnico não assinaram a nota anteriormente encaminhada”. 

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